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CONECTIVIDADES RIZOMÁTICAS E ESPAÇOS LISOS NOS SINTETIZADORES

No texto “Associabilidades lisas em sociedades interativas”, Takeuti (2016) traz aportes conceituais a partir dos seus estudos sobre a interatividade dos jovens na internet, e de diversas ações, em sua maioria desempenhadas por jovens, que representam uma nova forma de política e de cultura política. Conforme colocado no capítulo anterior, a autora elabora a noção de “associabilidades lisas” visando um maior entendimento da conectividade e interatividade promovidas pela expansão das tecnologias da comunicação na atualidade, em particular, a internet e as redes sociais. Aqui, busquei articular as suas contribuições para o estudo dos sintetizadores e sua presença na internet, assim como de alguns dos referenciais teóricos trabalhados pela cientista social.

A autora inicia o texto abordando algumas das mudanças que as tecnologias da comunicação vêm trazendo para a sociedade nos últimos anos, que se torna cada vez mais interativa e conectiva. A expansão das redes sociais, dos blogs e o aumento exponencial da circulação de informação têm contribuído de maneira fundamental para o aumento dessa conectividade. Através de exemplos do chamado “midiativismo”, como as transmissões dos protestos realizados em 2013 pelo Brasil, nas quais foram registradas as ações e denunciada a violência da repressão policial, Takeuti (2016) nos fala de novas maneiras de se associar e de agir.

O importante disso tudo são os efeitos produzidos na natureza das relações entre as pessoas, nos modos de contato entre as pessoas, nos modos como elas fazem as coisas no cotidiano, nos modos de conhecer, de perceber, de sentir, de aprender, de ensinar, de consumir etc. (TAKEUTI, 2016, p. 146).

Frente a essa situação, Takeuti (2016) propõe a utilização do termo associabilidades para o estudo das diversas maneiras de se conectar na sociedade contemporânea. A partir da noção de “associações provisórias” (LATOUR, 2012), a autora propõe a sua ideia visando se afastar do que o cientista social francês chama de sociologia do social, que observa laços e

relações sociais como fatos estabelecidos. Com as associabilidades, Takeuti (2016, p. 148) visa “delinear associações”, encontrá-las na empiria ao invés de tomá-las como fatos à priori.

Essa noção foi de fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa aqui relatada. A partir da compreensão das relações sociais como qualquer tipo de conexão entre elementos heterogêneos e de que “no social, há constantemente associações em arranjo, desarranjo e rearranjo” (TAKEUTI, 2016, p. 148), obtive uma compreensão mais precisa das articulações que envolvem os sintetizadores na internet.

Tal ideia contribuiu para a compreensão da extensa conectividade que envolve os sintetizadores, seus fabricantes e entusiastas na web, sem cair em noções como identidade, pertença, comunidade e laços sociais concebidos a priori. Diversas conexões se arranjam provisoriamente quando artesãos e internautas trocam ideias e informações acerca dos sintetizadores que constroem ou utilizam. Com relação a esses equipamentos, tais conexões muitas vezes promovem ou contribuem com novas criações, como, por exemplo, a comunicação entre fabricantes e usuários nas chamadas listas de desejos de módulos em fóruns voltados para o assunto, que leva as marcas à invenção de novos produtos, e o esforço coletivo ao redor da proposta de um sistema modular inspirado no Minimoog trazido por Julian Delgoulet no site Muff Wiggler. Tais associabilidades não necessariamente se cristalizam como laços sociais e, muitas vezes nem resultam em amizades, mas não deixam de ser produtivas e dignas de um estudo sociológico, ou, para utilizar os termos de Latour (2012) e Takeuti (2016), associológicos.

Outra referência fundamental para a elaboração do conceito de associabilidades lisas por Takeuti (2016) é a dupla de pensadores franceses Gilles Deleuze e Felix Guattari (2012a; 2012b; 2014). O próprio termo associabilidade lisa remete aos conceitos de espaço liso e espaço estriado, elaborados pelos dois pensadores. Trabalhados em capítulos do terceiro e do quinto volume da edição brasileira da obra Mil Platôs, o par dá título ao capítulo “O Liso e o Estriado” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a), no quinto volume da obra, que abordo aqui, visando contribuir com a discussão sobre os sintetizadores.

Segundo os autores franceses, esses dois conceitos remetem a espaços de natureza diferente. O liso está ligado à variação constante, ao nomadismo e à multiplicidade de possibilidades, enquanto o espaço estriado remete ao sedentarismo, às organizações fixas e à homogeneidade. O espaço liso está livre de hierarquias e cheio de potências e possibilidades de ações e desenvolvimentos, enquanto o espaço estriado funciona a partir de hierarquizações

estritas, com regulamentos a serem seguidos, visando mais a reprodução do que está estabelecido do que a criação de algo novo.

Entretanto, como eles colocam, “outras vezes devemos indicar uma diferença muito mais complexa, que faz com que os termos sucessivos das oposições consideradas não coincidam inteiramente”. (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 192). Além disso, sempre ocorrem misturas, e um não existe sem a existência do outro. No texto, os autores afirmam:

O espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso. Num caso, organiza-se até mesmo o deserto; no outro, o deserto se propaga e cresce; e os dois ao mesmo tempo. Note-se que as misturas de fato não impedem a distinção de direito, a distinção abstrata entre os dois espaços. (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 192).

Além disso, eles colocam em diversos momentos que as passagens de um espaço ao outro não são simétricas, ou seja, não se vai do liso ao estriado da mesma forma que se vai do estriado ao liso. A partir da leitura, compreendi que o estriado opera codificando espaços através da institucionalidade e do direito, sendo definidos quais espaços serão atingidos, ou em quais espaços se permite um corte liso. Já o espaço liso parece se expandir num sentido de contaminação, muitas vezes clandestina, extraoficial, uma vez que nada tem a ver com o Estado e as instituições sociais.

Para demonstrar a relação da construção de sintetizadores artesanais com os espaços liso e estriado, e a importância de tais conceitos para compreendermos as novas formas de produzir equipamentos e tecnologias, trago o exemplo da empresa tcheca Bastl Instruments, já citada anteriormente. Assistindo ao também já citado documentário a seu respeito, compreendo, a partir do que descrevo a seguir, que eles conseguem seguir trabalhando sem cair no forte estriamento das grandes empresas.

De acordo com o vídeo, a empresa foi fundada por Václav Pelousek, criador da maioria dos projetos de sintetizadores, e Ondrej Merta, espécie de gerente, ou patrão, como coloca a legenda do documentário. Eles afirmam que são mais uma comunidade do que uma empresa. Deixando de lado os problemas envolvidos com o uso desse termo na sociologia, observei pelo filme que se trata de um grupo de pessoas que compartilham interesses, principalmente pelos sintetizadores e pela música em geral, e trabalham e desenvolvem projetos em conjunto.

No texto de Deleuze e Guattari (2012a), os conceitos são trabalhados através de modelos, que, por sua vez, dividem o capítulo em tópicos e são como diferentes características desses espaços. A obra traz os modelos tecnológico, marítimo, matemático, físico, artístico, entre outros, nos quais são demonstradas as diferenças, misturas e passagens entre o liso e o estriado. O modelo tecnológico mostra essas relações a partir de diferentes tipos de tecidos.

No feitio dos tecidos, uma das distinções mais interessantes para o entendimento dessas noções é a entre os bordados e as colchas de retalho, ou patchworks. O bordado, maneira de fazer desenhos ou textos num tecido, remete ao espaço estriado, possuindo uma temática central de onde se desdobra o desenho. Já o patchwork, que é trabalhado através da união de diferentes pedaços de pano, ou retalhos, “é uma coleção amorfa de pedaços justapostos, cuja junção pode ser feita de infinitas maneiras.” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 194). Assim, ele remete à heterogeneidade e à espontaneidade do espaço liso e demostra que o mesmo não é homogêneo, mas sim amorfo.

É importante observar, como o fazem os autores, que, tanto o bordado pode se desviar de uma temática central, tornando-se complexo e quase amorfo, indo em direção a um alisamento do espaço, como uma colcha de retalhos pode se prender a um tema, indo na direção de um estriamento. Porém, tais misturas e passagens não anulam as diferenças essenciais entre esses tipos de arte e entre os espaços descritos por Deleuze e Guattari (2012a).

Ao tratar do modelo marítimo, eles afirmam que o mar “é o espaço liso por excelência e, contudo, é o que mais cedo se viu confrontado às exigências de uma estriagem cada vez mais estrita”. (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 198). Isso ocorreu devido aos movimentos da navegação em que se buscou definir e dimensionar o mar através da astronomia e da criação de mapas e cartas marítimas. Entretanto, os movimentos marítimos também podem ocorrer de maneira mais errática, como os autores falam, acerca de navegadores nômades.

A navegação nômade procede consultando o vento, as características do mar e do céu, habitando um espaço liso através de acontecimentos e percepção de sintomas, enquanto as grandes navegações procedem medindo e delimitando para localizar pontos num espaço estriado. Na primeira, assim como no espaço liso, há linhas direcionais, que são como vetores de força. Indicam direções de movimentos, mas não são dimensionais, como as linhas do espaço estriado, que visam delimitar, demarcar, medir, para dividir e organizar o espaço.

Em relação ao mar, a cidade seria uma espécie de inverso, um espaço de natureza estriada, mas que frequentemente passa por alisamentos. Dividida em distritos, bairros e ruas,

e, muitas vezes buscando uma higienização e padronização dos seus espaços, trata-se de um espaço fundamentalmente estriado. Entretanto, movimentos de ocupação dos espaços públicos que promovem atividades políticas e culturais vão no sentido de um alisamento do espaço urbano, enquanto a proliferação das chamadas favelas ou mesmo das feiras livres promovem uma espécie de desorganização lisa ou, como colocam os autores, “esburacada”, entre o liso e o estriado. (DELEUZE; GUATTARI, 2012a).

Compreendo que os espaços virtuais, tais como os fóruns online e os blogs, investigados nessa pesquisa, funcionam como uma espécie de espaço esburacado, possuindo características do liso e do estriado. Nos fóruns de discussão, a comunicação é livre de hierarquias, diferentemente dos espaços estriados, como, por exemplo, salas de aula, nas quais o professor possui o domínio da fala. Nesses espaços virtuais, as conversações são abertas, todos os membros têm o direito de responder às postagens, assim como de abrir novas conversas. Tais endereços também diferem das grandes empresas industriais, cuja hierarquia faz com que a diretoria ou os acionistas definam o que será produzido, enquanto os funcionários trabalham na construção dos produtos, e nas quais seria inconcebível que algum trabalhador sugerisse algo aos projetistas.

Entretanto, os fóruns online também diferem dos espaços completamente lisos, uma vez que é necessária uma organização para que possam funcionar adequadamente. Há um conjunto de regras básicas de convivência, e as postagens passam pela avaliação dos administradores do fórum antes de serem publicadas. É importante notar que tais moderadores não atuam de maneira hierárquica dentro das discussões, somente contribuindo para organização do site, evitando postagens com temáticas repetidas, mantendo a organização dos tópicos pelos assuntos e observando as normas de convivência para evitar postagens ofensivas de qualquer tipo, ou que fujam da temática do fórum. Deleuze e Guattari (2012a) afirmam:

A cada vez a oposição simples “liso-estriado” nos remete a complicações, alternâncias e superposições muito mais difíceis. Mas essas complicações só fazem confirmar a distinção, justamente porque colocam em jogo movimentos dissimétricos. (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 202).

Compreendo que um espaço vai do liso ao estriado de uma maneira, enquanto vai desse àquele de outra. Frente a essas questões, é importante afirmar, com os autores, que “as diferenças não são objetivas” (ibidem), ou seja, não dizem respeito às características do espaço

físico em si. Se até o mar pode ser estriado e a urbe constantemente passa por rasgos lisos, o mais importante a ser tratado é “o modo de espacialização, a maneira de estar no espaço, de ser no espaço” (ibidem). A navegação computadorizada é capaz de codificar, através de coordenadas, o espaço liso do mar, mas ocupações culturais e políticas introduzem nomadismos no espaço estriado da cidade.

Quanto às questões envolvidas aqui, acerca do fechamento ou difusão do conhecimento tecnológico envolvido na construção, seja de softwares ou de hardwares, compreendo que também ocorrem movimentos dissimétricos. A mentalidade de código fechado, ligada ao patenteamento das tecnologias, opera de uma maneira institucionalizada, semelhante a um estriamento. As patentes são registradas através de processos jurídicos e regidas por leis e regulamentos estatais. Já quanto aos hardwares e softwares de código aberto, o compartilhamento ocorre de maneira aberta, sem a necessidade de ferramentas estatais ou institucionais, mas somente de um suporte para as informações, no caso, os diversos endereços da web. Essa forma de agir ocorre de forma quase informal, através das comunicações entre os desenvolvedores que visam o código aberto.

Discutindo as associabilidades lisas, Takeuti (2016) traz a teoria dos jogos para explicar o modo de habitar um espaço liso e um espaço estriado. No “Tratado da nomadologia: a máquina de guerra” (DELEUZE; GUATTARI, 2012b), os autores também abordam o liso e o estriado, os remetendo, respectivamente, ao nomadismo e ao sedentarismo e os comparando ao jogo chinês chamado go e ao xadrez. Entusiasta do pouco conhecido jogo de origem chinesa, Takeuti (2016) o descreve, associando ao espaço liso:

É um jogo territorial que busca criar conexões, definir componentes conexos; o que está em jogo é a conquista de território, a apropriação de maior quantidade de intersecções possíveis; não é como o xadrez que é importante capturar as peças do adversário para se chegar ao rei e lhe dar um xeque-mate. (TAKEUTI, 2016, p. 149).

No xadrez, as peças possuem funções e propriedades definidas a priori, só podendo agir dentro delas. Por exemplo, o peão só pode andar para frente uma casa de cada vez, exceto quando se move pela primeira vez e o bispo só se movimenta em diagonal. Já no go, as peças não têm figurações pré-definidas, sendo simples pedras brancas e pretas. Norma Takeuti (2016. P. 149) explica: “propriedade e função são adquiridas em situação (naquela associação provisória) e na ação do momento em que cada peça participa de um evento”. Enquanto o xadrez

é um jogo estriado, com regras de movimentação e de ação e hierarquias, como a que define o rei como peça mais importante, o go é um “sistema a-centrado” (ibidem), que envolve outras formas de existência e interação.

A maneira como é organizado o trabalho na empresa Bastl Instruments também remete a essa diferença entre um espaço estriado, no qual os participantes possuem uma função e um modo de agir estabelecidos, e um espaço liso, “a-centrado” (TAKEUTI, 2016, p. 149), no qual as posições e capacidades são relacionais. Na empresa tcheca, certamente há uma divisão do trabalho, através da qual há pessoas responsáveis pelos desenhos, outras pelas vendas, outras por organizar os espaços da empresa na internet, porém percebe-se que não há uma forte hierarquia como na maioria das grandes empresas, e essas posições e funções não são tão fixas.

Ao invés de processos de contratação em que currículos são avaliados estritamente a partir da formação e da experiência do candidato, as pessoas procuram a Bastl por compartilhar os interesses e a mentalidade dos membros da mesma, trabalhando com o que são capazes. O marceneiro Petr Lukás, por exemplo, se juntou a eles pela necessidade da empresa de alguém que trabalhasse com madeira, apesar de, de acordo com o documentário citado anteriormente, o mesmo não ter experiência trabalhando com madeira em outras empresas, mas somente ajudando seu avô ao longo da infância com a oficina caseira do mesmo. É importante colocar que Lukás também é um entusiasta dos sintetizadores e contribui com suas ideias acerca da montagem em madeira dos equipamentos, não só executando projeto de seus patrões e dos projetistas da empresa. Além disso, ele toca sintetizadores, assim como a maioria dos funcionários, que se apresentam em shows mensais, organizadas pela Bastl e se juntam para produzir música, experimentar sons e gravar em conjunto.

Aqui, não pretendo afirmar que os artesãos de sintetizadores e seus entusiastas produzem espaços lisos, pois compreendo que o caso remete ao que Deleuze e Guattari (2012a) chamam de “diferenças complexas” entre os dois tipos de espaço. Penso ser mais interessante observar as flutuações e passagens dentro do mundo dos sintetizadores. A princípio, parece-me que a prática da construção dos equipamentos em si passa por certo estriamento, principalmente quando se busca mais precisão e consistência sonora entre diferentes exemplares do mesmo equipamento. A prática da solda passa por uma espécie de codificação, um dimensionamento preciso do espaço do circuito. Além disso, os projetos esquemáticos para a construção deles são como mapas que devem ser seguidos à risca, posicionando corretamente os componentes, para que o equipamento funcione, assim como é necessária precisão na instalação de um código software em um sistema digital.

Entretanto, se observarmos a construção dos equipamentos analógicos, cujo funcionamento gira em torno principalmente de transístores eletrônicos, é perceptível que se trata de uma prática com menor precisão e previsibilidade nos resultados sonoros. Uma vez que é um componente miniaturizado de grande complexidade, diferenças minúsculas entre transístores da mesma especificação podem causar distinções com relação ao timbre dos sintetizadores, mesmo que eles possuam componentes supostamente iguais. Entendo que os artesãos que trabalham com esse tipo de equipamento possuem um conhecimento mais maleável, quase intuitivo, que os permite escolher os componentes que os servem e trabalhar as diferenças entre eles. Além disso, a variação sonora entre diferentes exemplares é uma das características admiradas nos sintetizadores analógicos, como uma espécie de individualidade dos equipamentos.

Uma vez que os projetos são distribuídos ao redor do mundo pela internet, frequentemente um construtor não tem à sua disposição os componentes exatos utilizados originalmente pelo desenvolvedor do projeto. A partir daí construtores experientes são capazes de improvisar e realizar substituições que podem modificar ou não o resultado sonoro final na construção do sintetizador, realizando uma quebra na estrita codificação de um esquemático eletrônico.

Um fabricante veterano também é capaz de adaptar o processo ao seu gosto, visando obter algum diferencial sonoro no produto final, seja em equipamentos analógicos, trocando componentes ou a ordem deles, ou modificando algum fator do código binário, em se tratando de um equipamento digital. Tais desvios são como aberturas tecnológicas na construção desses equipamentos e, a meu ver, são fundamentais para o desenvolvimento dos mesmos, principalmente se compartilhados na web. Na realidade, essas situações são parte essencial da ideia do hardware livre, e é comum que artesãos que realizam tais adaptações ou improvisos apresentem as mesmas ao criador do projeto, que pode receber a mudança como uma melhoria, passando a utilizá-la nas suas construções.

Deleuze e Guattari (2012a, p. 208) afirmam que “todo progresso se faz por e no espaço estriado, mas é no espaço liso que se produz todo devir”. Observando a história da indústria de sintetizadores, é possível notar que houve rupturas lisas que originaram devires e linhagens tecnológicas, tais como os trabalhos de Robert Moog. Entretanto, várias dessas iniciativas, em particular a de Moog, tornaram-se empresas produtoras de equipamentos em escala industrial, criando produtos a partir de demandas de mercado, ou seja, passando por um forte processo de estriamento.

Entendo que a Bastl Instruments é um grande exemplo de fabricantes de sintetizadores que mantém um corte liso nesse mercado, assim como todos os outros que compartilham projetos e conhecimentos. Segundo Cuckoo, realizador do vídeo sobre ela, na empresa, as pessoas trabalham coletivamente, apoiando as ideias umas das outras, sem a presença de uma forte hierarquia. Conforme Takeuti (2016), enquanto segmentos estriados freiam o surgimento do novo, projetos que trabalham com conexões abertas e associabilidades lisas vão ao sentido de “aumentar a potência de agir”. (TAKEUTI, 2016, p.154). Como as redes descritas por Latour (2012) e Segata (2013), as conexões formadas através da Bastl “fazem agir” (SEGATA, 2013, p. 143), possibilitando que os envolvidos desenvolvam seus projetos em parceria.

Os tchecos organizam eventos como oficinas e palestras sobre sintetizadores, além de possuírem um selo musical, que lança material sonoro e incentiva a produção de artistas locais. A sua loja física é um espaço no qual as pessoas podem conhecer e aprender sobre os

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