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Parte I – PROBLEMÁTICA

2 Estudo do Microssistema do Trabalho Colaborativo dos Professores de Educação Física

2.2 A Comunidade de Aprendizagem Profissional dos Professores de Educação Física

2.2.1.4 Condições de Suporte

Num dos últimos relatórios do PISA (OCDE, 2013b) é apresentado o caso do Japão que desenvolveu sérios esforços de melhoria das condições escolares na procura por atenuar os efeitos de variáveis extrínsecas à escola (como o estatuto socioeconómico) no sucesso dos alunos. Segundo esse relatório, a conquista destas condições traduziu-se simultaneamente na subida e homogeneização dos resultados dos alunos:

The new course of study adds learning time in Japanese language, social studies, arithmetic, science, and

physical education by two classes per week in the lower grades, and one class per week in the middle and upper grades. This can be seen as a rebalancing effort, following a significant reduction in curricular content early in the 2000s. In lower secondary schools, it adds one class per week in each grade in

Japanese language, social studies, arithmetic, science, foreign language, and health/physical education. In line with these changes, PISA results show that students in 2012 spent an average of 18 more minutes per week in mathematics classes per week compare to students in PISA 2003 (see Table IV.84 in Volume IV). More

important than the increase in learning time in absolute terms, the reform reshaped how that time is used to give students more time to think, judge and discuss the subject content (destacado nosso) (p. 74)

De acordo com o caso apresentado neste importante estudo, pelo impacto que tem nas decisões políticas a nível (inter)nacional, a resposta para a melhoria dos resultados educativos dos alunos, em especial nas áreas “académicas”, não passa pela redução de recursos temporais a disciplinas “não académicas”. Bem pelo contrário tendo em conta que o relatório aponta estas medidas como uma requalificação da anterior redução curricular pelo estado Japonês. Mais relevante ainda, salienta-se a qualidade do uso do tempo disponível para a elevação e homogeneização das possibilidades de sucesso entre os alunos em detrimento do seu volume. Com base nestes resultados, até que ponto então os grupos de educação física dispõem de tempo para as suas práticas pedagógicas e consequentemente para o seu desenvolvimento através do trabalho colaborativo? Tendo em conta as evidências apresentadas acerca das crenças, valores e visão partilhadas que revelam que parte dessa dimensão é dedicada à defesa e legitimação curricular da EF, independentemente do grau de desenvolvimento do grupo como comunidade, não será surpreendente constatar que a generalidade da investigação nesta área disciplinar se reporte ao tempo disponível como o recurso mais protegido internamente e simultaneamente atacado em diversas frentes contextuais (Carvalho, 2002; Castelli & Rink, 2003; Cothran & Ennis, 2001; Patton, Parker, & Pratt, 2013; Prusak, Pennington, Graser, Beighle, & Morgan, 2010; Thorburn, Carse, Jess, & Atencio, 2011). Contudo, numa dinâmica coletiva do grupo disciplinar de educação física existem outros aspetos relativos às condições que são igualmente importantes, nomeadamente a sua apresentação como um processo tendencialmente reativo e pouco intencional pelos grupos disciplinares, ou seja sem uma expressão processual esclarecida de forma robusta.

Armour e Jones (1998) esclarecem como as tensões internas e externas que os departamentos de EF vivem condicionam não só os seus recursos mas também o foco dos professores sobre as condições que os envolvem, e por conseguinte a influência desta dimensão na divergência das práticas pedagógicas ou na configuração concetual veiculada à educação física. Ao nível interno, as posições de liderança eram desejadas e por isso mesmo apresentavam-se como elemento de discórdia, levando a relacionamentos instáveis mesmo com grupos relativamente pequenos. Estas tensões sociais, associadas às visões educativas pouco centradas nos conteúdos apesar da exigência que se pretendia atribuir, revelavam as inconsistências pedagógicas no seio dos departamentos com os professores a atuarem de modos diferenciados nas suas aulas. Ao nível externo, a premente necessidade de defesa do estatuto da educação física pelos departamentos, e em particular pelos coordenadores, levava os docentes da disciplina a centrarem-se em aspetos secundários para o sucesso dos alunos em detrimento da sua valorização profissional. Estas duas dimensões interagiam ainda de uma forma contraproducente, à semelhança do relatado por Carvalho (2002), pois as atividades extracurriculares ampliavam as tensões no seio de um dos grupos por serem encaradas como mais uma forma de o departamento se afirmar perante a escola e respetiva comunidade educativa.

Castelli e Rink (2003), no seu estudo comparativo entre escolas bem ou mal sucedidas na EF, constataram diversas diferenças, incluindo-se as relações mais positivas entre escolas bem- sucedidas (cf. tabela três). Paralelamente, as autoras observaram que nessas escolas os fatores facilitadores de sucesso são mais evidenciados enquanto nas segundas são os fatores inibidores. Dito de outro modo, escolas com mais sucesso na educação física parecem ter melhores condições do que escolas com menor sucesso mas as autoras ressalvam que este aspeto se pode associar mais às disposições dos próprios departamentos do que às condições objetivamente presentes, no sentido em que os professores de educação física nas escolas com mais sucesso não se assumiam como marginalizados e atuavam diretamente sobre potenciais inibidores do seu sucesso coletivo, inclusivamente antecipando a responsabilização externa. Nesta lógica, a mesma situação era interpretada e usada de maneira diferenciada pelos departamentos, por exemplo relativamente à acumulação de funções de treinadores de Desporto Escolar em que nas escolas bem-sucedidas os professores potenciavam interações de alcance mesossistémico ao usarem nas aulas de educação física o conhecimento e materiais desenvolvidos para os grupos de Desporto Escolar, enquanto nas escolas com menor sucesso estas funções eram conflituosas. Mais concretamente, independentemente do nível de educação física da escola, encontrava-se um consenso sobre a importância das boas relações socioprofissionais, documentação de referência para o desenvolvimento curricular, e apoio da liderança de escola. Os principais pontos de discórdia entre escolas bem e mal sucedidas surgem no facto de as primeiras conseguirem fazer uma melhor gestão das caraterísticas dos alunos e dependerem menos de entidades formadoras e reguladoras sobre o currículo adotado para desencadearem os processos de desenvolvimento curricular. No respeitante

aos inibidores do sucesso da educação física das escolas, em qualquer dos casos, Castelli e Rink documentam a concordância sobre a necessidade de estabilidade das referências curriculares evitando alterações súbitas e regulares, interrupções letivas, tamanho das turmas e alguns documentos de referência para a avaliação. Os pontos de discórdia revelaram-se principalmente nas escolas com menor sucesso sobre o excesso de documentação, a ausência de livros de apoio à disciplina, instalações pobres, falta de recursos materiais, pares de educação física da escola, falta de conhecimento, dificuldade em gerir os alunos durante as avaliações, e alunos complicados.

Os estudos de Rossi, Sirna, e Tinning (2008) e de Sirna, Tinning, e Rossi (2008) sobre a integração de professores-estagiários num coletivo de docentes de educação física convergem na apresentação de um departamento disciplinar orientado por um conjunto de relações maioritariamente sociais onde a dimensão profissional, do ponto de vista da procura pela melhoria pedagógica, é pouco presente. Como consequência os recursos sociais disponíveis para potenciar a ação coletiva e colaborativa do grupo são apresentados como dispersos e limitados no sentido não só de apoiar os professores-estagiários a desenvolverem aprendizagens profissionais mais robustas ao nível pedagógico, curricular e até social em relação à atuação profissional de um departamento, como até para o próprio departamento que negligencia dimensões importantes da prática profissional e a possibilidade de colocar o conhecimento atualizado dos professores-estagiários como um recurso para potenciar as condições de desenvolvimento da educação física.

Christensen (2013) complementa as pesquisas anteriores esclarecendo como as condições desenvolvidas pelos próprios departamentos influenciavam as possibilidades de colaboração entre os elementos do grupo, e os impactos diferenciados em cada uma das participantes na sua investigação. Nesse estudo a autora conclui que as micropolíticas entre os grupos de professores de educação física eram determinantes para as professoras estudadas atuarem no sentido de protegerem as suas condições e recursos de trabalho. Claramente, no grupo com uma dinâmica de maior isolamento profissional, a necessidade de cada professor defender o seu “território”, i.e. as suas condições, criava tensões sociais e divergências pedagógicas importantes apenas exacerbadas pela própria dinâmica coletiva; enquanto no grupo com uma tendência mais colaborativa as exigências se situavam mais ao nível do desenvolvimento das condições do grupo onde cada professor podia contribuir ativamente para essa melhoria e sem tensões sociais decorrentes das diferenças de perspetivas pedagógicas.

Tal como documentado por Bolam et al (2005) no contexto Inglês, os trabalhos de Carvalho (2002) e de Costa, Onofre, Martins M., Marques, e Martins J. (2013) para o contexto Português evidenciam sem margem para dúvidas o impacto da liderança central da escola nas condições de trabalho existentes para o grupo disciplinar de educação física pois quando o estatuto desta disciplina na escola é assumidamente valorizado esta dimensão tende a enfrentar menos problemas. No entanto, mesmo isso pode não ser suficiente tal como Costa e colegas documentam acerca da premente necessidade com o que o grupo disciplinar analisado se deparava em defender as

condições adquiridas para um adequado e efetivo desenvolvimento curricular. Nesta dimensão logística das condições, o tempo dedicado à disciplina e às reuniões era bastante defendido e procurado pelos grupos, embora surgissem outros aspetos também documentados noutros estudos como as instalações (Castelli & Rink, 2003) ou as parcerias com entidades locais próximas para ampliar e/ou melhorar as condições da escola diretamente associadas à educação física (Bolam et al). Assim, Costa e colegas relatam que as condições estruturais eram ativamente procuradas pelo grupo disciplinar numa perspetiva de processo, precisamente como Bolam e colegas sustentam. Nos trabalhos de Carvalho e de Costa e colegas também se evidencia a necessidade de defender as relações sociais, não só dentro do grupo mas também para fora com pares de outras disciplinas, e em particular com os órgãos de gestão escolar, sendo possível encontrar divergências socioprofissionais mesmo em momentos de grande sucesso curricular e de bom funcionamento colaborativo. Consequentemente, estas condições podem trazer importantes divergências e/ou convergências pedagógicas e colaborativas para o trabalho no seio do departamento. Na pesquisa de Costa e colegas, o grupo analisado, prelecionando-se coletivamente como uma forte comunidade de aprendizagem profissional e com uma longa história de desenvolvimento, não deixava de apresentar esta dimensão como a mais frágil com 3.3 pontos, marcada fundamentalmente pelas questões relacionais assumidamente reconhecidas pelo coordenador entrevistado pelos autores.