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Nível 4 Tomada de Perspectiva em profundidade no contexto da Sociedade Simbólica (idades compreendidas entre

A TOMADA DE PERSPECTIVA SOCIAL

5.5 Nível 4 Tomada de Perspectiva em profundidade no contexto da Sociedade Simbólica (idades compreendidas entre

12 anos e adultos)

Concepção sobre pessoas: Em Profundidade. Duas novas noções são características do nível 4 sobre a concepção de pessoas. Iniciativas, ações, pensamentos, motivos ou sentimentos são compreendidos como psicologicamente determinados, mas não necessariamente como self-reflexivo.

Nesta visão, há interações mais complicadas com uma pessoa, que nem sempre podem ser explicadas pela “observação do ego”, do nível 3. Deste modo nós vemos que, independente da vontade ou consciência dos envolvidos, ocorrem interações cujas bases são os “inconscientes” em questão.

Pessoas são percebidas como capazes de fazer coisas que “elas não querem fazer e não entendem porque fazem” , ou seja, não fariam do ponto de vista consciente e os adolescentes deste nível têm essa compreensão, inexistente nos participantes do nível 2. O segundo ponto que emerge no nível 4 é uma nova noção de personalidade como um produto do traço, da convicção, dos valores e atitudes, num sistema com uma história desenvolvimental própria.

Concepção sobre relacionamentos: Sociedade Simbólica ou Simbolismo Social. As novas conceituações individuais, próprias da perspectiva subjetiva das pessoas, inter-relacionadas a cada uma das outras (mutualidade), são reconhecidas neste nível como existentes não somente no plano das expectativas em comum ou conscientes, como também em profundos níveis de comunicação em simultaneidade e multidimensionadas.

O adolescente ou jovem adulto deste nível pode abstrair “múltiplas mutualidades” ou seja a generalização de outras perspectivas para uma perspectiva social, convencional, legal ou moral, da qual todos os indivíduos podem partilhar. Cada self é levado a considerar esta partilha do ponto de vista da generalização dos outros ou da ordem social do sistema para facilitar a exata comunicação e compreensão dos relacionamentos interpessoais.

O sujeito deste nível consegue perceber que o outro com quem conflita pode ter problemas internos (intrapsíquicos) que podem ser causadores de conflitos entre eles. Vêem a compreensão como uma necessidade ao bom funcionamento do relacionamento entre eles. Acreditam que as relações devem ser profundas, compromissadas e que a comunicação entre eles deve ser o mais aberta possível.

Em outro trabalho publicado (2004 b), a autora (idem, p. 59) sintetiza os níveis de TPS ao afirmar:

Com relação ao modelo de cognição social, o autor afirma que a estrutura do raciocínio social desenvolve-se por uma sucessão de variáveis de 4 estágios: (0) o ‘nível egocêntrico’, em que a criança assume que outros sentem ou agem como ele em situações semelhantes; (1) o ‘nível subjetivo’, em que a criança reconhece que outros pensam,, sentem e que têm intenções que são distintas de si próprio; (2) o ‘nível autoreflexivo’, em que a criança toma consciência das suas perspectivas e da existência dos outros reciprocamente, e; (3) o ‘terceiro nível de perspectiva pessoal’, em que uma pessoa, numa díade, está consciente da subjetividade de cada um.

Nesta proposta teórica, dois elementos são considerados imprescindíveis ao estudo sobre o desenvolvimento de uma noção: a existência de perspectivas múltiplas que provocam importantes mudanças de observáveis e coordenações entre estes observáveis e a existência de invariantes universais no desenvolvimento natural do sujeito.

Ao transportarmos estas relações para a estrutura do jogo, consideramos pertinente relacionar o jogo ao desenvolvimento destes estágios de tomada de perspectiva social porque o jogo envolve a compreensão interpessoal, a capacidade de lidar com pontos de vista alheios e coordená-los entre si, características da tomada de perspectiva social. Sobre a relação do jogo com a tomada de perspectiva social, assinala Mead:

Este crescimento do eu e da compreensão social acontece por uma série de ‘estágios’, o primeiro dos quais é caracterizado como estágio de jogo. Aqui a criança pratica (jogos de papéis) e imita ações de pessoas familiares; primeiramente a criança é o pai, depois o filho; o dono da loja e depois o comprador, o menino bom e depois o mau. Esta fase é seguida pelos estágios de jogos mais organizados em sua coordenação social sem grande complexidade. (SELMAN APUD MEAD, 1980, p. 24)

Neste contexto, os jogos são enfatizados como importante recurso de observação da tomada de perspectiva social em relação à estrutura de pensamento aplicada pelo participante, na situação de interação lúdica, quer essa estrutura de jogo seja simbólica ou de regras.

É neste sentido que ressaltamos as possibilidades diagnósticas oferecidas pelo jogo enquanto recurso na medida em que é possível investigar os níveis de tomada de perspectiva social manifestas nas situações de interação lúdica.

Fontes (2004) corrobora essa idéia ao afirmar que o autor preocupou-se em identificar um ou mais contextos nos quais a tomada de perspectiva social possa ser utilizada, como é o caso do jogo infantil, “tido como ferramenta para ajudar o profissional a definir estruturas no desenvolvimento de mudanças em compreensão interpessoal.” Eis aí a possibilidade diagnóstica de relacionar o jogo à tomada de perspectiva social. A autora (idem p. 46), continua:

Por meio da observação e reflexão das situações lúdicas desenvolvidas pelas crianças durante o jogo, pode-se detectar em que níveis se encontram e propiciar assim, a abertura para um trabalho pedagógico pautado em atividades que propiciem níveis elevados de estratégias de negociação e experiências compartilhadas que culminariam num melhor relacionamento entre as crianças. (...) A situação de jogo torna-se um lugar privilegiado, um contexto interessante que abre espaço a pesquisas sobre o pensamento infantil, caracterizado pela emergência de sentimentos, valores, emoções, passíveis de observação e análise. (FONTES, 2004, p. 46)

Alguns trabalhos apoiados nos estudos de Selman constituem-se importantes parâmetros para a consideração da tomada de perspectiva social, os quais citamos a seguir:

DeVries (1986) estudou o desenvolvimento social e moral da criança partindo da compreensão que ela possui das relações interindividuais ou interpessoais e concluiu neste estudo que esta capacidade é gradativamente aprimorada na medida em que a criança avança na capacidade de refletir sobre a perspectiva do outro, afastando-se do egocentrismo.

Papalia (2001) trabalhou com o conceito de amizade a partir das relações que as crianças estabelecem nos pares que constituem. O estudo indicou a importância da evolução da perspectiva para que relações de amizade, melhor estruturadas sejam desenvolvidas pelas crianças.

O Laboratório de Psicologia Genética da UNICAMP (LPG) tem desenvolvido pesquisas na linha do Conhecimento Social e em alguns destes trabalhos é adotado o referencial teórico de Selman.

Tortella (1996 e 2001), analisando as representações infantis sobre amizades constatou que esta noção e suas relações revelam características próprias da faixa etária das crianças em correspondência com os estágios de tomada de perspectiva social de Selman.

Paulino (2001), por sua vez trabalhou com a compreensão interpessoal apontada por Selman, no que diz respeito a construção da solidariedade e concluiu que a vivência de experiências significativas de reciprocidade e respeito mútuo são favorecedoras da construção da solidariedade.

O trabalho de Vinha (2003) destacou-se por discutir as relações interpessoais, o ambiente sociomoral e a atuação de crianças e professoras sobre a resolução de conflitos interpessoais. A autora concluiu em seu trabalho que o ambiente escolar influencia a forma como as crianças interpretam e solucionam os próprios conflitos.

O mais recente trabalho nesta linha é o de Fontes (2004) que realizou um estudo sobre a importância da utilização do jogo simbólico como instrumento de observação e análise dos níveis de compreensão interpessoal advindos do simbolismo coletivo entre as crianças durante a brincadeira simbólica. Seu trabalho trouxe significativas considerações sobre o uso do jogo no contexto da tomada de perspectiva social. Embora o trabalho citado não discuta o jogo e a tomada de perspectiva social em contexto diagnóstico, respalda as relações que fazemos no presente estudo do jogo como recurso diagnóstico para a compreensão dos níveis de tomada da perspectiva social, pois enfatiza o jogo como instrumento de observação dos níveis de adoção de perspectiva.

Após estas considerações que constituem o referencial teórico que embasa o presente estudo, anunciamos no próximo capítulo o delineamento de nosso trabalho.

Fonte: Cardo 1954

CAPÍTULO 6