• Nenhum resultado encontrado

2 ANÁLISE DO CONTEXTO DA FUNÇÃO PÚBLICA: reflexões sobre um campo em

4.2 Conexão da essencial fundamentação ética

A necessária transposição de uma posição de profissional intimamente conectada com o campo de pesquisa traz intempéries e desafios que se impõem incessantemente tornando o caminho sinuoso, com fendas e atalhos nem sempre previsíveis, mas possíveis dentro de toda a trajetória social, que se faz no caminho, se constrói em conexão. As grandes questões que impactaram quanto ao processo ou atividade de conhecer e pesquisar foram inúmeras e não menos problemáticas, já que possibilitaram mais questionamentos e indagações, do que propriamente respostas e resolutividade. Consideramos que a organização, método e instância do pensamento científico mais vigente na sociedade contemporânea, datado na metade do século XX, é predominantemente voltado pra a abstração e controle no objeto de estudo, ou até mais especificamente, de um modelo de ciência com padrões da natureza biológica ou física e não uma ciência deste homem em sua perspectiva ontológica de ser. Caracteriza pois, uma angústia nas condições do pesquisador/observador que necessita sair de sua condição de uma suposta sapiência para uma possibilidade que não são dadas à partida do empreendimento de estabelecer conhecimento da realidade em si. A conexão se faz fazendo, em conexão com o campo, ao se colocar à disposição e em interlocução dinâmica.

Referimos que a realidade não precede a prática profissional de inserção, é antes modelada por essa prática enquanto contínua relação estabelecida. A relação profissional é consonante ao vivido. Assim, há um modelo ou pensamento de ciência, onde se impera as determinações e sobrevalência da regra, norma e esquemas de conjunção intra e inter-relação baseados na linearidade (como se existisse separada do pesquisador) e a não constituição da relação por si mesmos, em contínuos movimentos do vir a ser. O método ou a atitude do pesquisador é o de ter um método mediante a incumbência ou atitude de preocupar-se com o “acompanhar processos” da realidade com a qual se interessa, sendo existente em constante

mutação. Essas indagações têm repercutido na reflexão sobre o próprio fazer científico, questionando sua assunção básica de correspondência com uma realidade externa objetiva na formulação de seus problemas essenciais.

No viver humano em sua constituição e gênese, a linguagem é um instrumento básico e universal, que nós, seres humanos, usamos pra nos comunicar e nos fazermos no mundo. A nossa ontogênese se realiza segundo parâmetros vigentes e existentes naquele período ativo, numa experiência de aparente estabilidade ou seja; é sempre transitória a contingências a que se submete. Pode-se entender que nada é dado previamente independente da nossa prática seja ela na ciência, filosofia ou vida cotidiana. Estas reflexões levam a conectar com as indagações como pesquisadora da temática problematizadora no campo da saúde e trabalho no serviço público federal, na produção de adoecimento dos servidores em afastamento por longos períodos de licenças de saúde. São várias questões que se interpelam: como a de se estar seguindo pressupostos congruentes e caracterizados objetivamente? Como criar metodologia de apreensão da realidade dos trabalhadores do serviço público federal que se constitui adoecido? Afinal, queremos entender como o processo de saúde se constitui ou está saúde!

Perscrutar a dualidade do estar em diferentes níveis da condição saúde, o estar e ser saudável, como a flutuante ordem das coisas. O estar adoecido ou estar saudável de modo geral, é como submeter-se a diferentes estado de coisas institucionais ou normativas e alternar entre aceitação e resistência, ao mesmo tempo, movimento bilateral entre saúde e trabalho.

O discurso não constitui um sujeito unilateralmente, mas simultaneamente e, por isso, a mesma norma que aprisiona traz em si a possibilidade de resistir a ela.” (…) Estudar a relação entre subjetividade e trabalho é estar atento, portanto, não apenas às formas de assujeitamento, mas também às transgressões e às possibilidades de invenção de outros modos de lidar com as normas, quiçá transformando-as (NARDI, 2006, p. 273)

É a insaciabilidade do ser, que ultrapassa sempre suas necessidades, vai além da normalidade consensual, é referir que “se podemos falar em homem normal, determinado pelo fisiologista, é porque existem homens normativos, homens para quem é normal romper as normas e criar novas normas.” (CANGUILHEM, 2012, p.112)

Esta dualidade de início da problematização de fato existe, perguntamos? A dualidade apontada entre o saber científico já fixo e a mobilidade da pesquisa enquanto caminho. Acreditamos que são visões equidistantes e talvez imperialistas, julgamos dizer inicialmente, mas que convivem no mundo científico e filosófico que; são impregnados de ambas as tendências. E o que privilegiaremos enquanto olhar e debruçamento sobre as inúmeras

variáveis, condicionantes existentes e como está a emoção imersa nesta trajetória? A pesquisadora estaria conectada com as inflexões e derivações substantivas do desejo no processo de captação dessa realidade? Para explicar o fenômeno do conhecer, o que teria que fazer é explicar este ser humano por si mesmo primeiramente; explicar este conhecedor, que é o sujeito ou qualquer um de nós aqui com sua inflexão emocional.

Isso exige definirmos um ponto de partida e, ao mesmo tempo, especificarmos um certo espaço de reflexão e de pergunta. É muito intrigante e complexo perceber que as explicações são reformulações da experiência, mas nem toda reformulação da experiência é uma explicação, assim sendo: conseguiríamos dar ou captar algum sentido nessa experiência de contato com a realidade do serviço público federal em todas suas nuances e interfaces legais, operacionais e corporativas? Já que toda explicação é uma reformulação da experiência com elementos da experiência como parte do fenômeno: como conectar consigo mesmo de forma que o fundamento ou domínio argumentativo seja feito como aquele que foi possível na própria abrangência e limitação cognitiva de pesquisadora, com as conexões e interfaces do campo do real, mas sem a pretensão de ser esta produção do real, o único, válido e generalizador como se existisse um domínio absoluto por si.

Indagamo-nos quanto a possibilidade de abarcar a realidade do serviço público no tocante ao impacto à saúde no retorno a atividade após afastamento por longos períodos, o quanto se apresenta a precarização e despertencimento social?

O processo de despertencimento social, como vimos, é produzido no seio da flexibilização, pelo binômio terceirização/precarização. Conduz à fragilização dos laços e dos referenciais de pertencimento social, levando, no limite, à desagregação social, com a proliferação de toda sorte de violência social, sofrimento e adoecimento, com destaque para as patologias musculoesqueléticas (LER/DORT) e os transtornos mentais cada vez mais frequentes, sem limites de classe, gênero, etnia, idade etc. (FRANCO,T., DRUCK, G. e SELIGMANN-SILVA E., 2010, p.243).

Se no espaço institucional federal de tanta hierarquização em que nos debruçamos, com limitada aceitação mútua das diferenças entre as pessoas e seu ambiente de trabalho, esta pesquisa e análise do fenômeno social será elucidativa quanto à desigualdade de relações de trabalho? Esse questionamento se interpõe continuamente. Essa desigualdade possível de ser destacada poderá refletir que estas relações sociais de trabalho, são realmente sociais na acepção da palavra e entendimento? Alguém vai querer ouvir? Possibilitaria real escuta e visibilidade das vozes anônimas identificadas genericamente como funcionalismo público?

As indagações portanto,circunscreve-se quanto ao conhecimento produzido possa se constituir em espaços de agenciamentos e de interações que proporcionem ações, convivências que possam surgir de encontros de aceitação entre todos os envolvidos com as condições desse conhecimento. A saber, a pesquisa de conhecer em seu domínio de experiências com um linguajar e problematização específica, mas que possa ser considerada válida por seus pares em ciência, observadores-padrão como a pesquisadora deste trabalho, numa mesma condição histórica social da política pública federal.

É vital evitar qualquer identificação das partes envolvidas, prevenindo-se quaisquer constrangimentos possíveis ao compreender que uma questão de pesquisa não coaduna com a neutralidade, esta é produzida no encontro com um determinado período histórico, social, político e econômico. As escolhas ou possibilidades criadas são produzidas baseadas em referencial histórico pessoal e subjetivo que não são casuais, circunscrevem-se a dimensões temporais, cognitivas, sociais e simbólicas. Escolhas derivadas portanto, da implicação institucional da pesquisadora no universo do adoecimento. Assim, ao debater e refletir sobre saúde mental no espaço público e suas interfaces administrativas e legais existentes, destaca-se o território vivido como uma extensão do corpo, como espaço de vida, de trabalho, de comunicação social, de dificuldades, de lutas e de intenso investimento subjetivo.

Numa correspondência ao sentido ético, palavra que advém do grego ethos significando modo de ser ou caráter, deparamo-nos com regimento dos valores na vida prática, e relacionamentos interpessoais em geral. Esses aspectos estão plenamente em evidência no posicionamento das pessoas em vida, e de que maneira elas convivem entre si ao conviverem com adoecimento em sua vida. Esta construção de base ética, percebemos nortear a conduta do ser humano, considerado como padrão imprescindível e fundamental em analogia direta aos fenômenos da relação saúde-doença enquanto processos sociais. Sabemos em uníssono, no nosso entender, que processos sociais são históricos, complexos, fragmentados, corporais, conflitantes e incertos.