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Artesãos online: parcerias virtuais e hardware livre

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MARCUS DA SILVA FERREIRA

ARTESÃOS ONLINE:

PARCERIAS VIRTUAIS E HARDWARE LIVRE

NATAL-RN 2018

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MARCUS DA SILVA FERREIRA

ARTESÃOS ONLINE:

PARCERIAS VIRTUAIS E HARDWARE LIVRE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Prof. Dra. Norma Missae Takeuti.

NATAL-RN 2018

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MARCUS DA SILVA FERREIRA

ARTESÃOS ONLINE:

PARCERIAS VIRTUAIS E HARDWARE LIVRE

Apresentada em: __ /__/ 2018

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________________________

Prof. Dra. Norma Missae Takeuti (UFRN) Orientadora - Presidente da banca

____________________________________________________________________________

Prof. Dr. Jean Segata (UFRGS) Membro externo

____________________________________________________________________________ Dr. Fagner França (UFRN)

Membro interno

NATAL-RN 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Ferreira, Marcus da Silva.

Artesãos online: parcerias virtuais e hardware livre / Marcus da Silva Ferreira. - Natal, 2018.

106f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Norma Missae Takeuti.

1. Sintetizadores sonoros - Dissertação. 2. Artesanato - Dissertação. 3. Parcerias online - Dissertação. I. Takeuti, Norma Missae. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.77:780.653.36

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a uma série de pessoas sem as quais a produção dessa dissertação não seria possível. Ao longo do mestrado contei com a ajuda e o incentivo de pessoas queridas que não posso deixar de mencionar.

Primeiramente, à minha família: meus pais, meus irmãos e minha irmã, por toda a ajuda nos momentos difíceis da minha trajetória no mestrado. Obrigado por toda confiança e incentivo para seguir em frente. Um agradecimento mais do que especial ao meu pai, Marcílio, que realizou a revisão ortográfica deste trabalho.

Também sou muito grato à professora Norma Takeuti, pela paciência e confiança no meu trabalho. Não posso deixar de agradecê-la também pelo maravilhoso trabalho de orientação e revisão do meu texto.

Quero mencionar também o meu amigo Dante Augusto, construtor artesanal de sintetizadores e estudante da Física, pela disposição para conversar e me mostrar a prática da construção artesanal de sintetizadores e o hardware livre, esclarecendo também diversas dúvidas a respeito dessa atividade.

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RESUMO

O presente texto trata de uma pesquisa acerca dos construtores artesanais de sintetizadores e das conexões e trocas de conhecimento que os mesmos estabelecem através do suporte de sites e fóruns na internet. Sintetizadores são aparelhos eletrônicos que produzem sons através da modulação de correntes elétricas. Desde meados da década de 1990, vem ocorrendo uma difusão da prática de construir tais instrumentos de maneira artesanal, a partir de informações obtidas na web. Muitos artesãos disponibilizam projetos para construção de sintetizadores gratuitamente, e, através de trocas de opiniões e sugestões, aprimoram seu conhecimento e a tecnologia empregada. Buscou-se observar a maneira em que se desenvolve um conhecimento tecnológico através de parcerias mediadas pelas plataformas virtuais, prezando por trazer também a fluidez das associações estabelecidas via internet e as diversas conexões entre máquinas e seres humanos nessa atividade.

Palavras-chave: sintetizadores sonoros; artesanato; parcerias; internet; construção de conhecimento.

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ABSTRACT

The present text brings the results of a research about handmade synthesizer builders and the knowledge connections and exchanges that they establish through websites and online forums. Synthesizers are electronic devices that produce sound through the modulation of electric currents. Since the 1990 decade, there has been a diffusion of the practice of building such instruments in an artisanal way, based on information obtained online. Many builders offer free synthesizer design project and, through exchanges of opinions and suggestions, improve their knowledge and the technology used. We sought to observe the way in which technological knowledge is developed through partnerships mediated by virtual platforms, as well as bringing the fluidity of the associations established through the internet and the various connections between machines and human beings in this practice.

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1DOIS SINTETIZADORES PRODUZIDOS POR DANTE --- 12

FIGURA 2LEON THEREMIN DEMONSTRANDO SEU INVENTO --- 20

FIGURA 3COMPARAÇÃO ENTRE TRANSÍSTORES, UM CHIP DIGITAL E UMA VÁLVULA --- 20

FIGURA 4O SINTETIZADOR 200E, DESENVOLVIDO POR DON BUCHLA --- 21

FIGURA 5REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE ONDAS SONORAS --- 23

FIGURA 6GRÁFICO DEMONSTRANDO ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DE UMA ONDA SONORA.O EIXO VERTICAL REPRESENTA A AMPLITUDE DA ONDA, ENQUANTO O HORIZONTAL, O ESPAÇO EM QUE ELA OCORRE --- 23

FIGURA 7REPRESENTAÇÃO DE UMA ONDA E SEUS HARMÔNICOS, ESTANDO A FUNDAMENTAL EM VERDE, AS HARMÔNICAS EM VERMELHO E AZUL E A RESULTANTE, QUE É UMA REPRESENTAÇÃO DO TIMBRE GERAL, EM AMARELO --- 24

FIGURA 8REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ADSR, COM O TEMPO REPRESENTADO NO EIXO HORIZONTAL E A AMPLITUDE NO EIXO VERTICAL --- 26

FIGURA 9AO CENTRO, UM SINTETIZADOR MOOG MODULAR --- 28

FIGURA 10UM MINIMOOG MODELO D --- 29

FIGURA 11SINTETIZADOR MODULAR DE PADRÃO EURORACK, COM MÓDULOS DE FABRICANTES DIFERENTES ---- 35

FIGURA 12COMPARAÇÃO ENTRE UMA ONDA ANALÓGICA (VERMELHA) E SEU EQUIVALENTE DIGITAL (EM CINZA) EM UM GRÁFICO RELACIONANDO A AMPLITUDE NA VERTICAL AO TEMPO NA HORIZONTAL --- 36

FIGURA 13O SINTETIZADOR DIGITAL DX-7 DA FABRICANTE JAPONESA YAMAHA --- 38

FIGURA 14IMAGEM RETIRADA DO SITE WWW.MUSICFROMOUTERESPACE.COM--- 46

FIGURA 15A PEQUENA CASA ONDE SÃO FABRICADOS OS PRODUTOS DA METASONIX, EXTRAÍDA DA SUA PÁGINA OFICIAL). --- 51

FIGURA 16REGISTRO DA PRODUÇÃO MANUAL DOS SINTETIZADORES DA MAKE NOISE MUSIC, DISPONÍVEL NA PÁGINA DA MARCA --- 52

FIGURA 17OS-2000, SINTETIZADOR MODULAR DA METASONIX --- 53

FIGURA 18OJOLYMOD III, DA RECO-SYNTH --- 54

FIGURA 19 À ESQUERDA, O KIT PARA MONTAGEM DO APC, E, À DIREITA, O APC MONTADO --- 55

FIGURA 20FOTO COMPARTILHADA POR DELGOULET, MOSTRANDO UMA ETAPA DO PROCESSO DE MONTAGEM DE UM DOS MÓDULOS --- 64

FIGURA 21FOTO COMPARTILHADA POR MEMBRO DO FÓRUM QUE ADQUIRIU PLACAS DE CIRCUITO COM DELGOULET --- 65

FIGURA 22O SINTETIZADOR MODULAR A-100, DA DOEPFER --- 95

FIGURA 23SISTEMA MODULAR DA BASTL INSTRUMENTS --- 96

FIGURA 24UM TRAUTONIUM SENDO TOCADO --- 98

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SUMÁRIO

1 INQUIETAÇÕES INICIAIS ... 10

1.2 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ...15

2 A LINHAGEM TECNOLÓGICA DOS SINTETIZADORES ... 18

3 CONEXÕES EM REDE NO ARTESANATO ELETRÔNICO ... 43

4 CONECTIVIDADES RIZOMÁTICAS E ESPAÇOS LISOS NOS SINTETIZADORES ... 69

5 O ARTESANATO ELETRÔNICO E A ESTÉTICA DO FAZER E DO TOCAR ... 87

6 INQUIETAÇÕES FINAIS ... 102

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1

INQUIETAÇÕES INICIAIS

O presente texto trata de uma pesquisa que visa rastrear conexões e colaborações acionadas por construtores artesanais de sintetizadores sonoros e as teias de trocas de informações e experiências que se formam na internet ao redor da construção artesanal de sintetizadores e da prática do chamado “do it yourself”, do inglês, “faça você mesmo”, muitas vezes referido através da sigla DIY. Tal atividade teve início na década de 1970, a partir do trabalho de pessoas interessadas nesses equipamentos que não podiam pagar pelos mesmos e começaram a construí-los por conta própria. Entretanto, essa prática cresceu muito e vem ganhando adeptos desde a década de 1990, com o barateamento e aumento da disponibilidade dos componentes eletrônicos necessários, e mais ainda com a expansão do acesso à internet, que possibilita que as pessoas alcancem o conhecimento sobre essa atividade.

Sintetizadores são equipamentos eletrônicos que realizam a síntese sonora, ou seja, a produção de som, a partir do funcionamento dos seus circuitos. Na sua tese de doutorado em comunicação e semiótica, a respeito da música eletrônica, Fernando Iazzetta (1996) afirma que um sintetizador, ou instrumento eletrônico, produz som “por meio da geração de sinais elétricos que são posteriormente transformados em ondas sonoras.” (IAZZETTA, 1996, p. 75). Tal equipamento se diferencia dos instrumentos orgânicos uma vez que, nesses, o som é produzido pela vibração de algum meio físico, como as cordas de um violão ou o ar dentro do tubo de uma flauta. Na tese, Iazzetta (1996) aborda as diversas tecnologias utilizadas para a síntese sonora, analisando a história desse tipo de equipamento.

Na pesquisa abordada aqui, busquei investigar as maneiras colaborativas e horizontais de produzir conhecimento e tecnologia com o suporte da comunicação via internet. Muitos construtores se agrupam em fóruns de conversação online, através dos quais disponibilizam informações detalhadas a respeito dos equipamentos que foram capazes de produzir, e adquirem as informações disponibilizadas pelos outros membros. Tal troca de informações pode ocorrer em diversos sites, além de perfis e grupos em redes sociais da web. Trata-se da chamada mentalidade do hardware livre, que busca o desenvolvimento tecnológico em parceria, inspirada na construção dos programas ditos de código aberto, ou softwares livres, tais como o

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sistema operacional Linux1, desenvolvido através da colaboração de um vasto grupo de internautas interessados no aprimoramento desse programa.

O foco principal da dissertação são as maneiras como se dão as trocas de informação, as conexões e as parcerias envolvidas na construção desses equipamentos sonoros. A forma como tais instrumentos produzem o som é de fundamental importância para a compreensão do funcionamento dos mesmos e de diversas questões que envolvem essa tecnologia. Porém, mantendo o foco na construção do equipamento mais do que no que ele é capaz de fazer, observo o som, neste trabalho, como uma espécie de potencialidade, quase como um fator teórico levado em consideração na construção dos sintetizadores. Compreendo que, com o seu conhecimento sobre os circuitos trabalhados, um artesão não precisa ouvir o instrumento tocar para saber que tipo de ondas ele será capaz de gerar e quais tipos de modulação será capaz de realizar, pois sabe que tal conjunto de circuito resultará em, aproximadamente, tais funcionalidades no sintetizador.

Diante da atual difusão do uso da internet, almejo explorar tal processo de inventividade, capaz de, através de associações múltiplas, se contrapor a mentalidades ligadas ao capitalismo industrial, como o estabelecimento de patentes, que fecham o conhecimento tecnológico para quem não as detêm. Entendo que são estabelecidas inúmeras conexões, ou, conforme a cientista social Norma Takeuti (2016), “associabilidades lisas”, entre diferentes atores, tais como artesãos, internautas e músicos, que muitas vezes participam com sugestões e opiniões; mas também tecnologias, conhecimentos e mentalidades, formando uma espécie de rede provisória e fugaz de trocas de conhecimento e tecnologia.

Em seu artigo, Takeuti (2016) aborda novos modos de fazer política, uma outra cultura política que, através de ações da juventude, vai no sentido de “abrir-se a um agir em comum” (TAKEUTI, 2016, p. 155), ao invés de recorrer a lógicas tradicionais da prática política, com seus grupos estáveis e homogêneos, tais como partidos e movimentos institucionais. Quanto aos sintetizadores, compreendo que estamos tratando de outra forma de produzir conhecimento e tecnologia, e de se comunicar de maneira aberta, livre das fortes hierarquias que as indústrias e seu corpo de funcionários e acionistas possuem.

A escolha de uma temática referente às tecnologias sonoras se deve, em parte, à trajetória pessoal do autor, que é músico, toca guitarra elétrica, e sempre atentou para as

1 Há bastante informação na internet acerca do Linux, seja através de tutoriais, vídeos e fóruns. Um dos principais endereços para tal, em inglês, é o seguinte: https://www.linux.org/. Acesso em18 de setembro de 2017.

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diferentes possibilidades sonoras que os diversos aparelhos eletrônicos viabilizam. Ao longo da minha trajetória pessoal desenvolvi um grande interesse pelos chamados pedais de efeito, equipamentos eletrônicos que modificam ou distorcem o som do instrumento de diversas maneiras.

O interesse pelo papel das tecnologias eletrônicas na música me motivou a trabalhar com essa temática na monografia de conclusão da graduação em Ciências Sociais. Nela, busquei rastrear o que chamei de linhagem tecnomusical, como uma maneira de ligar as diversas manifestações musicais e sonoras às tecnologias que são utilizadas na sua produção. A partir daí o foco foi lançado sobre a linhagem eletrônica da tecnomúsica, desenvolvida ao longo do século XX e XXI, através da criação dos sintetizadores e da utilização do computador para a produção musical.

A ideia de realizar a pesquisa sobre os sintetizadores DIY surgiu a partir de algumas conversas do autor com o amigo Dante Augusto, produtor musical, músico e estudante do curso de física que constrói sintetizadores artesanais como uma espécie de hobby, muitas vezes os emprestando a amigos, como o autor do presente texto, que porta dois sintetizadores de sua produção. Tal interlocutor esclareceu acerca do lado colaborativo, mediado pela internet, dessa atividade, apresentando a chamada prática do hardware livre.

Figura 1Dois sintetizadores produzidos por Dante

Após definida a temática deste trabalho, Dante me apresentou ao endereço de alguns dos principais fóruns online, bem como dos principais fabricantes artesanais. Realizei a pesquisa acessando tais endereços, assim como blogs e sites de lojas de sintetizadores, visando

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observar as trocas de informação e as conexões que se estabelecem entre artesãos, internautas, máquinas, ideias e conhecimentos.

Desenvolvendo a pesquisa e a escrita, busquei inspiração na maneira aberta através da qual ocorrem as parcerias e conexões que envolvem os sintetizadores na internet, mas também nos conceitos de “espaço liso” e de “rizoma”, trabalhados, respectivamente, nos textos “O liso e o estriado” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a) e “Introdução: Rizoma” por Gilles Deleuze e Félix Guattari (2014). A partir disso, procurei articular as ideias de maneira aberta, trazendo exemplos empíricos à medida que encontrei aberturas conectivas. Mantendo a escrita dentro dos padrões exigidos pela academia, busquei estabelecer pequenos espaços lisos, através das formas de articular empiria e teoria.

Iniciando o primeiro volume da obra Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI, 2014) com um texto sobre a ideia de rizoma, os autores abordam a sua forma de escrever, e a maneira foi como escrito tal livro. Trata-se de um conceito oriundo da botânica, utilizado para se referir ao tipo de enraizamento realizado por algumas espécies de plantas, como tubérculos, ervas daninhas, entre outras, que se espalham pelo subsolo e se elevam à superfície em diferentes pontos espalhados pelo espaço. Como um rizoma, o livro em questão possui também diversas entradas espalhadas ao longo das páginas, buscando multiplicar o pensamento, ao invés de seguir uma ordem fixa, na qual os capítulos se seguem, ordenando as ideias.

Compreendo que se trata de um tipo de escrita que se origina, em parte, da genialidade dos autores, capazes de articular conceitos e ideias de maneira única. Portanto, é uma situação que não sou capaz de reproduzir, além de não se encaixar nos padrões de uma dissertação de mestrado, que requer capítulos que concatenem ideias, dados empíricos e conceitos. Entretanto, inspirei-me no rizoma ao articular as formulações teóricas e as situações que observei na pesquisa, trazendo diversas entradas às conexões entre sintetizadores, discussões e parcerias na internet e conceitos teóricos.

***

Após a presente introdução, abordo a maneira através da qual desenvolvi a pesquisa, trazendo as principais fontes às quais recorri para obter informações sobre os sintetizadores e a sua produção artesanal. Através de indicações do interlocutor Dante, acessei os principais fóruns onde são discutidas as questões relativas a esses equipamentos, assim como os principais

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endereços onde se disponibiliza tal conhecimento tecnológico. Utilizei também alguns vídeos e filmes para compreender a maneira dos construtores artesanais trabalharem.

No capítulo seguinte, intitulado “A linhagem tecnológica dos sintetizadores”, trago um apanhado da história desses equipamentos, assim como uma introdução ao seu funcionamento, passando por alguns conceitos básicos da física acústica, por entender que se trata de um conhecimento que não é familiar ao meio acadêmico das ciências sociais. Para ampliar a compreensão acerca do desenvolvimento desses equipamentos e das diversas conexões tecnológicas que o permeiam, articulei os conceitos de “agenciamento” e “linhagens tecnológicas”, conforme trabalhados por Deleuze e Guattari (2012b). Assim como os trabalhos acerca do “modo de existência dos objetos técnicos” desenvolvidos pelo pensador francês Gilbert Simondon (1980).

A seguir, abordo o funcionamento dos principais sites onde são disponibilizadas informações sobre os sintetizadores e a sua construção, assim como dos maiores fóruns onde ocorrem discussões e se estabelecem parcerias envolvendo a construção dos sintetizadores. A partir de trabalhos de Norma Takeuti (2016) e da teoria ator-rede, conforme desenvolvida por Bruno Latour (2012), elaboro acerca da construção de uma rede, para fins de estudo, formada pelas diversas conexões e parcerias que envolvem a construção de sintetizadores.

Em seguida, lanço foco sobre a conectividade dessa rede, abordando a maneira aberta através da qual são trocadas informações e se constroem parcerias na construção de sintetizadores. Para isso, articulo o funcionamento dos fóruns, assim como a forma de trabalhar de algumas empresas fabricantes com os conceitos de rizoma e espaço liso, formulados por Deleuze e Guattari (2012a; 2012b; 2014), a partir da ideia de associabilidades lisas, conforme trabalhada por Norma Takeuti (2016). Ao final desse capítulo traço um paralelo entre a prática da construção artesanal dos sintetizadores e o desenvolvimento dos softwares de código aberto, a partir do trabalho do sociólogo Richard Sennett (2008) sobre o artesanato.

O último capítulo traz uma reflexão acerca do caráter artesanal da produção dos sintetizadores. Richard Sennett (2008) entra aqui com seu trabalho sobre o artesanato no livro O artífice, e Simondon (1998) está presente também através da sua discussão acerca da tecnoestética e do prazer sensorial que se manifesta em trabalhos manuais e no fazer artístico. O sociólogo estadunidense contribui para a compreensão de alguns fatores que levam as pessoas a buscarem se capacitar, visando realizar trabalhos com maestria.

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No texto, relacionei esse pensamento com os sintetizadores, trazendo construtores que se destacam pela qualidade das suas criações, e as maneiras através das quais os conhecimentos são difundidos para que outras pessoas possam se capacitar. Ao longo do trabalho, refiro-me aos construtores abordados como artesãos, e aos seus trabalhos como artesanais. Com esse termo, busquei simplesmente diferenciá-los dos grandes fabricantes industriais, visando denotar o caráter manual da prática aqui descrita. Para distinguir a abordagem construída por Sennett (2008) da noção corriqueira do trabalho artesanal, utilizei o termo “artífice” para me referir às características do trabalho trazidas pelo sociólogo estadunidense.

Já através da tecnoestética de Simondon (1998), pude articular as sensações estéticas do toque, que afetam as pessoas que realizam trabalhos manuais e artísticos. Como músico, já experimentei essa sensação, e compreendo que se trata também de um dos motivos que levam pessoas a realizarem trabalhos como a construção de sintetizadores com as próprias mãos, conectando e soldando componentes, montando os equipamentos. Além disso, abordei as diferentes sensações tecnoestéticas que sintetizadores com diferentes maneiras de tocar e configurar proporcionam, desde os primeiros modelos a algumas inovações tecnológicas atuais.

1.1 Procedimentos da pesquisa

Para a realização da pesquisa, contei, como já foi colocado, com a contribuição de Dante, um construtor artesanal de sintetizadores. Em conversas informais, o mesmo introduziu o autor a essa atividade manual, explicando acerca da importância da internet para a mesma e da ideia de hardware livre que envolve os sintetizadores DIY. Nessas entrevistas, ele relatou como se iniciou na construção desses equipamentos, colocando que conseguiu muita informação em sites e livros.

Dante também expôs acerca dos principais agentes dentro do mundo dos sintetizadores artesanais, indicando os mais importantes fabricantes e suas características, assim como os maiores sites em que são disponibilizadas e trocadas informações. A partir daí, pude conhecer e acessar fóruns e sites ligados a essa prática, assim como as páginas dos fabricantes mais renomados.

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Em fóruns de discussão como o Muff Wiggler2 e o electro-music3, descritos no capítulo seguinte, pude conhecer como são organizadas as discussões, através dos diferentes tópicos, referentes a diferentes tipos de sintetizadores ou a diversas questões acerca dos mesmos, tais como a performance ao vivo e a manutenção dos equipamentos. Nas postagens no Muff Wiggler, observei as conversas que proporcionam o desenvolvimento de projetos através de colaboração.

Outro tipo de site, exemplificado no trabalho pelo Matrixsynth4, funciona como uma revista virtual, ou mesmo como um tipo de blog um pouco diferente, uma vez que os internautas podem enviar publicações para que o administrador publique. Tal endereço possui seu conteúdo organizado através das chamadas “tags”, que reúne as postagens com assuntos em comum, tais como sintetizadores DIY, ou discussões sobre produtos de alguma marca em particular e também revelou muito acerca dos procedimentos que envolvem essa atividade.

As páginas das empresas fabricantes também representaram uma valiosa fonte de informação para a construção desse trabalho. Sites como Music From Outer Space5 e Casper

Electronics6, que realizam uma enorme contribuição através da difusão do conhecimento sobre

sintetizadores, falaram-me sobre a mentalidade do hardware livre, que busca compartilhar o máximo de informações possíveis. Além disso, nesses sites, observei a forma como são compartilhadas essas informações: a disponibilização de projetos, desde os esquemáticos até o passo a passo da montagem dos sintetizadores, mas também a venda de kits “faça você mesmo”, que facilitam ainda mais a construção, e a exposição de conhecimento teórico básico sobre sintetizadores e eletrônica.

Outro tipo de fonte que obtive para a pesquisa através da internet foram os vídeos sobre sintetizadores e seus fabricantes. O longa-metragem “I Dream of Wires”, lançado em 2014 e dirigido por Robert Fantinatto, com produção de Jason Amm, possibilitou o entendimento de várias questões, tais como a história, tanto da construção artesanal dos equipamentos, retratada no filme através dos pioneiros, da forma como trabalhavam e dos principais avanços dessa prática, quanto dos sintetizadores em geral, obtendo muita informação acerca dos primeiros inventores.

2 Link para acesso ao fórum: http://www.muffwiggler.com/forum/. Acesso em: 3 de abril de 2018. 3 Link para acesso ao fórum: http://electro-music.com/forum/. Acesso em: 3 de abril de 2018. 4 Link para acesso ao site: https://www.matrixsynth.com/. Acesso em: 3 de abril de 2018. 5 Link para acesso ao site: http://musicfromouterspace.com/. Acesso em: 3 de abril de 2018. 6 Endereço da página: http://www.casperelectronics.com/. Acesso em: 3 de abril de 2018.

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O documentário também possibilitou que eu conhecesse outros endereços importantes, nos quais ocorrem diversas conexões virtuais envolvendo os sintetizadores. Através dele, pude observar relatos de diversos fabricantes, nos quais comentam acerca das suas relações com tais endereços, e das maneiras através das quais, por meio deles, entram em contato com os instrumentistas e possíveis compradores. Esse filme, assim como o documentário realizado pelo canal do site YouTube Cuckoo7, acerca da fabricante Bastl Instruments8, apresentou-me as empresas fabricantes mais proeminentes do ramo, citadas ao longo do trabalho, possibilitando uma visão sobre a forma dessas empresas trabalharem, que tipos de sintetizadores elas costumam construir e de onde vêm as ideias para os seus desenvolvimentos. Dessa forma, esses e outros vídeos, junto às conversas com Dante, somaram-se à pesquisa online no entendimento dos sintetizadores.

Nesses endereços, assim como através dos vídeos, encontrei bastante material para a pesquisa, de maneira que pude observar o funcionamento desses endereços, diferenciando alguns tipos de sites, e percebendo como e quais informações são discutidas e disponibilizadas. Dessa forma, escolhi não realizar entrevistas e questionários, comuns a uma sociologia mais convencional e que acaba focando nas relações e laços sociais que envolvem os interlocutores. Como já foi colocado anteriormente, o foco da pesquisa foram as conexões ou associabilidades que se estabelecem entre os diversos atores envolvidos nessa rede, que pude observar nos endereços online e nos vídeos.

7 Confira o documentário em https://www.youtube.com/watch?v=K4oOmcm0NGY. Acesso em 3 de abril de 2018. O canal Cuckoo pode ser acessado através do seguinte link: https://www.youtube.com/channel/UCOojfmX4Wq3Ww-XP_IkvviQ. Acesso em: 3 de abril de 2018.

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2

A LINHAGEM TECNOLÓGICA DOS SINTETIZADORES

Os sintetizadores são instrumentos musicais eletrônicos e possuem uma história relativamente curta na música e na tecnologia. O pesquisador Fernando Iazzetta (1996) traz importantes contribuições para o entendimento dos mesmos, relatando a história e o funcionamento desses equipamentos em sua tese de doutorado. No presente capítulo, trago as contribuições desse autor para a compreensão dos equipamentos, assim como algumas discussões teóricas elaboradas por Deleuze e Guattari (2012b) e Gilbert Simondon (1980).

A partir dos conceitos de linhagens tecnológicas e do phylum maquínico, desenvolvidas no texto “Tratado de nomadologia: a máquina de guerra” (DELEUZE; GUATTARI, 2012b), procurei desenvolver acerca das conexões entre diferentes tecnologias e conhecimentos, ou seja, entre linhagens tecnológicas, na construção e no compartilhamento das ideias sobre os sintetizadores. O pensador francês Gilbert Simondon (1980), também é um aporte teórico aqui, contribuindo para o estudo acerca das maneiras pelas quais os seres humanos coordenam conexões entre diversas máquinas e a própria relação entre homem e tecnologia.

Segundo Iazzetta (1996), os primeiros sintetizadores surgiram entre o final do século XIX e o início do século XX. Tais instrumentos se diferenciam dos chamados acústicos ou orgânicos porque esses produzem o som necessariamente através da excitação e vibração de algum material físico. Por exemplo, o violão produz o som através da vibração das suas cordas, os instrumentos de sopro, pela vibração do ar dentro de um tubo, enquanto nos sintetizadores, o som é produzido pela geração de uma corrente elétrica que só é transformada em som, ou seja, vibrações mecânicas em um meio elástico, depois de passar por algum tipo de transdutor, como os alto-falantes de uma caixa acústica ou o fone de ouvido. (IAZZETTA, 1996, p. 75).

Com os primeiros avanços da tecnologia eletrônica, engenheiros de diferentes centros de tecnologia sonora realizaram experimentos de criação de instrumentos que gerassem som a partir de uma corrente elétrica. Thaddeus Cahill é considerado um pioneiro nesse campo por inventar, no final do século XIX, o chamado Telharmonium, equipamento que, através de um enorme circuito movido a vapor, produzia sons ao ser tocado através de teclas instaladas nele. À época, o instrumento foi considerado uma importante inovação tecnológica, apontando novas possibilidades de criação: “o nascimento de uma nova arte elétrica”. (Electrical World, 1906 apud IAZZETTA, 1996, p. 157). Porém, uma vez que pesava duzentas toneladas e ocupava

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uma sala inteira, tendo pouquíssima praticidade, o uso ficou restringido aos poucos cientistas que conheciam seu complicado funcionamento e o executaram em raras apresentações públicas. Outro pioneiro foi o inventor russo Leon Theremin9, criador do instrumento que leva seu sobrenome e que produz som a partir de um campo magnético criado entre duas antenas. O instrumentista movimenta as mãos nesse campo para criar o som, sem manusear nenhum tipo de componente sólido. Também celebrado como uma grande invenção, o Theremin possui uma execução de grande dificuldade uma vez que não possui nenhum tipo de parâmetro que guie o músico, como as teclas de um piano, ou os furos de uma flauta doce. Apesar disso, continua sendo utilizado até hoje, sobretudo em trilhas sonoras de filmes, a partir dos anos 1950, além de ser frequentemente produzido artesanalmente, pela simplicidade do seu funcionamento.

Houve outros instrumentos iniciais: o Ondes Martenot, desenvolvido em 1928, produz um som semelhante ao do Theremin, porém é executado através de teclas e possui alguns controles sonoros manuais, tendo ganhado mais reconhecimento recentemente por ser utilizado pelo grupo musical britânico Radiohead10 em gravações e concertos; o Trautonium, criado na

década de 1930 em Berlim, por Friedrich Trautwein e Oskar Sala, é tocado pressionando-se um fio em uma barra de metal, e seu funcionamento foi desenvolvido por Sala até o fim da sua vida, sendo muito utilizado em trilhas sonoras de filmes. O termo sintetizador surgiu oficialmente11 em 1956, para denominar o RCA Electronic Music Synthesizer Mark I, instrumento desenvolvido pelos engenheiros estadunidenses Harry F. Olson and Herbert Belar, na Universidade de Columbia. Na época, foi considerado um instrumento eletrônico de grande sofisticação em relação ao controle das suas muitas possibilidades sonoras, entretanto, o seu funcionamento era muito complicado, e ele permaneceu, assim como os equipamentos anteriores, uma ferramenta mais científica do que musical.

9 Para ver e ouvir o inventor executando o theremin, conferir o vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=w5qf9O6c20o. Acesso em: 9 de maio de 2017.

10 Informação obtida em: https://en.wikipedia.org/wiki/Ondes_Martenot. Acesso em: 12 de setembro de 2017. 11Informação obtida em:

https://documentation.apple.com/en/logicexpress/instruments/index.html#chapter=A%26section=5%26tasks=tru e. Acesso em: 9 de maio de 2017.

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Figura 2 Leon Theremin demonstrando seu invento

Com a exceção do Telharmonium, que funcionava através de vapor, os instrumentos citados funcionavam através da tecnologia do controle de voltagem por válvulas12, hoje considerada ultrapassada por serem um pouco imprevisíveis, atingirem altas temperaturas durante o funcionamento, representarem um alto custo, além de ocuparem muito espaço. Com o desenvolvimento do transístor, substituto muito menor, mais barato e confiável das válvulas, no final da década de 1940, novos instrumentos surgiram, com operação e custo mais acessíveis.

12 Uma válvula de tríodos, componente eletrônico básico, possui três elementos fundamentais: um catodo, um anodo e um grid de diferença de potencial elétrico, também chamado grid de voltagem. O primeiro é o polo positivo da corrente e o segundo é o negativo. No circuito da válvula, ambos estão ligados. Entre os polos positivo e negativo existe uma diferença de potencial: há muitos elétrons no catodo e uma escassez no anodo. Essa diferença é a própria energia potencial, potencial de movimento dos elétrons de um polo sobrecarregado para um polo vazio. O grid permite e regula a comunicação entre esses polos, possibilitando a troca de elétrons, que gera a efetivação da energia elétrica a ser utilizada. Com uma voltagem regulável, o grid define quanta energia potencial será convertida em energia elétrica na válvula. Os equipamentos que funcionam com essa tecnologia, geralmente têm funções quantificadas pela voltagem, que quem utiliza o aparelho controla através de alguma peça, como um potenciômetro ou um interruptor. Até a invenção e difusão dos transístores, as válvulas estavam presentes nos equipamentos eletrônicos, inclusive nos primeiros equipamentos musicais eletrônicos, como o sintetizador Olson-Belar Sound Synthesizer, produzido pela RCA em 1955. (IAZZETTA, 1996, p. 38). Os transístores realizam um trabalho semelhante ao das válvulas, passando a substituí-las por possuir mais durabilidade, constância no seu funcionamento, ocupar um espaço muitas vezes menor do que o das válvulas e possuir um custo muito menor.

Figura 3 Comparação entre transístores,

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Durante a década de 1960, dois engenheiros estadunidenses trabalharam simultaneamente para desenvolver sintetizadores baseados na tecnologia dos transístores, ambos contando com a consultoria de instrumentistas e compositores. Don Buchla na Califórnia e Robert Moog, em parceria com o compositor e inventor Herbert Deutsch, em Nova York desenvolveram dois sistemas diferentes de síntese sonora, ambos controlados por voltagem elétrica.

Apesar dos dois sistemas serem mais acessíveis ao instrumentista comum do que os sintetizadores anteriores, utilizados por engenheiros e técnicos eletrônicos, eles se diferenciavam entre si pelo fato dos inventos de Moog possuírem uma utilização ainda mais familiar aos músicos, possuindo, por exemplo, teclas como as de um piano. Enquanto as criações de Buchla ficaram, durante muito tempo, restritos a trabalhos acadêmicos e experimentações sonoras, Robert Moog criou uma grande empresa que até hoje fabrica e vende sintetizadores no mundo inteiro. Apesar de entender a importância dos trabalhos de Don Buchla, lançarei foco aqui sobre os desenvolvimentos de Moog, devido ao seu maior impacto na música do século XX, além de que aspectos do seu funcionamento servem de referência para os sintetizadores DIY até hoje.

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Entendo que uma breve explicação sobre alguns parâmetros físicos da acústica é fundamental para compreendermos o funcionamento de equipamentos sonoros como os sintetizadores. Para tanto, consultei como fonte principal os “Tutoriais de Áudio e Acústica”, material produzido pelo professor Fernando Iazzetta e disponibilizado gratuitamente na internet13.

Segundo Iazzetta, o som ocorre “apenas quando determinados tipos de perturbações no meio físico agem sobre o sistema auditivo, desencadeando um complexo processo perceptivo”. (IAZZETTA, documento eletrônico14), através do qual percebemos o som. Trata-se de uma

“variação de pressão muito rápida que se propaga na forma de ondas em um meio elástico. Em geral, o som é causado por uma vibração de um corpo elástico, o qual gera uma variação de pressão corresponde no meio à sua volta”. (ibidem).

No fenômeno sonoro há três elementos básicos: a fonte geradora, que, como sugere o termo, produz o som, podendo ser as cordas vocais de um ser humano, um instrumento musical, ou um alto-falante; o meio propagador, que “é o suporte que possibilita a propagação das ondas sonoras. Em princípio, qualquer material elástico” (ibidem), lembrando que o som não se propaga no vácuo. O terceiro elemento é o receptor, que capta as ondas sonoras do ambiente, podendo ser o próprio ouvido humano, mas também um microfone ou um gravador.

Se um distúrbio é gerado em algum ponto do meio, as partes que se movimentam atuam sobre as partes vizinhas, transmitindo parte desse movimento e fazendo com que essas partes se afastem temporariamente de sua posição de equilíbrio. Dessa maneira, o distúrbio é transmitido para novas porções do meio, gerando uma propagação do movimento. (ibidem).

Tal distribuição se dá por meio das chamadas ondas sonoras, que promovem rarefações e compressões na organização das moléculas do meio em que se propaga, por exemplo, o ar. Tais ondas, ao se propagarem no ambiente são consideradas longitudinais, “pois o movimento se propaga na mesma direção da força aplicada” (ibidem), de maneira semelhante ao movimento de uma mola. Algumas das principais características do som são a altura, o timbre e o volume.

13 Disponível em: http://www2.eca.usp.br/prof/iazzetta/tutor/index.html. Acesso em: 23 de agosto de 2017. 14 IAZZETTA, Fernando. “Tutoriais de Áudio e Acústica”. Documento eletrônico. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/prof/iazzetta/tutor/index.html, Acesso em: 23 de fevereiro de 18.

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Figura 5 Representação gráfica de ondas sonoras

A altura define se o som é grave ou agudo e qual nota está sendo tocada, correspondendo à frequência da onda, ou seja, a quantidade de vezes que ela provoca uma vibração no meio durante um segundo. A frequência é definida pela unidade de medida Hertz, que representa ciclos, ou repetições, por segundo. Se uma onda se repete rapidamente, possuindo uma alta frequência, o som é agudo, e se, caso contrário, ela demora mais tempo para completar seu ciclo, o som é mais grave, por possuir uma menor frequência. O volume, ou intensidade com que percebemos o som, é definido pela amplitude das ondas, ou seja, o tamanho físico de cada compressão e rarefação no meio. Quanto maior a amplitude de uma onda sonora, mais intenso será o som, indo de ruídos quase inaudíveis até barulhos capazes de danificar o aparelho auditivo humano.

Figura 6 Gráfico demonstrando algumas características de uma onda sonora. O eixo vertical representa a

amplitude da onda, enquanto o horizontal, o espaço em que ela ocorre

O timbre corresponde a uma qualidade mais subjetiva do som. É a característica qualitativa do som, que nos permite distinguir fontes sonoras ou instrumentos distintos emitindo ondas na mesma frequência. É o que diferencia, por exemplo, o som de um piano do som de

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um violino tocando a mesma nota. Os sons dos instrumentos acústicos não podem ser representados por uma única onda sonora, devido à sua complexidade, uma vez que são formados pela justaposição de diversas ondas, chamadas de harmônicos, que acompanham uma onda fundamental, mais intensa e que define a altura geral do som, ou a nota tocada. Os harmônicos compõem o timbre de uma fonte sonora de acordo com o formato das suas ondas, suas alturas e quais entre elas possuem maior volume, ou seja, quais são as maiores ondas, que produzem um som mais presente, mais forte.

Figura 7 Representação de uma onda e seus harmônicos, estando a fundamental em verde, as harmônicas em

vermelho e azul e a resultante, que é uma representação do timbre geral, em amarelo

Um sintetizador, como os artesanais discutidos aqui, ou os desenvolvidos por Robert Moog, trabalha diretamente com esses aspectos das ondas sonoras, permitindo o seu controle minucioso. Moog foi pioneiro ao criar um sistema de síntese sonora conhecido como subtrativo, que até hoje é utilizado na construção de sintetizadores. Tal sistema funciona a partir da modificação de um som produzido por uma fonte eletrônica, da subtração de elementos desse som inicial para se chegar a um timbre desejado. A síntese subtrativa não é particularmente eficiente em emular o som de instrumentos acústicos, uma vez que, como explicado anteriormente, esses possuem ondas sonoras de alta complexidade, porém, a síntese subtrativa é conhecida e celebrada por produzir timbres que nenhum outro instrumento é capaz de produzir, sons clássicos e típicos de sintetizadores.

Nesse sistema, e na maioria dos sintetizadores, a fonte sonora inicial é um componente chamado oscilador, que produz a oscilação de uma corrente elétrica, convertida em onda sonora no final do processo. Tal componente geralmente possui algumas opções diferentes de formatos de onda, seja quadrada, senoidal, em formato de dente de serra, triangular, aleatória, para gerar

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ruído, entre outras, cada um com um timbre específico. A maioria dos osciladores permitem também a escolha precisa da altura e do volume, ou intensidade em que o som será produzido. A oscilação produzida passa por diversos estágios que modificam suas características. O primeiro deles, geralmente, é o filtro de frequências, componente que atenua algumas frequências sonoras harmônicas enquanto evidencia outras, a fim de modificar o timbre. Geralmente, os filtros permitem a seleção de uma frequência para acentuar, cortar ou para definir um limite, sendo atenuadas as frequências mais graves ou agudas que ela, de acordo com o tipo de filtro. Tal frequência é conhecida como cutoff frequency, ou frequência de corte, em uma tradução livre. Outros parâmetros comuns a um filtro são o ganho, que define, em decibéis, quão forte são atenuadas ou acentuadas as frequências escolhidas, e o fator Q, também chamado de bandwitdth, ou largura de banda, que define o quão preciso o filtro é em selecionar uma frequência ou banda de frequências. O manuseio dos filtros possibilita a produção de diversos timbres e efeitos sonoros diferentes, e é um componente importante, presente na grande maioria dos sintetizadores comerciais.

Há estágios que promovem modulações da onda no tempo, como os LFO – low frequency oscilators, ou osciladores de baixa frequência –, que produzem uma onda com uma altura inferior à audível pelo ser humano e que, portanto, não produz som, mas modifica o som produzido, inserindo um silêncio ou uma modificação na onda de acordo com a frequência e o formato definido para o LFO. Os LFOs podem ser aplicados a diversos estágios do sintetizador, desde o oscilador, para modificar o som, ao filtro, variando o timbre de maneira cíclica, e possui parâmetros semelhantes ao de um oscilador, como formato de onda, amplitude e frequência, uma vez que também produz uma onda.

O gerador de envelope é um componente que define o movimento da onda no tempo a partir de quatro parâmetros básicos, geralmente designados em inglês como attack, decay, sustain e release, ou, respectivamente, ataque, decaimento, sustentação e repouso. O attack define quanto tempo a onda inicial leva para atingir o auge do seu volume, o decay, quanto para decair do ataque inicial ao estágio de sustentação, cujo volume é definido pelo sustain. Por conta desses quatro parâmetros básicos, o envelope também é conhecido como adsr, sigla formada por eles. Depois de cessada a emissão inicial do som, o release define quanto tempo o som demora a chegar ao silêncio.

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Figura 8 Representação gráfica do adsr, com o tempo representado no eixo horizontal e a amplitude no eixo

vertical

Muitos sintetizadores permitem que o adsr também seja utilizado para controlar os parâmetros dos filtros, modificando o timbre ao longo do tempo a cada vez que um som é produzido ou uma nota é tocada. O envelope geralmente encontra-se ligado ao amplificador, componente que define o volume do som final, amplificando-o para que se torne audível. Do amplificador o sinal produzido vai para um transdutor, como um fone de ouvido ou um alto falante, que finalmente transforma a corrente elétrica em uma onda sonora.

Tanto Robert Moog quanto Don Buchla foram pioneiros ao desenvolverem sistemas que realizam todo esse processo através da tecnologia dos transístores, que possibilita o controle, através da voltagem elétrica, de parâmetros muito específicos do som com bastante precisão. Moog criou o padrão de controle da altura de um volt por oitava, que persiste até hoje no mundo analógico e possibilita a utilização musical, ou seja, a afinação do sintetizador em relação às escalas da música ocidental, tornando esses equipamentos ainda mais atrativos para músicos tradicionais. O nova-iorquino foi pioneiro também na criação do filtro de frequências, que é um dos componentes mais importantes da maioria dos sintetizadores.

Já Buchla, em parceria com o San Francisco Tape Music Center, grupo de músicos e compositores experimentalistas radicados em São Francisco, na costa Oeste dos Estados Unidos, visou, em suas criações, parâmetros não necessariamente compatíveis com a teoria musical ocidental e suas escalas. O controle de voltagem dos seus equipamentos não tem relação com as escalas, proporcionando sons e melodias totalmente estranhas ao ouvido acostumado à música erudita e popular ocidental.

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Trata-se de duas visões diferentes, a primeira, tradicionalmente ligada à costa leste dos EUA e a Robert Moog, visava à inserção do sintetizador na música ocidental, trazendo novos timbres à mesma gramática musical com suas notas e escalas. Já a outra, baseada na costa oeste e ligada aos trabalhos de Don Buchla visava, através da experimentação, utilizar os sintetizadores para criações musicais atonais, que iriam além dos parâmetros definidos pela teoria musical tradicional. Uma invenção do californiano de grande importância é a inserção do sequenciador analógico nos sintetizadores. Trata-se de um equipamento capaz de criar e lançar linhas melódicas e rítmicas a serem executadas pelo sintetizador e que, desde então, está presente em diversos sintetizadores em diversas versões, incluindo várias produzidas com a tecnologia digital, que possibilita um maior controle dos seus parâmetros.

Devido ao maior sucesso comercial e impacto cultural que as criações de Robert Moog tiveram, mantive o foco nelas nesse momento do texto. Entretanto, é importante afirmar que as ideias e criações de Don Buchla e do San Francisco Tape Center estão presentes entre os aficionados por sintetizadores até hoje, principalmente através da mentalidade experimentalista de explorar as diversas possibilidades sonoras que os sintetizadores possibilitam sem se basear nos parâmetros tradicionais da música.

A princípio, os dois desenvolvedores trabalhavam somente com o sistema conhecido como modular, no qual cada componente entre os citados anteriormente – osciladores, filtros, LFOs, amplificadores, entre outros – são fabricados e vendidos separadamente, sendo chamados de módulos. O músico precisa adquirir diferentes módulos e ligá-los através de cabos especiais para poder produzir o som, plugando, por exemplo, um oscilador a um filtro e depois ao amplificador, ligando um teclado de controle a um oscilador, para poder tocar notas nele, conectando um LFO a um oscilador para obter algum efeito, entre outras diversas possibilidades15.

O sistema modular, apesar de persistir até hoje, com importantes mudanças que explicitarei a seguir, era considerado um tanto complicado, uma vez que são muitos cabos ligando os módulos para que o equipamento funcione, além de possuir um alto custo, já que cada componente é produzido e vendido separadamente. Robert Moog se diferenciou de Don Buchla ao desenvolver o Minimoog16, primeiro sintetizador subtrativo comprimido em um

15 Neste vídeo temos uma demonstração prática do funcionamento de um sintetizador modular e alguns conceitos básicos dos sintetizadores em português pelo produtor musical e fabricante brasileiro Arthur Joly: https://www.youtube.com/watch?v=dYhIPlsbBDY&feature=youtu.be. Acesso em: 13 de setembro de 2017. 16Confira uma demonstração do funcionamento de um Minimoog no vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=S5QXaA3QUpM. Acesso em: 9 de maio de 2017.

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único equipamento. Lançado para vendas em 1971, ele é a junção de alguns módulos, considerados fundamentais pelos seus fabricantes, todos previamente ligados de fábrica, de maneira que não é necessário lidar com os vários cabos do sistema modular.

A sua primeira versão comercial, o modelo D, conta com três osciladores, um deles utilizável como LFO, um filtro de frequências low-pass, que trabalha cortando frequências mais agudas que a definida pelo cutoff, realçando as mais baixas. O Minimoog possui também um gerador de envelope ligado ao seu amplificador e ao seu filtro, além de contar com um teclado semelhante ao de um piano, através do qual as notas são tocadas.

Figura 9 Ao centro, um sintetizador Moog modular

Pela sua maior acessibilidade, se comparado ao que havia anteriormente, esse sintetizador é considerado o primeiro desenvolvido visando a utilização por músicos17, sendo

também o primeiro a ser vendido em lojas de instrumentos musicais. O seu teclado embutido – outro aspecto que o diferencia do sistema Buchla – permitia que pianistas aproveitassem a técnica adquirida no aprendizado do instrumento para tocar o sintetizador, alcançando novos timbres. Ao longo da década de 1970, esse instrumento foi se popularizando cada vez mais, sendo utilizado até hoje por grandes nomes da música ocidental de diversos gêneros diferentes, tais como o rock, o reggae, o hip hop e diversos estilos da música dance eletrônica.

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Figura 10 Um Minimoog modelo D

O sucesso do Minimoog difundiu os sintetizadores, de maneira que várias empresas de diferentes países passaram a fabricar suas versões, ou mesmo sintetizadores diferentes. Em particular, os seus filtros de frequência tornaram-se padrão no mercado, sendo inclusive copiados por outras marcas e considerados até hoje como uns dos melhores filtros de um sintetizador portátil18. Diversos componentes ou ideias desenvolvidas por Moog, como a

própria síntese subtrativa, foram inseridos na rede dos sintetizadores DIY, tornando-se corrente dentro desse mundo.

De acordo com Ray Wilson (2013), autor do livro “Make: analog synthesizers” e fundador da empresa e site voltado para os sintetizadores DIY Music From Outer Space19,

instrumentos como o minimoog, com módulos fixos, são chamados “normalizados”. (WILSON, 2013, p. 68, tradução nossa). Neles, as conexões são feitas de fábrica e acionadas através de interruptores e potenciômetros. Há muitas combinações sonoras possíveis em tais equipamentos, entretanto, o sistema modular possui uma capacidade de conexão e customização muito maior, uma vez que o sintetista (usuário, ou instrumentista de sintetizadores) precisa construir seu próprio instrumento somando e conectando módulos, podendo escolher os módulos e conectá-los da maneira que quiser.

18 Informação obtida em http://www.vintagesynth.com/moog/moog.php. Acesso em: 7 de maio de 2017. 19 Link para acesso ao site: http://musicfromouterspace.com/. Acesso em: 12 de maio de 2017

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Visado ampliar o entendimento acerca da conectividade presente nos sintetizadores, trago as ideias de “linhagens tecnológicas” e “agenciamentos”, desenvolvidas por Deleuze e Guattari (2012b). No seu “Tratado da nomadologia: a máquina de guerra” , os autores teorizam sobre o chamado nomadismo e, entre outras questões, discutem diversas manifestações dos povos nômades, a partir de estudos antropológicos e historiográficos. São abordadas questões relacionadas a temas como a arte, o modo de pensar e, ao trazer as formas de construir armas e ferramentas, os autores discutem a metalurgia artesanal.

Tal ofício estaria ligado intrinsecamente a povos nômades, entretanto, suas inovações e criações são, segundo os autores, desconsideradas pela historiografia em geral. Há o entendimento de que as grandes invenções se iniciam em meio sedentários, como grandes impérios, e acabavam sendo vazadas para povos e tribos nômades por desertores ou traidores dos segredos imperiais. Entretanto, há uma inconsistência nessa ideia, uma vez que um segredo não é suficiente para se construir armas ou equipamentos em geral. É necessário uma série de condições materiais e um entendimento tecnológico para tal. Como afirmam os autores,

Não se fabrica uma bomba atômica com um segredo, tampouco se fabrica um sabre se não se é capaz de reproduzi-lo e integrá-lo sob outras condições de fazê-lo passar a outros agenciamentos. A propagação, a difusão, fazem plenamente parte da linha de inovação. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 92).

Para os autores, o que dificulta tal discussão é a falta de compreensão acerca do que eles chamam de “linhagens tecnológicas” (ibidem), capaz de auxiliar no entendimento do que liga ou separa as tecnologias ao longo do tempo, mas também ao largo de diferentes objetos tecnológicos com diferentes tipos de uso. A partir da questão da metalurgia artesanal os autores buscam uma definição mais precisa dessas linhagens.

Acerca do trabalho do metalúrgico, eles afirmam que há uma diversidade de variáveis em jogo nessa atividade. Há variação quanto aos minérios utilizados para a fabricação dos metais, quanto às ligas formadas, as formas de trabalho desse metal, tanto a fusão quanto a forja, “variação das qualidades que tornam possíveis tal ou qual operação, ou que decorrem de tal ou qual operação”. (ibidem). Essas variáveis, relacionadas aos materiais e às formas de construção dos objetos, que podem ser expandidas para outras práticas além da metalurgia, são chamadas pelos autores de “singularidades ou hecceidades espaçotemporais”. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 93). Tais características ou singularidades passam por diversos

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processos de deformação e alteração. Relacionadas às singularidades, existem as chamadas “qualidades afectivas ou traços de expressão” (ibidem), que envolvem a dureza, as cores, o peso de cada objeto, decorrentes das hecceidades e dos diversos processos de deformação pelos quais elas passaram.

Quanto aos sintetizadores, há singularidades relacionadas a diversas questões, inclusive, ao design exterior e à forma de tocar os mesmos, todavia compreendo que as mais importantes para o presente trabalho são as que correspondem às maneiras como tais equipamentos fazem som. A construção analógica, com o uso de transístores, e quais desses que são utilizados representam uma singularidade, enquanto há também a construção digital com seus microprocessadores, que já é outra. A forma como trabalham o som, seja a partir da variação da voltagem, como, por exemplo, o sistema de um volt por oitava, desenvolvido por Moog, também seria um tipo de singularidade. Entendo que as qualidades de expressão têm a ver com o som que tais equipamentos são capazes de produzir, sejam de um lado subjetivo, relacionadas ao timbre, mas também quanto a questões objetivas como as frequências trabalhadas, os formatos de onda produzidos por cada tipo de síntese ou singularidade. Retornando à questão das linhagens, trago aqui a definição dos autores franceses:

É possível falar de um phylum maquínico, ou de uma linhagem tecnológica, a cada vez que se depara com um conjunto de singularidades, prolongáveis por operações, que convergem e as fazem convergir para um ou vários traços de expressão assinaláveis. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 93).

Quando há uma convergência relacionada às singularidades e operações da construção armas, ferramentas ou equipamentos em geral, é possível falar de um phylum ou linhagem comum, enquanto, havendo divergências nesse sentido, temos linhagens distintas, cada uma possuindo suas características próprias. Dessa maneira, a espada de ferro e o sabre, citados anteriormente, pertenceriam cada um a uma linhagem diferente, assim como os sintetizadores digitais e analógicos remetem a diferentes filiações.

Entretanto, os autores afirmam que há singularidades comuns a diferentes linhagens, que as reúnem. Na realidade, existiria um phylum que une todas as linhagens, ou mesmo toda a matéria: “um único e mesmo phylum maquínico, idealmente contínuo: o fluxo de matéria-movimento, fluxo da matéria em variação contínua”. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 94).

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Tal phylum reúne tanto a matéria produzida e trabalhada pelo homem quanto os fenômenos materiais que ocorrem naturalmente.

A grande linhagem não ocorre sem se dividir em linhas menores. Um conceito chave para entender as linhagens e os pontos em que se unem e se separam é o de “agenciamento”. Deleuze e Guattari (2012b) afirmam:

Denominaremos agenciamento todo conjunto de singularidades e de traços extraídos do fluxo – selecionados, organizados, estratificados – de maneira a convergir (consistência) artificialmente ou naturalmente: um agenciamento, nesse sentido, é uma verdadeira invenção. Os agenciamentos podem agrupar-se em conjuntos muito vastos que constituem “culturas”, ou até “idades”; nem por isso deixam de diferenciar o phylum ou o fluxo, dividindo-o em outros tantos phylums diversos, de tal ordem, em tal nível, e introduzem as descontinuidades seletivas na continuidade ideal da matéria-movimento. (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 94).

Ao mesmo tempo em que dividem a linhagem contínua da tecnologia em linhas menores, os agenciamentos, assim como todas as linhagens menores, são atravessados pelo phylum maquínico geral, que reúne todo o fluxo da matéria. Entendo que um agenciamento passa pela seleção, organização e junção de diferentes singularidades, realizando também diversos processos de deformação, ao ponto de trazer à luz uma nova invenção, muitas vezes, dando início também a novas linhagens tecnológicas.

A partir do entendimento das diferentes linhagens maquínicas teorizadas por Deleuze e Guattari (2012b), tenho trabalhado, desde a monografia de conclusão do curso de graduação em ciências sociais, com a ideia de que há uma linhagem tecnomusical, ou tecnossonora20. Tal

linhagem ocorre a partir das diversas ligações entre os fluxos do som e da música aos das tecnologias utilizáveis para a sua produção. Entendo que ela ocorre a cada vez que um agenciamento é utilizado para produzir som a partir de alguma tecnologia, seja um computador digital ou um osso furado com uma brasa para produzir uma flauta. De maneira semelhante ao grande phylum maquínico, o filo tecnossonoro reúne diversas linhagens menores, que, por sua

20 Quando falo em linhagem tecnossonora, por som, me refiro às vibrações acústicas percebidas pelos tímpanos humanos, produzidas por equipamentos como os abordados aqui. Quanto à música, entendo se tratar da organização de sons visando à produção artística. Nessa pesquisa, como o foco foi lançado sobre a produção de equipamentos sonoros mais do que sobre seus possíveis usos musicais, preferi trabalhar com a ideia de linhagem tecnossonora.

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vez, são formadas por agenciamentos que criam novas formas de utilizar as tecnologias disponíveis para fazer som, ou mesmo criam novas tecnologias visando a produção sonora.

No caso dos sintetizadores, compreendo que os mesmos formam um phylum ou linhagem própria, iniciada entre os séculos XIX e XX, através da ideia da síntese sonora, que é, em si, a ideia de um instrumento capaz de criar som a partir da variação de correntes elétricas. Ao longo da história desses equipamentos, vários agenciamentos deram início a novas linhagens eletrônicas do áudio. Os trabalhos de Thaddeus Cahill, e o desenvolvimento do Telharmonium podem ser considerados agenciamentos iniciais para a linhagem da síntese sonora, apesar das tecnologias utilizadas serem muito diferentes das dos sintetizadores atuais. Desenvolvimentos posteriores como o Trautonium e o Ondes Martenot representam uma continuidade nessa linhagem, ao mesmo tempo em que iniciam linhagens menores, por exemplo, a que envolve a utilização da tecnologia das válvulas, utilizadas nos aparelhos eletrônicos em geral da época.

Robert Moog e seus parceiros também foram responsáveis por agenciamentos de larga importância na linhagem da síntese sonora. Trazendo a singularidade da eletrônica analógica dos transístores, foram capazes de introduzir, assim como Don Buchla, uma nova geração de sintetizadores menores em tamanho e menos custosos. Além disso, Moog é considerado responsável por sintetizadores com maior controle sobre os parâmetros do áudio e da tonalidade, através do sistema de controle através da voltagem. O padrão que define as notas tocadas pelo equipamento dividindo o espectro das alturas em uma oitava por cada volt, é, a meu ver, uma singularidade comum a diversos sintetizadores, que formam uma linhagem nesse sentido desde a sua criação, na década de 1960. O filtro de frequências criado pelo engenheiro estadunidense também é presente em diferentes gerações de sintetizadores, possibilitando traços de expressão através do timbre, caracterizando o som de toda uma linhagem de equipamentos.

Dessa forma, enquanto davam seguimento ao filo da síntese sonora, Robert Moog, Don Buchla e suas respectivas equipes desenvolveram uma longeva linhagem menor, comum a ambos, relacionada ao uso dos transístores na construção dos equipamentos. Ao mesmo tempo, cada um deu início a uma linhagem própria, estando Moog ligado à ideia de utilizar os novos timbres eletrônicos para produzir música dentro dos parâmetros da teoria musical ocidental, continuada por diversos fabricantes, instrumentistas e equipamentos, enquanto Buchla buscou o experimentalismo sonoro, desenvolvendo novos timbres, mas também novas formas de produzir música, sendo também uma linhagem prolífica dentro da síntese sonora. Além disso,

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é possível afirmar que o Minimoog, primeiro sintetizador normalizado representa um agenciamento iniciador de uma linhagem de equipamentos desse tipo, que alcançaram bastante popularidade, se comparados aos equivalentes modulares produzidos nos anos 1970.

Atualmente, compreendo que há uma nova linhagem de sintetizadores modulares, que apesar de trazer muito da mentalidade estabelecida na época em que Moog e Buchla construíram seus primeiros sistemas, possui diferenças fundamentais. O principal fator que diferencia a nova linhagem da anterior é o tamanho dos módulos, que diminuiu consideravelmente devido ao avanço das tecnologias eletrônicas, que possibilitou equipamentos mais compactos. Uma invenção da década de 1990 pode ser considerada um importante agenciamento na formação de uma moderna linhagem de sintetizadores modulares. Em 1995, a empresa alemã Doepfer Musikelektronik GMBH21 lançou, através do

sintetizador modular A-10022, o padrão Eurorack, referente ao tamanho dos módulos e às

maneiras de conectá-los uns aos outros. Trata-se de um agenciamento de suma importância nos sintetizadores. Unindo a mentalidade modular presente desde o início da difusão dos sintetizadores, à miniaturização das tecnologias, cada vez mais presente no final do século XX, a Doepfer foi capaz de produzir um padrão modular de conexão, alimentação elétrica e tamanho dos módulos muito mais acessível do que aquele difundido na década de 1970.

Desde a sua criação, tal sistema se estabeleceu ao redor do mundo pela sua facilidade de produção e tamanho reduzido. Diversos construtores artesanais aderiram a ele, tais como a Bastl Instruments23, a Kilpatrick Audio24 e a Metasonix25, além de outros que se iniciaram no sistema modular atraídos pela simplicidade do eurorack. Entendo também que muitos fabricantes cederam a esse padrão visando uma melhor participação nesse crescente mercado.

O Eurorack também possibilita a comunicação de tecnologias através dos diferentes módulos, aglutinados e organizados pelo instrumentista, diferentemente dos modulares clássicos, nos quais só era possível montar um sistema a partir dos módulos de uma mesma marca, não sendo possível unir, por exemplo, módulos da Moog e da Buchla num sistema. Na pesquisa, percebi também que a linhagem tecnológica dos sintetizadores modulares estabelecida por esse padrão possibilita que fabricantes se esforcem para produzir módulos os

21 Link para acesso ao site da empresa: http://www.doepfer.de/home_e.htm. Acesso em: 16 de maio de 2017. 22 Informação obtida em https://en.wikipedia.org/wiki/Doepfer_A-100. Acesso em: 16 de maio de 2017.

23 Endereços da página oficial da Bastl Instrumnts: http://www.bastl-instruments.com/. Acesso em: 6 de abril de 2018.

24 Link para a página da Kilpatrick Audio: https://www.kilpatrickaudio.com/. Acesso em: 6 de abril de 2018. 25 Link para a página oficial da Metasonix: http://www.metasonix.com/. Acesso em: 6 de abril de 2018.

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mais distintos, no que diz respeito à capacidade de variação sonora, mas sem deixar de se preocupar com a comunicação com outros módulos, outros fabricantes e outras tecnologias sonoras.

Figura 11 Sintetizador modular de padrão Eurorack, com módulos de fabricantes diferentes

Na pesquisa, percebi também a existência de duas grandes linhagens tecnológicas que vale a pena diferenciar e a partir das quais se desdobram outros filos menores e são construídos instrumentos eletrônicos, inclusive, algumas vezes, mesclando ambas. Trata-se das tecnologias analógica e digital. Basicamente, a primeira utiliza componentes eletrônicos, como transístores e diodos para produzir e modelar uma corrente elétrica, posteriormente convertida em sinal de áudio, ou som. A principal informação com a qual esse tipo de equipamento opera é o volt, ou a diferença de potencial elétrico dentro de uma corrente. Os sintetizadores Moog, e vários outros criados a partir das invenções desse engenheiro nova-iorquino, controlam a modelagem do timbre, da altura e do volume do som a partir da voltagem.

Já a tecnologia digital opera através de microprocessadores, como os que estão presentes nos computadores e celulares, capazes de realizar tarefas de processamento de dados a partir de softwares, ou programas, instalados neles. Segundo Fernando Iazzetta (1996), o material trabalhado pela tecnologia digital é uma

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Informação elétrica binária, do tipo positivo/negativo (ou 1/0 como se costuma representar em informática). Esse material representa todo e qualquer tipo de informação que é processada, independentemente de seu suporte original, quer dizer, som, imagem, texto, etc. Ao serem representados através de sequência de sinais do tipo 1/0, os dados armazenados perdem a relação direta com aquilo que representam. Essa relação de representação pode, então, ser manipulada e redirecionada de maneiras diversas. (IAZZETTA, 1996, p. 5).

Ao invés de corrente e voltagem elétrica, o sintetizador digital trabalha com um código binário, através da representação de inúmeros pontos das ondas sonoras. Uma onda analógica é contínua no tempo. Ela é representada em um gráfico que relaciona a amplitude, ou seja, o tamanho de cada ciclo da onda, responsável pelo volume do som, ao tempo em que a onda realiza seus ciclos, que é a frequência, responsável pela altura, ou as notas tocadas. Já um equipamento digital cria tal onda a partir de uma sucessão de pontos que representam determinados valores, definidos pelo código binário, referentes a parâmetros sonoros.

Sintetizadores digitais, por exemplo, constroem suas ondas sonoras a partir de minúsculos pontos, equivalentes a milésimos de segundos. A junção de todos esses pontos forma uma onda semelhante às analógicas e que chegam aos ouvidos humanos com altura, timbre e volumes definidos. A qualidade de um sinal digital, ou a sua proximidade a um equivalente analógico é definido pela resolução da definição de tais pontos. Quanto menores os pontos gerados pelo equipamento, maior será a definição do o som, possuindo características mais sutis.

Figura 12 Comparação entre uma onda analógica (vermelha) e seu equivalente digital (em cinza) em um gráfico

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Cada uma dessas linhagens básicas possibilita traços de expressão, ou características sonoras próprias. Há fabricantes, como Arthur Jolly, da Reco-Synth26 e o falecido Ray Wilson, da Music From Outer Space, que focam na tecnologia analógica por entenderem que seus componentes eletrônicos proporcionam um timbre mais agradável. Wilson (2013) afirma em seu livro: “A palavra analógico [ou análogo], traz-me a mente ideias como orgânico, vivo, real, e continuamente variável” (WILSON, 2013, p. 16, tradução nossa), diferentemente do digital, cujas ondas se formam de pequenos pedaços, como se em degraus. A Metasonix, empresa estadunidense, fabrica sintetizadores a partir de uma linhagem interna da tecnologia analógica: as válvulas de díodo e tríodo. Vistos como instável e antiquado por vários fabricantes, tais componentes ainda são apreciados por muitos, como os membros da Metasonix e seus consumidores, que veem uma qualidade sonora única nos equipamentos à válvula.

A tecnologia analógica, anterior à digital, esteve presente nos primeiros sintetizadores e em equipamentos celebrados, como o Minimoog. Tal linhagem predominou no mercado até meados da década de 1980, quando a tecnologia digital ganhou mais expressão entre os equipamentos sonoros em geral, inclusive os sintetizadores. É interessante notar que tal linhagem proporcionou diversas novidades, como novas formas de síntese, impossíveis de serem realizadas com componentes analógicos. A facilidade da construção industrial, assim como o menor custo e tamanho em relação aos sintetizadores movidos a transístor, fez com que diversas empresas passassem a trabalhar majoritariamente com sintetizadores digitais em algum ponto da década de 1980.

Tais equipamentos possibilitam também uma maior facilidade de uso, pois, por exemplo, um pequeno disco rígido instalado no equipamento permite que as configurações do mesmo sejam salvas para serem abertas posteriormente de maneira instantânea. A partir dessa possibilidade, surgiram sintetizadores com diversos timbres programados de fábrica, acionáveis através do simples apertar de botões, como o Yamaha DX-727, lançado em 1987.

26 Link de acesso à página da Reco-Synth: http://www.recosynth.com/. Acesso em: 6 de abril de 2018.

27Mais informações sobre tal sintetizador podem ser acessadas através do seguinte link: http://www.vintagesynth.com/yamaha/dx7.php. Acesso em: 8 de dezembro de 2017.

Referências

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