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A conexão do modelo dos espaços mentais de Fauconnier e Turner (1997) com o modelo das operações de construção dos referentes

SITUAÇÕES DE DIÁLOGO

6.1 A conexão do modelo dos espaços mentais de Fauconnier e Turner (1997) com o modelo das operações de construção dos referentes

da anáfora sem antecedente de Marcuschi (2000)

Marcuschi (2000:213-216) propõe uma terminologia para operacionalizar a análise da anáfora indireta esquemática (AIE) ao criar uma diagrama com o qual organiza as operações advindas de representações cognitivas.

Pelas características apontadas para a AIE, vimos que ela não é correferencial, se dá no plano da enunciação discursiva, e evidencia que os elementos referidos vêm de algum ponto presente no co-texto, mesmo não havendo um antecedente correferencial. O autor parte de um exemplo que se tornou clássico – A equipe médica continua analisando o câncer do Governador Mario Covas. Segundo eles, o paciente não corre risco de vida – para apresentar o referido diagrama, que chamou de Modelo das Operações para a construção dos referentes da Anáfora Pronominal sem Antecedente.

Baseando-se no exemplo, o autor identifica a expressão equipe médica como um espaço gerador que nomeia como matriz discursiva (MD), espaço que opera como um foco acionador da inferência.

O elemento que constrói um referente, no exemplo representado pelo pronome eles, caracteriza-se por um referenciador pelo qual se constroem as entidades cognitivamente referidas. Como o pronome eles, nesse caso, tem um aspecto construtivo, tira dele o status de anaforizador (ou anaforizante), porque tal pronome, neste caso, não possui a função de remeter e sim introduzir, induzir, construir referentes. Desta forma, a relação entre a matriz discursiva e o pronome anafórico não é a mesma que entre um antecedente e uma anáfora (Marcuschi, 2000:213). Para Milner (1982, [2003: 110]), o referente tem a priori uma referência virtual. Assim, Marcuschi sugere que se separe o referente do anaforizador e do anaforizante, por isso, diz que para que a relação entre dois “N" (anaforizador/anaforizante) seja conhecida como anáfora nominal, é necessário que a referencia real do anaforizante seja identificada pela própria relação. Esta relação não pode ser pressuposicional, como se sabe; ela deve, então, ser estritamente contextual. Ou melhor, ela deve depender unicamente de propriedades linguísticas, quer dizer, da “referência virtual". Sendo assim, o referente em pauta não remete a elementos co-textuais e sim à introdução e à

construção de referentes inferíveis.

O momento posterior ao pronome, no exemplo o paciente não corre risco de vida, constitui a conformação interpretativa necessária, que opera como um espaço mental identificador, designado como matriz conformativa. Com isso, constrói-se a estrutura básica: matriz discursiva – referenciador – matriz conformativa, ou seja, um conjunto de elementos que Marcuschi denomina quadro de propriedades (QP). Caracteriza-se, na realidade, numa relação holística, inferencial, baseada em atividades cognitivas, pragmáticas e, por vezes, semânticas. Portanto, não se trata de uma relação de implicações lógico-semânticas, mas de uma relação de espaços mentais mapeados num continuo de relações (FAUCONNIER e TURNER 1997).

O quadro de propriedades (QP) opera como um frame ou tipo de espaços mentais para representações, com o fim único de dar acesso a referentes. O QP submete-se a um conjunto de operações (espaços mentais), as estratégias de construção de referentes, podendo ocorrer em vários níveis: semântico, pragmático, situacional, cognitivo, e ter funções variadas. Essas estratégias seguem instruções vindas tanto do plano lexical como do discursivo. Dessa maneira, o controle referencial do pronome não é uma questão meramente lexical, nem de natureza pragmática por implicaturas, requerendo ainda controle cognitivo, o qual depende estritamente dos interlocutores, durante sua ativação, o mesmo ocorrendo com as inferências realizadas a partir dele, que irão depender de cada situação discursiva (MARCUSCHI 2000:212-214). Por fim, há no modelo um momento em que os referentes são estabelecidos e inferidos. Esse momento é denominado Determinação Referencial.

Como tentativa de comparar o Modelo das Operações para Construção de Referentes da Anáfora Pronominal, descrito por Marcuschi (2000), com o Modelo dos Espaços Mentais, desenvolvido por Fauconnier e Turner (1997), podemos estabelecer algumas relações: ambos os modelos são, na verdade, constructos teóricos produzidos com o desígnio de ativar correlações entre domínios cognitivos e espaços mentais. Abordam, portanto, operações cognitivas ordenadas em redes que se desenvolvem à medida que o pensamento e a fala progridem e que estão correlacionados para promover a significação dos enunciados que pré-organizam. Essa rede é de caráter

dinâmico e pode ser reestruturada ou re-acessada no decorrer da interação comunicativa. Dessa forma, novas informações podem ser adicionadas e antigas removidas a cada inferenciação, uma vez que a cada experiência é possível construir novos conhecimentos.

Nesse contexto, os modelos cognitivos enfocam uma dimensão cognitiva de desdobramento do discurso em planos epistêmicos. As relações referenciais que se realizam nesses domínios e espaços são ferramentas do processamento discursivo que constituem, na verdade, os espaços mentais propriamente ditos. São os espaços mentais, como construções teóricas correlativas de operações cognitivas, que nos permitem tratar do processo de referenciação, dos significados promovidos na interação e da interpretação dos sentidos. Os espaços mentais constituem pequenos "pacotes" conceituais construídos enquanto pensamos e falamos para propósitos de interpretação e ações locais (situacionais). Por isso, podem ser considerados construções parciais que contêm informações e são estruturadas por frames (modelos cognitivos).

Os espaços só podem se sustentar internamente com base em conhecimentos estabilizados por modelos culturais, scritps, frames e esquemas conceituais. Com efeito, ao se constituírem numa rede integrativa dinâmica interconectada, podem ser modificados à medida que o pensamento e o

discurso se desenvolvem, bem como modelar mapeamentos

(correspondências) dinâmicos no pensamento e na linguagem. Os mapeamentos, por sua vez, são projeções de um domínio ou espaço para outro, e geralmente se projetam entre dois domínios; o primeiro (fonte) é uma espécie de contraparte do segundo (alvo) e constitui sua base. As projeções entre domínios se manifestam em dimensões variadas: culturais, lexicais, de ativações cognitivas, contextuais e pragmáticas.

Estabelecidas as relações gerais entre os dois modelos, podemos representar algumas associações, levando em conta o que propõem Marcuschi, Fauconnier e Turner, tomando como exemplo o caso do pronome eles, descrito acima por Marcuschi. O espaço designado por matriz discursiva, que opera como um foco acionador de inferências, seria correspondente ao espaço de input 1 ou domínio fonte. Este constitui o espaço de base, com entidades concretas e conhecimentos advindos da experiência física e mais

direta. O input 2, por sua vez, constitui entidade abstrata e conceitual que gera contextos seletivos, podendo assim ser equiparado à matriz conformativa, ou seja, uma conformação interpretativa que possui vínculos léxico-semânticos com a matriz discursiva - input 1.

O referenciador pronominal eles projeta, por ativação cognitiva, informações contidas no input 1 para o input 2, na medida em que estabelece uma intermediação ou mapeamento entre os dois espaços de inputs. É nesse momento que o pronome eles - possibilita a identificação de uma nova entidade por inferência (especificação dos indivíduos relativos ao pronome eles, no exemplo de Marcuschi, os médicos).

No segundo espaço (input 2), é possível inferir interpretações ou identificações a partir do espaço de base, relacionando entidades num frame ou enquadre especifico. A fusão de partes das informações contidas nos dois inputs gera novas informações que se materializam num terceiro espaço – o espaço de integração conceitual. A este terceiro espaço, Marcuschi dá o nome de estratégias de construção e estratégia de referentes, um espaço gerado por meio de estratégia de mesclagem, devido à sua capacidade de fusão e seleção conceitual, podendo ele ocorrer em vários níveis – semântico, pragmático, situacional, cognitivo – a depender do tipo de situação discursiva.

Após a seleção conceitual, partes das informações dos inputs ou matrizes vão para o espaço de integração conceitual (EIC) ou estratégias de construção de referentes advindas, em parte, de inferências de conhecimentos partilhados e conhecimento do mundo textual, bem como do conhecimento de mundo ou enciclopédico, fornecendo ao EIC entidades necessárias à interpretação para fins de construção do sentido servindo assim para estabelecer a estabilidade do texto. A estabilidade é possível porque cada texto é especifico, e elaborado por um conjunto de frames que conduz a uma delimitação/especificação de sentido. E o é também porque o EIC convoca grande extensão de estruturas conceituais de figura-fundo (background) sem reconhecimento consciente, mas que se integram à estrutura seletiva trazida dos inputs.

Marcuschi (2000) considera que, a partir do espaço de integração conceitual, ocorre a ampliação de outro espaço mental - o mencionado quadro de propriedades (QP), o qual possibilita o aparecimento, através de

inferências, de novos referentes. É nele que haverá, por intermédio de nova seleção de elementos linguísticos, a ativação cognitiva desses referentes, conforme os frames que abarcam o texto. Assim, o QP permite que se encaixem elementos num frame mais amplo. Se pensarmos no exemplo de Marcuschi, teríamos para o anafórico eles, no espaço de integração conceitual (EIC), a identificação de referentes num frame de hospital ainda próximo do contexto em pauta, envolvendo médicos, enfermeiros, anestesista, laboratório, exames, paciente etc. No frame do quadro de propriedades (QP), por sua vez, teríamos o acesso a outras informações inferíveis, abrangendo outros novos referentes como, por exemplo, estabilidade do quadro clinico, restabelecimento do paciente, a possibilidade de cura etc. Teríamos como contrapartes dos espaços mentais moléstia x cura.

Além de todo esse percurso de operações cognitivas (os espaços mentais), há ainda a considerar o espaço genérico, que para, Fauconnier e Turner (1997), constitui um espaço intermediário, contendo uma estrutura esquelética que se aplica a ambos os espaços de input. Esse espaço pode ser visto como uma estrutura cognitiva de fundo (secundária) que permite a identificação de características comuns aos elementos que irão se corresponder no mapeamento entre os inputs e destes herdarão partes de elementos (entidades) para a EIC. No exemplo, teríamos uma situação com um frame esquemático a situação do paciente que constituiria o espaço esquelético. Para Marcuschi (2000), o espaço genérico conteria todos os ingredientes para a mesclagem, ou dito de outra forma, para o espaço de integração conceitual.

Por meio do diagrama 1, tentamos estabelecer a interconexão entre o modelo das operações para a construção dos referentes da anáfora e os modelos dos espaços mentais de Fauconnier e Turner, criando um novo modelo que aplicaremos às situações de diálogo do nosso corpus.

Input 1/Matriz Discursiva DIAGRAMA I 1 2 3 Correspondência (Mapping) 4

Domínio Alvo – Enti- dade abstrata/concei- tual.

Espaço Mental identi- ficador – Conforma- ção interpretativa. Determinação Referencial Identificação de Referentes Quadro de propriedades – Acesso a referentes

Integração Conceitual (CI) – (Blending) Estratégias de construção de referentes – gerador de mesclagem

Input 2 /Matriz Conformativa Referenciador

Domínio fonte – Enti- dade concreta. Espaço gerador - Acio nador de inferências.

1. O input 1 ou Matriz discursiva constrói um espaço mental que produz um quadro de