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DO EGOCENTRISMO À RECIPROCIDADE

3.4 Reversibilidade por Inversão e por Reciprocidade 1 Reversibilidade por Inversão

3.4.2 Reversibilidade por Reciprocidade

Piaget assim define reciprocidade:

é a forma de reversibilidade que caracteriza os agrupamentos de relação, mas origina-se também de condutas bem anteriores, em forma de simetrias. Existem assim, simetrias espaciais perceptivas ou representativas pré-operatórias. Uma criança dirá que uma bolinha transformada em salsicha contém mais massa porque é mais comprida, mas se a encompridarmos cada vez mais, ela chegará, por reciprocidade (regulatória e não operatória) à idéia de que contém menos porque é fina demais. (PIAGET, 1968/1986 p. 117).

Compreender que a reciprocidade é uma forma de reversibilidade, tal como a teoria piagetiana sustenta, implica em considerar o processo no qual ela se origina e, justamente por ser processo, é preciso discutir como ocorre sua continuidade ao longo do desenvolvimento.

Lukjanenko analisa:

Pode-se interpretar a reciprocidade como uma disposição para ação ou ainda uma reação do sujeito frente a situações mobilizadoras de reação, tratar-se-ia de regulações? Poderia ela, a reciprocidade, como citada por Piaget ter uma definição variável? Parece que sim, que a reciprocidade implica em movimento, ação física ou mental, atrelada à reversibilidade. (LUKJANENKO, 2001, P. 42)

Como forma de reversibilidade, a reciprocidade está presente na criança do período operatório-concreto, mas não surge nesse período, é preparada em períodos precedentes, bem como não se extingue nele, uma vez que o desenvolvimento é concebido nesse contexto, como espiralado. O avanço para um patamar superior implica

sempre na reorganização da etapa anterior, onde nada se perde na construção do novo pelo caráter conservador da estrutura mental.

Quando analisamos, no tópico anterior, a reversibilidade por inversão, apresentamos a mesma idéia que se repete aqui: seja por inversão, seja por reciprocidade, a reversibilidade ou indícios desse processo estão presente em todos os períodos do desenvolvimento, reforçando a idéia de um continuum.

Discorrendo sobre a presença da “reversibilidade incompleta” no período pré-operatório, Piaget (1970/1976 p. 205) enfatiza que embora não exista ainda nenhuma reversibilidade completa, as inversões correspondem às adjunções ou supressões de elementos e as reciprocidades às simetrias ou semelhanças.

Para tornar compreensível a evolução da reversibilidade, Piaget analisa que após esse período, já no operatório concreto, inicialmente o indivíduo apresenta a reversibilidade tanto nos sistemas de classe quanto de relações, o que já é evidentemente superior à forma de reversibilidade pré-operatória, mas que ainda não se constituem esses agrupamentos (classes e relações) um todo tal qual na estrutura do reticulado e do grupo INRC (Inversa, Negação, Recíproca e Inversa da Recíproca ou Correlata).

Esse sistema único e integrado estará em funcionamento no período posterior - o período operatório formal - ou seja, é gradativamente construído no período operatório concreto e prepara a lógica formal do adolescente.

De grupos incompletos, pela lógica combinatória se constitui um sistema “reticulado completo”, tal como explica Piaget (1970/1976 pg. 206): “a única que permite a síntese, num sistema único, das inversões e reciprocidades”

A lógica combinatória do período operatório formal sintetiza, reorganiza as partes (agrupamentos) e constitui um todo integrado, denominado na teoria piagetiana, reticulado completo.

Essa evolução gradativa da reversibilidade é percebida, como discutimos anteriormente, ao longo dos períodos do desenvolvimento. Ocorre desde as coordenações de ações iniciadas no período sensório-motor, evoluindo para a construção das inversões por negação e reciprocidades por semelhanças ou afirmações, próprias do período pré-operatório. Posteriormente, perpassa a construção dos agrupamentos de classes e de relações, características do período operatório concreto e tem sua continuidade na síntese do reticulado completo e do grupo INRC - por combinatória, própria da lógica formal. Conforme assinala Piaget:

essas duas formas possíveis de reversibilidade regem, cada qual, o seu domínio, os sistemas de classes ou de relações, sem construção de um sistema de conjunto que permita passar dedutivamente de um conjunto de agrupamentos a outro e compor entre si, as transformações inversas e recíprocas. (PIAGET, 1968/1986, p. 117).

E explica ainda na mesma obra (p. 118) que esse processo é uma fusão operatória que integra as partes num todo. Cada operação constituída corresponde à inversa da outra e ainda é recíproca à uma terceira, onde se constitui a quarta operação, ou seja, a direta, ou primeira operação, a sua inversa, a relação com a síntese ou recíproca e sua correspondente ou correlata que é a inversa da recíproca.

Guerrero (1998 p. 44) lembra que aos períodos de desenvolvimento cognitivo correspondem os estágios de desenvolvimento social e acentua que a sociogênese intervém na psicogênese desde os estágios elementares do desenvolvimento e sua

influência cresce em progressão geométrica em relação à sucessão dos estágios anteriores.

Lukjanenko (2001 p. 43) sobre esta questão comenta que é esse processo o responsável pela transformação de perspectiva e abertura de fronteiras frente à realidade perceptível e concreta.

É interessante observarmos que mesmo quando a lógica formal não foi atingida e o modelo estrutural INRC anda não está constituído em sua complexidade total, o sujeito apresenta significativas transformações do pensamento.

Entretanto, a composição apresentada por Piaget de dois tipos de reversibilidade (inversa e recíproca) em um único sistema, analisam Montangero e Maurice-Naville (1998 p. 194) permitem ao sujeito ter o juízo simultâneo dessas duas formas de composição coordenarem em um único sistema.

É esta coordenação que põe em uso simultâneo as duas formas de composição (inversa e recíproca) que diferencia o pensamento formal da lógica concreta pois no formal não são mais as características dos conteúdos que determinam as operações, como no caso da classificação, própria ao período operatório concreto, em comparação à combinatória do período formal. As coordenações do sujeito no período operatório formal não são de natureza causal, nem temporal, mas sim estabelecidas no plano da virtualidade.

Se buscarmos uma relação desse progresso no desenvolvimento com a evolução de possíveis e necessários, perceberemos que esses processos são simultâneos e solidários. O que podemos considerar similar entre os dois processos evolutivos é que a medida em que avança de um nível à outro, a estruturação mental apresenta um aprimoramento das regulações que a tornam mais complexa e que favorecem a abertura para todas as possibilidades, característica do período operatório formal.

Em estudo anterior (Piantavini, 1999) no qual discutimos a construção de possíveis e do necessário na criança, no contexto de duas formas de intervenção psicopedagógica com o jogo de regras Senha, corroboramos a análise piagetiana segundo a qual a evolução de possíveis caminha para um grau de subordinação cada vez maior do real aos possíveis (virtualidade).

Comentando sobre os possíveis psicológicos, analisados por Piaget, Montangero e Maurice-Naville (1998 p. 195) afirmam:

O possível psicológico comporta, então, um poder de orientação sobre as construções reais, porque são submetidas, daí em diante, às leis de grupo e de rede. Essa nova estrutura mostra, enfim, por que certas aquisições cognitivas novas, aparentemente desprovidas de parentesco, aparecem no mesmo nível de desenvolvimento. (MONTANGERO e MAURICE-NAVILLE,1998 p. 195).

Em toda a discussão deste capítulo, procuramos salientar o caráter construtivo e conservador do continuum de desenvolvimento na teoria piagetiana. Esta evolução gradativa e integradora pode ser percebida no estudo da perspectiva espacial. Níveis sucessivos e integrativos são estudados por Piaget para explicar como a criança evolui da centração em seu próprio ponto de vista para a adoção de várias perspectivas. Este é o tema do próximo capítulo.

Fonte: Cardo 1954

CAPÍTULO 4

A CONSTRUÇÃO DA PERSPECTIVA