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Condutas dos Participantes de 1ª Série (idades entre 6;4 e 7;11) no Jogo de Regras Xadrez Simplificado

ANÁLISE DOS RESULTADOS

7.1 Condutas dos Participantes de Diferentes Idades e Diferentes Séries Escolares no Jogo de Regras Xadrez Simplificado

7.1.1 Condutas dos Participantes de 1ª Série (idades entre 6;4 e 7;11) no Jogo de Regras Xadrez Simplificado

Os 4 alunos de 1ª série, participantes desta pesquisa, apresentaram diferenças significativas nas condutas de jogo, o que nos permite localizar um participante no nível 1A (LAR 6;5) e três no nível 1B (NAT 6;4, RIC 7;11 e THI 7;6), no que concerne aos níveis de construção dialética.

O nível 1A caracteriza procedimentos pautados pela ausência das implicações simples, sendo que sua presença é percebida somente a partir do nível IB. Conforme apontamos anteriormente, a incompreensão das regras e das relações sobre o tabuleiro se reflete nos procedimentos empregados, como sinaliza o protocolo de LAR.

LAR (6;2, 1ª série) revela incompreensão das regras em quase todas as suas jogadas. Não faz boa aplicação dos sentidos das flechas e conseqüentemente dos prováveis deslocamentos das peças. Interessante observar que a participante já havia passado por três sessões de aprendizagem do jogo, nas quais foram exploradas essas noções, portanto foi proporcionado um conhecimento prévio das propriedades das peças. Ainda assim, retomamos na quarta sessão essas informações relativas à cada peça e a estas informações, responde de modo satisfatório, entretanto, na situação de jogo, seus procedimentos revelam que esse conhecimento não se encontra articulado aos meios que orientam a alcançar o objetivo final. Os jogos são isolados. Ocupa uma parte do tabuleiro e parece não perceber que

há um “jogo simultâneo” acontecendo, o que impede o estabelecimento de trocas com a parceira.

LAR faz deslocamentos considerados impossíveis para as peças, desrespeitando o sentido das setas. Por exemplo desloca F4 de E1 para E2, desconsiderando que essa peça só pode caminhar nas diagonais. Desloca F2 de B1 para B2, novamente desconsiderando que essa peça, como a anterior, só pode mover-se nas diagonais. O exemplo de procedimentos desarticulados com as regras propostas evidencia-se na cópia análoga que faz dos movimentos da parceira, único momento em que se pode dizer que percebe que há outra pessoa jogando no mesmo tabuleiro, mas ainda assim, essa percepção não chega a provocar coordenação de suas jogadas com as jogadas da colega.

5a 5b 5c 5d 5e

4a 4b 4c 4d 4e

3a 3b 3c 3d 3e

2a 2b 2c 2d 2e

1a 1b 1c 1d 1e

Figura 9 - Representação de jogo de LAR (6:5), 1ª série

Legenda:

1.A numeração e as letras em cada casa do tabuleiro indicam a correspondência entre linha e coluna, possibilitando a nomeação das casas: A4, C2, D5 etc.

2. As setas em vermelho indicam os deslocamentos da jogadora LAR. 3. As setas em traço contínuo indicam deslocamentos impossíveis da jogadora.

Uma situação interessante pode ser descrita para exemplificar o que acabamos de pontuar. Em determinado momento do jogo, quando nenhuma peça ainda havia sido “comida”, (isto porque as jogadoras deslocam as peças mas não capturam, mesmo quando essa captura não oferece qualquer risco às demais peças), as duas jogadoras, ignorando todas as outras peças do jogo, iniciam uma “caça”, rainha contra rainha, em torno do tabuleiro. Isto ocorre até que a rainha de LAR é “comida” pela rainha de NAT. A experimentadora então questiona LAR sobre possíveis alternativas para que sua rainha não fosse capturada. Curiosamente, LAR reproduz exatamente o mesmo trajeto que fez com que fosse capturada, como alternativa para salvar sua rainha, como se estivesse apresentando um trajeto absolutamente diferente.

A diferença qualitativa entre as condutas de nível 1A para nível 1B podem ser exemplificadas pelas jogadas entre LAR e NAT, parceiras no jogo. NAT (6;4), reflete uma melhor compreensão das peças que compõem o jogo, do que LAR nos procedimentos empregados. Ela inclusive percebe que a parceira desconsidera os trajetos impossíveis de algumas peças e comenta:

NAT- Olha só LAR... não tem essa flechinha aqui? Então você tem que vir prá cá. Se você quiser vir aqui então vem, porque a flecha deixa.

Essa fala é relativa à situação descrita anteriormente com a tentativa de passagem feita por LAR da peça (F2) de B1 para B2 e indica com a mão, exatamente os dois únicos trajetos possíveis à peça, do modo como está configurada no tabuleiro que seriam avançar ou para C2 ou para A2. A incompreensão da parceira é notória ao responder:

LAR- Eu não... se você está mandando é pra me comer.

Embora os procedimentos empregados nas jogadas de NAT também não revelem jogo de conjunto e nem mesmo projetos parciais, sendo que caminha com uma peça de cada vez no tabuleiro, é possível perceber uma representação mais elaborada das peças e de suas propriedades comparáveis. As jogadas de NAT apresentam certa intencionalidade de ação, revelam a noção e a imagem do objeto tanto no que diz respeito a sua constituição como objeto quanto em relação ao seu movimento, característica do nível 1B. Este protocolo revela que embora o jogo das duas não seja permeado de estratégias bem elaboradas, há uma supremacia na conduta daquela jogadora que revela uma melhor articulação entre as peças do jogo e o tabuleiro pois na medida em que há domínio das propriedades do jogo, o mesmo é melhor conduzido.

Os protocolos da outra dupla de 1ª série, RIC e THI demonstram que desconsideram as implicações das ações no tabuleiro. Os procedimentos dos participantes revelam uma relativa insuficiência quanto ao domínio das regras. Ou seja, o jogar certo (domínio das regras) não encontra-se ainda bem elaborado, refletindo sem dúvida, no jogar bem (elaboração de procedimentos que permitem uma articulação do jogo).

RIC (7;11) e THI (7;6) demonstram a ausência de planejamento e antecipação que refletem a elaboração de projetos locais mas ainda não de programas de conjunto, características das implicações compostas. RIC ao caminhar com a peça (F1) isoladamente, só percebe que perdeu a peça quando seu último trajeto possível é transportá-la de A4 para A5, então questiona a experimentadora:

EXP- Por que razão você acha isso necessário?

RIC- Porque acabei de descobrir que me ferrei. Eu andei com ela e ela não volta e agora ela ficou perdida.

5a 5b 5c 5d 5e

4a 4b 4c 4d 4e

3a 3b 3c 3d 3e

2a 2b 2c 2d 2e

1a 1b 1c 1d 1e

Figura 10 - Representação do jogo de RIC (7:11), 1ª série

Legenda:

1.A numeração e as letras em cada casa do tabuleiro indicam a correspondência entre linha e coluna, possibilitando a nomeação das casas: A4, C2, C5 etc.

2. As setas em vermelho indicam os deslocamentos do jogador RIC. 3. As setas tracejadas indicam deslocamentos possíveis à peça.

É importante notar que RIC enfatiza a temporalidade ao afirmar “acabei de descobrir”, ou seja, não foi possível antecipar uma seqüência de ações. Atravessa todo o tabuleiro com a peça, para só então descobrir que poderia ter evitado perdê-la. A experimentadora então argumenta:

EXP- Será que existe alguma regra que permita isso que você quer fazer? Enquanto isso o parceiro THI está reclamando:

RIC responde:

- Não, deixa quieto, eu já dancei...

Apelando para a pouca importância que atribui a essa peça argumenta:

RIC- Ainda bem que perdi uma bem fraquinha.

RIC centra-se no resultado. A partir deste, toma consciência, o que denota uma certa regulação. O mesmo tipo de erro pode ser encontrado no procedimento de THI, o parceiro de jogo de RIC, em outra partida. THI, com a peça (F2) transportada de forma isolada, a deixa “presa” na casa B1. Ao perceber que sua última jogada com essa peça a prenderá (de A2 para B1), tenta convencer-se de que não saiu no prejuízo:

- É, deixei encurralada na bobeira, mas pelo menos não precisei mexer com minha rainha. Perder essas tranqueirinhas, tudo bem. O que não pode é dar mole com a rainha 5a 5b 5c 5d 5e 4a 4b 4c 4d 4e 3a 3b 3c 3d 3e 2a 2b 2c 2d 2e 1a 1b 1c 1d 1e

Legenda:

1.A numeração e as letras em cada casa do tabuleiro indicam a correspondência entre linha e coluna, possibilitando a nomeação das casas: A4, C2, C5 etc.

2. As setas em azul indicam os deslocamentos do jogador THI. 3. As setas tracejadas indicam deslocamentos possíveis às peças.

Estas ações são observadas nos protocolos de jogo dos quatro participantes da 1ª série NAT (6;4), LAR (6;5), RIC (7;11) e THI (7;6), em todas as partidas jogadas nas duas sessões diagnósticas, o que nos parece ser um forte indicativo sobre como jogaram os alunos de 1ª série, no presente estudo, o jogo de regras Xadrez.

Voltando a comentar o jogo de RIC e THI, o que se pode perceber é que não realizam as antecipações necessárias à elaboração de boas estratégias para vencer o jogo. Nessa partida fica evidente que THI ganha o jogo em função das muitas falhas de RIC e não por ter elaborado meios eficazes de captura das peças por antecipações de suas próprias jogadas e das jogadas do parceiro. Estas características revelam uma centração no ganhar, ou seja, no resultado final.

Com a finalidade de discutirmos uma outra característica predominante na conduta dos participantes de nível 1, no Jogo Xadrez, retomamos uma jogada de NAT (6;4) e LAR (6;5) e enfatizamos um outro grupo de erros comuns aos jogadores cujos procedimentos ainda não são caracterizados pelas antecipações e articulações entre objetivos e resultados finais, na elaboração dos meios a serem empregados. Referimo-nos à desconsideração das jogadas do parceiro, ao não aproveitamento das informações das jogadas anteriores para as escolhas da próxima jogada e a consideração de que as rainhas podem ser “comidas” simultaneamente e que isto é determinado por uma questão simples de vontade de comer e não por condições reais impostas pelo jogo.