• Nenhum resultado encontrado

V Quine, vida e obra

No documento Filosofia da linguagem : uma introdução (páginas 176-181)

A filosofia da linguagem depois de Wittgenstein (J Austin,

W. V Quine, vida e obra

W. V. Quine (1908-2000)

Willard van Orman Quine nasceu em 1908, em Akron, Ohio. Estudou matemática em Oberlin. Ouviu falar de uma ‘fi losofi a matemática’ (a de B. Russell) e foi isso que o fez juntar os seus dois interesses, a matemática e a fi losofi a («decidi que Russell ia ser importante para mim»). Lança- se à leitura de toda a obra de Russell. Fez o doutoramento em Harvard, com A. N. Whiteahead, que estava no Depar- tamento de Filosofi a. No entanto, Quine não encontrou em Harvard aquilo que mais o interessava («os fi lósofos americanos associam Harvard com Lógica, por causa de Whiteahead, Sheffer, Lewis, Peirce e Royce. Mas a acção real estava na Europa», afi rma). Os artigos de K. Gödel tinham sido publicados, e este era reconhecido por pes-

soas como L. Löwenheim, T. Skolem, A. Tarski e J. Von Neuman. Esse trabalho ainda não tinha chegado à América, embora A. Church estivesse no Departamento de Matemática de Prince- ton. Durante o período do doutoramento de Quine, Whitehead ensinava Science and the Modern

World e Cosmologies, ancient and modern, assuntos que não interessavam Quine. Whitehead era

além disso, segundo Quine, um professor lento – no entanto a impressão da sua grandeza perdurava ainda. De qualquer forma, Quine procurou trabalhar assuntos mais matemáticos. Acabou a dissertação muito rapidamente (em dois anos, antes dos vinte e quatro anos). Os motivos foram financeiros – vivia-se a época da Depressão - mas o próprio não achou que fosse o melhor a fazer. De qualquer forma, após o doutoramento teve quatro anos de bolsa de pós- doutoramento e veio para a Europa. A sua primeira ideia era Viena. Entretanto Harvard quis publicar o seu trabalho (1932), ele quis corrigi-lo e também corrigir muitos erros que pensava ter encontrado. Posteriormente em Varsóvia vem a saber que J. Łukasiewicz tinha feito um tra- balho semelhante em 1931. No seu primeiro ano no estrangeiro, visitou vinte e sete países, do Báltico à Africa e à Ásia: a Wanderlust é sem dúvida uma marca permanente na vida de Quine. Passou cinco meses em Viena. Seguiu os cursos de M. Schlick, e foi a encontros do Círculo de Viena. Conheceu A.J. Ayer (Oxford), K. Gödel, H. Reichenbach. Aprendeu alemão, e isso virá a ser precioso. Ao período que passou em Praga e Varsóvia (seis semanas em cada uma das cidades) chamou ‘os meses intelectualmente mais produtivos da minha vida’. No primeiro caso, passou o tempo a estudar filosofia com R. Carnap, no segundo caso, dedicou-se à lógica. R Carnap, o positivista lógico alemão, autor de Der Logische Aufbau der Welt (1928), seguiu para Praga para ensinar e Quine seguiu-o (Carnap irá para Chicago em 1935). Para Quine, Carnap foi a primeira experiência de fascinação intelectual (nas suas palavras, ‘a primeira experiência de ser intelectualmente incendiado por alguém, e não por um livro’, ‘essa fascinação inte- lectual por alguém de outra geração que não é exactamente idêntica a ouvir com respeito os mais velhos, pensando que se vai fazer o mesmo ou melhor’). Em Praga, algumas pessoas disseram-lhe que era o primeiro americano que viam por ali. Em Varsóvia, esteve com Tarski, que por causa dele não falava polaco mas sim alemão ou francês nos seus cursos (também Tarski acabará nos EUA, em Harvard), com S. Łesniewski (com quem discutia noites inteiras) e Łukasiewicz. Conheceu T. Kotarbinski, T. Adjukiewicz, K. Kuratowski, B. Sobocinski, S. Jasko- wski. Voltou a Harvard com o título de fellow; tornou-se depois Professor. A partir de 1936 ensi- nou Lógica e Filosofia em Harvard (mas gostava sobretudo de ensinar Lógica, não Filosofia). Seguiram-se mais viagens. Em 1939 esteve em Ponta Delgada, acabou de escrever Mathematical

Logical e aprendeu português. Em 1940 em Harvard tem à sua volta Nelson Goodman, Ber-

trand Russell, Alfred Tarski e Rudolf Carnap. Em 1941 viaja pelo México com dois alunos, um deles Donald Davidson. A guerra eclodiu na Europa, e a Lógica parecia o menos importante; foi voluntário na marinha. Acabou no Brasil, em São Paulo. Estava decidido a ensinar em português e conseguiu fazê-lo. Também publicou em português, com ajudas, O sentido da nova

lógica. Acabou a guerra como comandante, em 1945. Como Alan Turing, trabalhou, durante a

guerra, na descriptação de códigos. Em 1946 voltou a Harvard para ensinar. Teve gerações e gerações de alunos que vieram a ser importantes na vida intelectual americana, entre eles Ruth Barcan Marcus, Burton Dreben, Donald Davidson, Thomas Nagel e Ronald Dworkin. Em 1953 visita Oxford. Segundo Michael Dummett, poucas pessoas em Inglaterra nessa altura perce- biam a importância e a sofisticação de Quine como filósofo. Três dos seus ouvintes mais atentos

foram o próprio Michael Dummett, Wolfgang Stegmüller e Jonathan Bennett. Foi a seminários de P. Strawson e P. Grice, teve encontros com J. Austin. Entretanto fez conferências e cursos em Londres, Cambridge, Bristol, etc. Em 1960 publicou Word and Object. Fez muitas viagens: Austrália, Tóquio, Singapura, Hong Kong, Macau, Taipé. Passou depois cinco anos a ensinar ininterruptamente em Harvard. Em 1954 teve uma licença sabática e viajou pela Europa e pela África. No fim dos anos 60 era um dos decanos da filosofia americana e era reverenciado. Continuava a dar cursos e a viajar. A reforma em Harvard era normal aos 60 anos e obrigatória aos 70; Quine foi convidado a ficar até aos 70. Continuou sempre a viajar «Fui a todos os países europeus. Visitei no total 113 países. Alguns já não são países: Letónia, Lituânia (Quine escrevia

obviamente antes de estes países terem readquirido a independência, SM)». Afirmou: «escrever lógica é

solitário e eu sempre tive dificuldade em prestar atenção a conferências. Trabalha-se sozinho (…) na filosofia, então, a discussão é um disparate, a não ser entre pessoas com propósitos e métodos semelhantes, que nos mostram erros, ou novas ideias». Morreu em 2000.

(com base em Autobiography of W.V. Quine, publicada em Hahn e Schilp, pp. 2 - 46)

Livros de Quine – um guia:

1. A System of Logistic, Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1934. 2. Mathematical Logic, New York, Norton, 1940.

3. Elementary Logic, Boston & New York, Ginn, 1941.

4. O sentido da nova lógica, São Paulo, Livraria Martins Editora, 1944. 5. Methods of Logic, New York, Holt, 1950.

6. From a Logical Point of View: 9 Logico-Philosophical Essays, Cambridge, Mass, Harvard University Press; London, Geoffrey Cumberlege, 195335.

1 On What There Is: 1-1936.

2 Two Dogmas of Empiricism: 20-46.

3 The Problem of Meaning in Linguistics: 47-64. 4 Identity, Ostension, and Hypostasis: 65-79. 5 New Foundations for Mathematical Logic: 80-101. 6 Logic and the Reification of Universals: 102-129. 7 Notes on the Theory of Reference: 130-138. 8 Reference and Modality: 139-159. 9 Meaning and Existential Inference: 160-167.

7. Word and Object, Cambridge, Mass, The Technology Press of MIT; New York & London: Wiley, 1960.

8. Set Theory and Its Logic, Cambridge, Mass, Harvard University Press, Belknap Press, 1963. (Edição revista: Harvard University Press, Belknap Press, 1969).

9. Selected Logic Papers, New York, Random House, 1966. Edição aumentada:

1 Whitehead and the Rise of Modern Logic: 3-36. 2 Logic, Symbolic: 37-51.

35 Traduções portuguesas dos ensaios 3 e 7 encontram-se em SÀÁGUA 1996 (org.). 36 Tradução portuguesa em BRANQUINHO 1990 (ed.).

3 A Method of Generating Part of Arithmetic Without the Use of Intuitive Logic: 52-60. 4 Definition of Substitution: 61-69.

5 Concatenation as a Basis for Arithmetic: 70-82. 6 Set-Theoretic Foundations for Logic: 83-99. 7 Logic Based on Inclusion and Abstraction: 100-109. 8 On Ordered Pairs and Relations: 110-113.

9 On w-Inconsistency and a So-called Axiom of Infinity: 114-120. 10 Element and Number: 121-140.

11 On an Application of Tarski’s Theory of Truth: 141-145. 12 On Frege’s Way Out: 146-158.

13 Completeness of the Propositional Calculus: 159-163. 14 On Cores and Prime Implicants of Truth Functions: 164-171. 15 Two Theorems about Truth Functions: 172-175.

16 On Boolean Functions: 176-180. 17 On the Logic of Quantification: 181-195.

18 A Proof Procedure for Quantification Theory: 196-204. 19 Interpretations of Sets of Conditions: 205-211. 20 Church’s Theorem on the Decision Problem: 212-219. 21 Quantification and the Empty Domain: 220-223. 22 Reduction to a Dyadic Predicate: 224-226. 23 Variables Explained Away: 227-235.

24 Truth, Paradox, and Gödel’s Theorem: 236-241. 25 Immanence and Validity: 242-250.

26 MacHale on Boole: 251-257. 27 Peirce’s Logic: 258-265. 28 Peano as Logician: 266-277.

29 Free Logic, Description, and Virtual Classes: 278-285. 30 The Inception of “New Foundations”: 286-289.

31 Pythagorean Triples and Fermat’s Last Theorem: 290-291.

10. The Ways of Paradox and Other Essays, New York, Random House, 196637. Edição aumen-

tada:

1 The Ways of Paradox: 1-18. 2 On a Supposed Antinomy: 19-21. 3 Foundations of Mathematics: 22-32. 4 On the Application of Modern Logic: 33-39. 5 Homage to Rudolf Carnap: 40-43.

6 Logic as a Source of Syntactical Insights: 44-49. 7 Vagaries of Definition: 50-55.

8 Linguistics and Philosophy: 56-58. 9 The Limits of Knowledge: 59-67. 10 Necessary Truth: 68-76. 11 Truth by Convention: 77-106. 12 Carnap and Logical Truth: 107-132.

13 Implicit Definition Sustained: 133-136. 14 Mr. Strawson on Logical Theory: 137-157. 15 Three Grades of Modal Involvement: 158-176. 16 Reply to Professor Marcus: 177-184.

17 Quantifiers and Propositional Attitudes: 185-196.

18 A Logistical Approach to the Ontological Problem: 197-202. 19 On Carnap’s Views on Ontology: 203-211.

20 Ontological Reduction and the World of Numbers: 212-220. 21 On Mental Entities: 221-227.

22 The Scope and Language of Science: 228-245. 23 Posits and Reality: 246-254.

24 On Simple Theories of a Complex World: 255-258. 25 On Multiplying Entities: 258-264.

26 Ontological Remarks on the Propositional Calculus: 265-271. 27 The Variable: 272-282.

28 Algebraic Logic and Predicate Functors: 283-307. 29 Truth and Disquotation: 308-321.

11. Ontological Relativity and Other Essays, The John Dewey Essays in Philosophy, 1, New York & London, Columbia University Press, 1969.

1 Speaking of Objects: 1-25. 2 Ontological Relativity: 26-6838.

3 Epistemology Naturalized: 69-9039.

4 Existence and Quantification: 91-11340.

5 Natural Kinds: 114-138. 6 Propositional Objects: 139-160.

12. (com J.S. Ullian.) The Web of Belief, New York, Random House, 1970.

13. Philosophy of Logic, Foundations of Philosophy Series, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1970.

14. The Roots of Reference, The Paul Carus Lectures, 14, LaSalle, Il, Open Court, 1974. 15. Theories and Things, Cambridge, Mass. & London, Harvard University Press, 198141.

1 Things and Their Places in Theories: 1-23. 2 Empirical Content: 24-30.

3 What Price Bivalence? 31-37.

4 On the Very Idea of a Third Dogma: 38-42. 5 Use and Its Place in Meaning: 43-54. 6 On the Nature of Moral Values: 55-66. 7 Five Milestones of Empiricism: 67-72.

38 Traduções portuguesas dos ensaios 3 e7 encontram-se em SÀÁGUA 1996 (org.). 39 Tradução portuguesa em CARRILHO 1991 (org.).

40 Tradução portuguesa em BRANQUINHO 1990 (ed.).

8 Russell’s Ontological Development: 73-85. 9 On Austin’s Method: 86-91.

10 Smart’s Philosophy and Scientific Realism: 92-95. 11 Goodman’s Ways of Worldmaking: 96-99. 12 On the Individuation of Attributes: 100-112. 13 Intensions Revisited: 113-123.

14 World’s Away: 124-128.

15 Grades of Discriminability: 129-133. 16 Lewis Carroll’s Logic: 134-142. 17 Kurt Godel: 143-147.

18 Success and Limits of Mathematization: 148-155. 19 On the Limits of Decision: 156-163.

20 Predicates, Terms, and Classes: 164-172. 21 Responses: 173-186.

22 Postscript on Metaphor: 187-189.

23 Has Philosophy Lost Contact with People? 190-193. 24 Paradoxes of Plenty: 194-198.

25 The Times Atlas: 199-202.

26 Mencken’s American Language: 203-208.

17. The Time of My Life: An Autobiography, Cambridge, Mass, MIT Press, Bradford Book, 1985. 19. Quiddities: An Intermittently Philosophical Dictionary, Cambridge, Mass. & London, Belknap

Press of Harvard University Press, 1987.

21. Pursuit of Truth, Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1990.

22. Dear Carnap, Dear Van: The Quine-Carnap Correspondence and Related Work (coordenação e introdução de Richard Creath), Berkeley, University of California Press, 1990.

23. From Stimulus to Science, Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1995.

Quine e a teoria da linguagem

A marca de Quine na teoria da linguagem encontra-se sobretudo em torno de duas questões: a tradução radical e a relatividade ontológica. No entanto, para as compreender, torna-se necessário recuar um pouco na caracterização da sua filosofia. No contexto da FLUP é feita, na disciplina de Filosofia do Conhecimento, uma introdução a Two Dogmas of Empiricism (1953) e Epistemo-

logy Naturalized (1969). Recapitular-se-á brevemente as ideias então introduzi-

das, de modo a contextualizar as duas propostas quineanas referidas.

No documento Filosofia da linguagem : uma introdução (páginas 176-181)