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Condições de sucesso de enunciados performativos Em geral a elocução de performativos não constitui condição sufi ciente para a realização de um acto de fala, apesar de ser uma

No documento Filosofia da linguagem : uma introdução (páginas 166-171)

A filosofia da linguagem depois de Wittgenstein (J Austin,

B. Quine e Davidson

2. Condições de sucesso de enunciados performativos Em geral a elocução de performativos não constitui condição sufi ciente para a realização de um acto de fala, apesar de ser uma

condição necessária. Outros requisitos têm que ser respeitados para que um acto de fala possa ser considerado ‘feliz’ ou bem sucedido (felicitous) (os performativos, ainda que não sejam verdadeiros ou falsos, podem ser felizes ou infelizes, conseguidos, ou não conseguidos): (i) a existência de uma convenção que legitime o acto de fala em causa; (ii) correcção e comple- tude na execução do referido acto, (iii) correspondência entre as intenções que se espera dos participantes e as intenções que eles de facto têm.

Austin 1961, Performative Utterances

Há uma ideia da qual Austin discorda: a ideia de acordo com a qual tudo o que importa na linguagem é acerca de verdade e falsidade. Neste artigo procura explorar tal ideia. A ideia é comum entre os fi lósofos, e corresponde a uma concentração da atenção sobre a linguagem no carácter representacional desta. Os positivistas lógicos, por exemplo, defenderam, com o seu critério de signifi cação, que todo o enunciado que não é nem analítico nem sintético (e por- tanto verifi cável, confi rmável ou infi rmável), carece de sentido. No entanto, já Wittgenstein, nas Investigações Filosófi cas chamara a atenção sobre os diferentes usos da linguagem.

Austin discorda desta concentração da atenção dedicada à linguagem na verdade e falsidade; concentra a sua atenção no que chama ‘enunciações performativas’ (performative utterances), que distingue das constativas. São exemplos de enunciações performativas: ‘Eu te baptizo…’, ‘Declaro-vos casados’, ‘Prometo que te pago’, ‘Aposto ….’, ‘Traz-me seis metralhadoras’. Ao contrário das enunciações constativas, as enunciações performativas são avaliadas em termos de êxito e fracasso, e não de verdade e falsidade.

As infelicidades possíveis em enunciações performativas relacionam-se com determinadas con- dições que devem ser cumpridas para o seu sucesso, e que podem não obter. Tais condições são, segundo Austin, as seguintes: (i) a convenção deve existir, (ii) as circunstâncias devem ser apropriadas, (iii) certas crenças e intenções devem existir no enunciador. Pense-se por exem- plo, para o caso da enunciação ‘Declaro-vos marido e mulher’ (i) numa sociedade em que não existem padres ou juízes, (ii) no contexto de uma brincadeira de crianças, (iii) numa situação em que as partes envolvidas acreditam que o suposto padre ou juíz é um farsante.

Ao longo do artigo Austin procura encontrar critérios que lhe permitam distinguir com segu- rança enunciações performativas face a enunciações constativas – o problema é que ele pró- prio vai concluir que a distinção não é uma distinção absoluta. À partida, parecem constituir critérios para identificar uma enunciação performativa, na forma standard, a 1ª pessoa do sin- gular, o presente do indicativo, a voz activa. Existem ainda verbos performativos explícitos, que Austin procura identificar. O advérbio ‘Hereby’ (‘por este meio’, diríamos em português) cons- titui outra marca. No entanto não há esperança de um critério gramatical definitivo, taxativo, e Austin vem a notar no fim do artigo que, afinal, declarações são tão suceptíveis de infelicidade como enunciações performativas explícitas. Declarar algo é também um acto de fala, que pode ser feliz ou infeliz, ao poder ser verdadeiro ou falso. A distinção clara entre enunciados consta- tivos e enunciados performativos deve ser abandonada.

Um outro ponto posto em relevo por Austin é o facto de além do significado das enunciações, devermos considerar a sua força. Força ilocutória existe em todas as enuciações (aliás, a falsidade é uma forma, entre outras, de uma enunciação ser infeliz).

Tipologia dos actos de fala proposta por Austin

Austin propõe uma tipologia dos actos de linguagem de acordo com a qual quando dizemos alguma coisa fazemos várias coisas. Actos de linguagem envolvem: (i) ACTOS LOCUTÓRIOS (produção de sons ou marcas, o ‘fazer físico’ envolvido na linguagem); (ii) ACTOS ILOCU- TÓRIOS (fazer com palavras. Ex: pedir, ordenar, prometer); (iii) ACTOS PERLOCUTÓRIOS (produção de efeitos psicológicos específicos na audiência. Ex: persuadir, ofender, acalmar, irritar). O acto locutório envolve i) acto fonético (tem certas características sonoras), ii) acto fático (tem certas características morfológicas e gramaticais), iii) acto rético (tem certas carac- terísticas proposicionais, certas condições de verdade).

Austin centrou as suas análises dos actos de fala em acções convencio- nais. No entanto um acto de fala não tem necessariamente que ser desse tipo (governado por convenções).

Foi J. Searle e não J. Austin quem sistematizou a teoria dos actos de fala e lhe deu a face ortodoxa que ela hoje tem nos estudos da linguagem. A ideia base de Searle é que a componente ilocutória da linguagem é o aspecto fun- damental da competência linguística. A unidade mínima da comunicação é o acto ilocutório. O conceito de acto de fala mostra a necessidade de recurso a

conceitos mentais (como crença e intenção) para caracterizar o signifi cado. Neste sentido, a fi losofi a da linguagem seria um ramo da fi losofi a da mente. No Guião que se segue são apresentadas algumas das principais propostas de Searle neste contexto.

GUIÃO Nº 20

John Searle e a forma canónica da teoria dos actos de fala

John Searle (1932- )

«What is a speech act?», 1965

Speech Acts: an essay in the philosophy of language, 1969 Expression and Meaning: studies in the theory of speech acts, 1979

Intentionality, 1983

The Rediscovery of the Mind, 1992

Ideia: A unidade mínima da comunicação é o acto ilocutório

Divisão dos actos de linguagem (terminologia searleana, Speech Acts)

(i) Actos de enunciação (emissivo) (ii) Actos proposicionais

(iii) Actos ilocutórios (iv) Actos perlocutórios

O acto locutório de Austin desaparece na análise de Searle; aquilo a que Austin chama acto fonético e fático corresponde aproximadamente ao acto de enunciação de Searle; o que Austin chamava acto rético corresponde ao acto proposicional de Searle (e em parte ao acto ilocu- tório).

Com base numa análise componencial da força ilocutória, Searle apre- senta em “A taxonomy of illocutionary acts” (no livro Expression and Meaning) uma análise minuciosa, que pretende corrigir e substituir a análise de Austin; encontram-se abaixo esquematizados os pontos fulcrais do texto, em termos de ‘forças ilocutórias primitivas’. Searle assume que a forma geral de um acto ilocutório é F (p), em que F é a força, e p o conteúdo proposicional.

Forças ilocutórias primitivas (taxonomia dos actos ilocutórios) (I) Assertiva (II) Directiva (III) Compromissiva (IV) Declarativa (V) Expressiva Força assertiva:

Condição preparatória: que o falante tenha razões ou evidência do conteúdo proposicional. Condição de sinceridade: que o falante creia no conteúdo pro- posicional. Exemplos: afirmar, argumentar, informar, admitir, testemunhar.

Força directiva:

Ordens, expressas linguisticamente por imperativos.

Condição: representar acção futura do ouvinte. Condição preparatória: que o ouvinte seja capaz de levar a cabo a acção. Condição de sinceridade: o falante deseja que o ouvinte leve a cabo a acção. Exemplos: pedir, ordenar, solicitar, sugerir, recomendar.

Força compromissiva

Condição: que o conteúdo proposicional se refira a uma acção futura do falante. Condição de sinceridade: que tenha a intenção de fazê-lo. Exemplos: prometer, ameaçar, aceitar, garantir.

Força declarativa

O conteúdo proposicional representa uma acção actual do falante. Condição preparatória: o falante deve ser capaz de realizar essa acção com a sua enun- ciação. Condição de sinceridade: o falante deve crer que é capaz de realizar a acção e desejar realizá-la. Exemplos: declarar, excomungar, nomear, baptizar.

Força expressiva

É sempre função de um estado psicológico particular. É linguisticamente expressa por exclamativos. Exemplos: agradecer, felicitar, deplorar.

O ponto mais importante da teoria dos actos de fala para a filosofia da lin- guagem, aparte pormenores e taxonomias, é a ideia segundo a qual além do conteúdo proposicional analisável em termos de representação e condições de

verdade, quando ocorre linguagem, há algo que é feito, praticado com pala- vras, a força ilocutória, e que não constitui representação mas acção, bem ou mal sucedida. Há no entanto autores – por exemplo D. Davidson, tratado mais à frente, embora não sob este aspecto – que pensam que não existe na lingua- gem nenhum elemento pragmático independente e distintivo; em suma, que não é necessária uma teoria independente da força ilocutória (independente relativamente a uma teoria da linguagem que para Davidson deve ser verocon- dicional).

Além da teoria dos actos de fala, o chamado programa de Grice, ou abor- dagem griceana da linguagem e da comunicação, é fundamental nos estudos pragmáticos. A intenção principal de Grice é explicar a signifi cação (meaning) em termos de intenções, i.e. fazer apelo a conceitos intencionais para caracte- rizar os conceitos semânticos. Trata-se portanto de uma nova teoria do signifi - cado a considerar, ainda que brevemente, neste curso.

Para Grice, uma expressão linguística só tem signifi cado na medida em que é a expressão de uma intenção de um falante. Em Meaning (1957), Grice defende que dizer que A quis-dizer (meant) alguma coisa com x é dizer que ‘A tinha a intenção de que a elocução de x produzisse algum efeito numa determinada

audiência através do reconhecimento da sua intenção’. As análises de tipo griceano

permitem dar conta, de uma forma que tem sido apelativa para muitos teó- ricos da linguagem, do signifi cado não literal. Segue-se um guião que inclui uma referência sumária às obras e ideias fundamentais de Grice.

GUIÃO Nº 21

Paul Grice e a teoria do signifi cado como intenção

Paul Grice (1913-1988)

«Meaning» (publicado originalmente em 1957, também publi-

cado em Studies in the Ways of Words, pp. 213 - 223)

«Utterer’s Meaning and Intentions» (publicado originalmente

em 1969, também publicado em Studies in the Ways of Words pp. 86 -116)

«Logic and Conversation» (publicado originalmente em 1975,

também publicado em Studies in the Ways of Words, pp. 22 - 40)

Further Notes on Logic and Conversation, 1978

Studies in the Way of Words, 1989, Cambridge, Mass., Harvard

No documento Filosofia da linguagem : uma introdução (páginas 166-171)