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3. Sustentabilidade e Psicologia

3.3. Conectividade com a natureza

Nós, humanos, somos seres vivos. Respiramos, reproduzimos, nos alimentamos. Soa até demasiado óbvio escrever tais palavras. Porém, facilmente nos esquecemos disso. Esquecemos que somos parte da natureza, nascemos nela, somos formados por ela, e vivenciamos suas regras (Schultz, 2002). Costumamos passar toda uma vida tentando escapar da natureza,

artificializando-a, mecanizando-a, buscando um certo padrão, um estilo de vida que nos desconecta, e que nos obriga a esquecer, e a não observar a interdependência de nossos ecossistemas.

Também é óbvio que com a separação da natureza vieram a proteção da espécie, segurança, e um aumento no conforto (Schultz, 2002). No entanto, o excesso tecnológico e o estilo de vida ocidental contemporâneo fazem com que essa separação pareça, contraditoriamente, “natural”. Naturalizamos o fato de passarmos muito mais tempo em ambientes construídos, sem contato com a natureza, como em casa, escritórios, carros e lojas. Se há contato, ele passa desapercebido. Schultz (2002) aponta, nessa direção, que um americano gasta em média, de suas 168 horas semanais, apenas 40 horas de tempo livre para si mesmo, e este tempo, é dividido entre diversos interesses, como fazer compras, ver televisão, restando menos ainda para atividades ao ar livre, como jardinagem ou caminhadas. Esse estilo de vida desconectado leva a um desconhecimento da natureza, de seus processos, de nosso funcionamento interdependente, sendo contrário ao paradigma da sustentabilidade (Schultz, 2002; Heft & Chawla, 2005).

A conectividade com a natureza pode ser pensada em termos psicológicos. Nesse sentido, esse conceito se refere ao grau em que uma pessoa acredita que é, ou se sente como parte do mundo natural, é o grau em que um indivíduo inclui a natureza no senso de si mesmo, reflete a sensação de pertencimento, familiaridade e uma experiência afetiva individual de conexão com esta (Olivos, Aragonés, & Amérigo, 2011; Schultz, 2002).

Desde os anos 2000, novos esforços têm sido retomados para abordar a relação da pessoa com a natureza em si, movendo-se também na direção de uma abordagem mais afetiva dessa relação. É nesse contexto que o sentimento de estar conectado com a natureza ganha destaque, tanto para ecólogos, quanto para psicólogos dentro de uma visão ecológica (Mayer & Frantz, 2004).

Assim, considerando que a noção de sustentabilidade envolve a interpendência entre seres vivos e recursos naturais, a literatura sugere que essa só será alcançada diante de sociedades, culturas e indivíduos que se sintam em conexão com o mundo natural. Pesquisas sugerem que essa conectividade é, então, associada ao interesse pelo bem-estar de plantas e animais, ao importar-se com a natureza, e à adoção de comportamentos protetivos (Mayer & Frantz, 2004; Schultz, 2002). Outros achados indicam que o contato com a natureza, desde a infância, contribui para o engajamento em comportamentos pró-ecológicos ao longo da vida, e ainda tornam as crianças mais dispostas a se engajar em outras atividades que preservem este contato, além de predizer ações de cuidado (Cheng & Monroe, 2012; Collado, Corraliza, Staats, & Ruiz, 2015).

Vale salientar que o contato com a natureza pode ter funcionalidades distintas, ou seja, este pode ocorrer devido ao trabalho, ou a lazer, e por parte de quem mora em áreas rurais ou urbanas. Nesse sentido, os estudos vêm apontando que, ainda que áreas rurais proporcionem maior contato com a natureza, não necessariamente moradores dessas áreas se engajarão mais em comportamentos de proteção ecológica. Como apontado por Collado et al. (2015), ao identificarem associações mais fortes entre conectividade com a natureza e comportamentos pró-ecológicos em crianças de áreas urbanas.

Os autores chamam atenção, portanto, para a qualidade desse contato com a natureza, principalmente nos cenários em que as pessoas já estão habituadas a ele, o que poderia se associar à apatia, ou quando o utilizam como forma de trabalho, o que poderia se associar a sentimentos negativos. Desse modo, alternativas para educação sócio-ambiental devem ser pensadas para estimular o cuidado com a natureza em situações como essas (Collado et al, 2015), por meio do estímulo a uma conectividade que é relativa ao sentimento de pertencimento apontado pela literatura (Olivos et al., 2011).

É preciso ter em mente, ainda, que comportamentos de proteção podem surgir com intenções egoístas, vendo apenas a necessidade de recursos para manutenção da qualidade de vida humana, e não havendo conectividade com a natureza. Mas nesse caso, estes comportamentos costumam surgir diante de benefícios específicos, como economizar energia para gastar menos dinheiro, e assim, dificilmente levariam à sustentabilidade (Schultz, 2002), já que com a remoção de benefícios o comportamento pode ser extinto, ou substituído por soluções pontuais e artificiais.

Diante desse cenário, esta tese se questiona como os adolescentes estão pensando sobre essas questões. No contexto brasileiro, há um clima relativamente favorável a atividades em ambientes naturais, e paisagens litorâneas convidativas. Por outro lado, também temos um excesso tecnológico que chega até aos jovens de forma bastante intensa: videogames, iphones, tablets, televisores, internet, netflix, e tantas outras ferramentas que prendem a atenção em um mundo virtualizado e artificializado. Sendo assim, explorar a conectividade dos adolescentes com a natureza no cenário do nordeste do Brasil é algo inovador, mas não menos relevante, afinal, essa região sofre grandes impactos ambientais, que afetarão mais intensamente a vida dos adolescentes.

Esta investigação também é inovadora por pensar a conectividade com a natureza diante das MCs. Seriam suas peculiaridades globais e abstratas melhor consideradas por pessoas que se sentem conectadas com a natureza?

Nesse sentido, outro ponto a ser destacado refere-se à familiaridade de uma situação e o quanto ela é conhecida pelo adolescente. Essa familiaridade pode influenciar grandemente na sofisticação do seu conhecimento sobre a situação, ou, por exemplo, sobre o meio ambiente de suas localidades (Heft & Chawla, 2005; Papalia, Olds, & Feldman 2006). É possível pressupor, então, que a conexão com a natureza que esses adolescentes apresentem pode se associar às

considerações desses adolescentes a respeito das mudanças no clima, e com a tradução deste problema do âmbito global para o local.

De todo modo, esse pressuposto é algo que demanda reflexão crítica, pela ausência de estudos que busquem associações entre estes dois conceitos. Mas é, justamente por isso, que a investigação, não só da orientação de futuro, mas também de outros conceitos de ordem afetiva, tais como a conectividade com a natureza, é incentivada por estudos que tratam de MCs (Clayton et al., 2015; Wray-Lake, Flanagan & Osgood, 2010). Para isso, faço uso do instrumento denominado de Escala de Conectividade com a Natureza (Mayer & Frantz, 2004), que é melhor detalhado no capítulo referente ao método.