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2 ANÁLISE DO CONTEXTO DA FUNÇÃO PÚBLICA: reflexões sobre um campo em

4.1 Trajetória do pesquisador

As primeiras tentativas de aproximação com o campo foram repletas de dificuldades e desencontros. Alia-se à esta questão o fato de ser Psicóloga do Trabalho, profissional da área de Gestão de Pessoas que representa os interesses de toda uma equipe e gestão de trabalho,estes impasses estão presentes em toda prática profissional e se tornam, muitas vezes, um impecilho para se continuar caminhando neste propósito. Como pode-se lidar com isso? Torna-se o desafio permanente. Conveniente registrar as estratégias de constrangimento em ter acesso a listagem dos trabalhadores em LTS na instituição, questionamento interno pelos colegas quanto a importância desse empenho, sendo sugerido outras instituições parceiras para campo empírico. No entanto, garante-se a ciência dos dados necessários, conforme atesta anexo A. Na procura de alternativas, mostrou-se vital empreendimento de conversas individuais com a equipe de trabalho, além da sugestão feita de entrega de convites individuais aos servidores após terem atendimento na Perícia Médica, visto não almejar qualquer tipo de constrangimento ou indução de participação (anexo B).

O fato de ser profissional atuante em relação direta com estas questões do trabalhador em adoecimento, faz ter um olhar em que os colegas e chefias não relacionam a doença ao ambiente e às transformações ocasionadas pelo mundo do trabalho. Neste momento se encontram em grande fragilidade, sendo ainda culpabilizados por sua condição de saúde. Este foi o sentido mais amplo de se almejar pensar numa alternativa simbólica de existência e de busca de ampliação de vozes nas narrativas dos trabalhadores em sua vivência de retorno pós adoecimento na administração pública em suas alternativas de possibilidades que existem, coexistem e se mantêm ativas, atuantes, revelou-se a visibilidade de proposição deste estudo.

Na Administração Pública Federal, o primeiro órgão de atenção à saúde do servidor público federal foi o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público (SISOSP), instituído pelo Decreto nº 5.961, de 2006 (BRASIL, 2006). Sua finalidade era a de “uniformizar

procedimentos administrativo-sanitários na área de gestão de recursos humanos e promover a saúde ocupacional do servidor.”

Em 2005 a equipe do SESAO iniciou a realização da Avaliação de Capacidade Laborativa e em 2007 ao incorporar a equipe como técnica profissional, este desafio continuou a se fazer existir, no modo de inclusão em equipe multiprofissional; ou seja, junto a auxiliares de enfermagem, enfermeiros e médicos. O número de atendimentos primeiramente foram marcados para ocorrerem em atendimento pela equipe da enfermagem em relação aos sinais vitais e preenchimento de ficha de dados de saúde. Em seguida, encaminhamento para médico do trabalho, serviço social e psicologia do trabalho. Eram atendimentos feitos em separado, com cada profissional específico mas na maior parte das vezes, era feito em simultaneidade. A característica principal era a avaliação diagnóstica, entendimento do caso em si para se elaborar uma situação conjunta de prosseguimento.

Com a implementação do PASS a nível nacional, em todo o Brasil houve inauguração de novos centros de trabalho. Dentre estas criações, surgiu a URF para ser responsável pelos atendimentos desta esfera de pessoal atendido em situações de saúde quanto à reabilitação. No entanto, reabilitação em sua integralidade não se conseguiu corresponder à meta desde a sua origem. A realidade prática interpunha envolvia ações voltadas à avaliação em conjunto com a equipe da Perícia Médica após agravos à saúde serem diagnosticados por esta unidade. De modo sucinto aqui caracterizado, as atividades surgidas referiam-se: a avaliação diagnóstica dos casos atendidos, participação na discussão dos casos, elaboração do laudo final, procura institucional de setores para acolhimento de funcionários com restrições designadas em laudo, encaminhamento aos setores de lotação após conclusão da Avaliação de Capacidade Laborativa (ACL). Após emissão do laudo conclusivo pericial, fazia-se contato subsequente com o servidor para preenchimento de formulário de avaliação em 3 momentos específicos, referentes a após 30 dias, após 90 dias e, finalmente, após 180 dias no setor de lotação.

A percepção de que este preenchimento acarretava problematizações globais do servidor em seu ambiente laboral era nítido pelos intensos conflitos e dificuldades que se avolumavam. O resultado apresentava sinais de que a instituição preservava o atendimento em seu quadro funcional sem uma atenção pormenorizada e aprofundada nas demandas que se desenhavam nas situações surgidas no afastamento ao trabalho e no momento de retorno ao trabalho. Os apontamentos vislumbravam que o acolhimento e reinserção ficavam por conta do entrosamento e estabelecimento de relações interpessoais feitos por cada um sob seu

comando prioritariamente. Os formulários de avaliação enquanto procedimento técnico aplicado se mostravam um potente instrumento do processo de trabalho, no entanto, atendiam à satisfação da gestão institucional e não atendiam às situações nomeadas e apontadas no seu teor. Significa apontar que os conflitos evidenciados não eram abordados na íntegra, a dinâmica é a de sempre ser responsabilização individual, a performance do sujeito é que não se adéqua às demandas e situações a si conferidas, jamais a de estar contextualizado. Deve também, corroborar o número insuficiente de pessoal para atender a demanda de toda a instituição universitária, sem dúvida nenhuma.

No quesito planejamento e organização interna, importante referir que o sistema SIASS enquanto órgão gestor nacional responsável pelas unidades de atendimento ao funcionalismo público federal, sediou a UFPR como uma unidade central. A unidade central UFPR congregava atendimento pericial à universidade UTFPR e ao IFPR. No entanto, em 2015, o IFPR organizou seu grupo específico de trabalho, desvinculando-se. Houve a assinatura formal do acordo entre as instituições partícipes em 2009, com a exigência de renovação a cada dois anos, fato que não se efetivou formalmente nos períodos seguintes. A ausência de um espaço integrado entre todas as unidades responsáveis pela atenção à saúde do servidor, unidades estas, correspondentes à Perícia Médica, SESAO e URF pode ter corroborado o esvaziamento desta urgência não efetivada na prática. Estar num mesmo espaço físico com comunicação cotidiana entre os profissionais confere resultado intersetorial, multiprofissional e principalmente, construção de saber coletivo. Aliado a outras questões, enumera-se dentre elas o questionamento da falta de colaboração econômico-financeira pra manutenção das equipes de trabalho, organização das salas necessárias, instrumentos e equipamentos de trabalho específicos. Esta se tornou um entrave a deliberações em vários níveis de análises quanto às contratações de pessoal, reunião dos setores responsáveis pela saúde do servidor num único local favorecendo a integração e união de esforços, Alia-se a este impedimento, inúmeras ansiedades nas equipes de trabalho por não ter este registro, assinatura formal do convênio deliberativo e ações em consenso.

A demanda pela discussão no Brasil sobre a atenção à saúde ao servidor federal operava com realização de diversos congressos, e fóruns nacionais para estabelecimento de entendimentos, discussões e debates para organização de diretrizes em seus diversos segmentos de planejamento e organização de ações. O reflexo nas equipes locais e regionais podemos

afirmar que se tornava inócua quanto a se reverter situações que poderiam necessitar de discussões e revisões, segue-se o normativo e o institucionalizado.

Neste momento pode-se incluir, a nosso ver, um dado significativo e uma onda ou movimento nacional emergente enquanto uma voz alternativa ao institucional padrão. Pode-se representar este movimento pelas participações de outros órgãos de interesse que surgiam para viabilizar entendimentos em outras facetas das situações laborais surgidas. Refere-se às entidades sindicais enquanto possibilidades de escuta das situações vivenciadas pelos servidores/funcionários em contrapartida às chefias/coordenações de setores ou áreas de atuação. Este denominador comum enquanto coletivo fez surgir outra forma de seguimento das situações existentes, ou seja, a necessidade de marcações de reuniões envolvendo todos os atores em foco: funcionário, chefia e representante sindical para exaustivas discussões sobre o estabelecimento de ações doravante.

Em 2012 ocorreu construção conjunta de estabelecimento de equipe multiprofissional de atenção à saúde do servidor (EMASS) para integrar a análise pericial dos casos atendidos pela equipe do SAPS, a Perícia Médica em si. A Perícia Médica teve regulação de ações bem delineadas pelo sistema SIASS, com Manual organizador desde o princípio quanto a: atendimento aos adoecimentos surgidos, a solicitação de atestados de saúde, emissão de laudos relativos às LTS de acordo com o regimento das Licenças Médicas (Lei nº 8112/90) quanto a Licença para tratamento de saúde do servidor e Licença para tratamento de saúde de pessoa da família.

A organização de uma equipe multiprofissional seguiu reunião de categorias em torno dos casos atendidos pela Perícia Médica, a saber, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e terapeuta ocupacional. (Anexo C). As diversas planilhas a seguir, de 2012 em diante referem- se a este período. Como nos referimos a questão da implicação do pesquisador, operou-se a inclusão neste trabalho doravante na URF por terem sido transferidas as atribuições da ACL; antes realizada no SESAO, para esta unidade, tendo como principal alegação a resposta de seguimento das restrições no trabalho. Esta foi a base de dissertação de mestrado pelo Gestor responsável pela Perícia Médica e responsável pela unidade SIASS-UFPR, não tendo tido a remuneração desta atribuição desde sua designação como dos demais integrantes por esta criação da sede no Paraná, além da unidade SIASS-INSS Paraná que teve organização e gerenciamento próprio.

Inúmeras situações se evidenciaram como potencializadoras de entraves para fortalecimento desta equipe multiprofissional no espaço institucional: o critério de fixação de pessoas nomeadas no grupo ao invés de composição de categorias em causa, surgimento de competição interna pela quantificação e produtividade registrada nas diversas planilhas construídas, e a lacuna de coordenação interna da unidade SIASS-UFPR após a aposentadoria deste, constituíram hipóteses elencadas.

Instaurava-se sobremaneira um jogo de equivalências díspares, desiguais em que inclusive a pessoa em processo de atenção à sua saúde era, no nosso entender, disputado pelos atores envolvidos; uma pessoa em situação de fragilidade emocional, alvo de toda essa situação. Os entendimentos na equipe de trabalho foram se dizimando ao ponto de se instaurar algo inimaginável a princípio, que era a discussão sobre a atenção à saúde em funcionários/servidores da esfera pública responsáveis pelos colegas também funcionários/servidores, ou seja, em posição imediatamente superior na escala hierárquica de posição. Quem cuida destes? A quem podem recorrer quando se sentem em condição de vulnerabilidade e fragilidade social?

Em conformidade com os casos específicos de cada um, os afastamentos do trabalho por motivo de saúde, as LTS, foram ocorrendo de modo sequencial e progressiva, com afastamentos do trabalho por esta equipe responsável pela atenção à saúde dos funcionários/servidores devido ao fato de se constatar não ter mais condições de organização mental, pessoal e de condução das atividades a si conferidas; identificadas especificamente por situações de casos similares aos que estava se deparando, vivenciadas no seu cotidiano! Podemos apontar o quão desfigurado e sofrível o momento se constituía. A culminação desta destituição por ora, representava um avanço e atenção à saúde mental dos integrantes da universidade. A fragmentação dos setores envolvidos na tarefa de cuidado e atenção à saúde do servidor continuou existindo, a necessidade urgente de revisão de procedimentos não se instaurou, coexistindo a mudança pretendida com a manutenção do status quo prévio, novamente amparado pela legislação em vigor, o discurso recorrente da legalidade e acomodação ao já existente.

Em seguida, a trajetória de realização de um programa de Doutorado perfaz intenso caminho de atividades e busca de conhecimento, participação no grupo de estudos NEST e consequente busca de realização de doutoramento sanduíche em Portugal, tornou-se ímpar. Tornaram-se possibilidades de estar junto a diferentes expertises centradas em pesquisas,

estudos da subjetividade e organização do trabalho, podendo propiciar investigação sob variados ângulos e nuances, ainda não devidamente percebidas e valorizadas.

Assim, mediante a vivência profissional numa instituição federal pública no Brasil, foi se constituindo como fundamental ter a caracterização dos profissionais de saúde neste tipo de dinâmica pública, do processo de trabalho e das condições de trabalho existentes, visando pois, ter um levantamento e melhor delineamento desta população interna, fruto da exploração e embate desta tese. O interesse foi a problematização sobre a questão de contínuos deslocamentos e remanejamentos internos entre servidores dos diversos setores e unidades da instituição pública federal, sem considerar efetivamente a repercussão na esfera psicossocial deste indivíduo. A intenção portanto foi de procurar apreender o trabalho real e verificar seu distanciamento do trabalho prescrito pela legislação normativa, estrutura organizacional. Estamos considerando como de essencial relevância este debate e estudo quanto à investigação aprofundada sobre a percepção destes servidores públicos em seu cotidiano laboral. Explorar a apreensão de: como lidam com a complexidade institucional? E qual é o impacto na saúde mental destas pessoas quanto à longa permanência em alguns setores e a decorrência no número de atestados de saúde progressivos?

A tentativa foi a de conhecer o mais detalhadamente possível as condições materiais e organizacionais do trabalho pela Saúde Mental do Trabalho. Além disso, tentar compreender o tipo de relação que atribuem às atividades que realizam, as pressões psicológicas que sofrem no trabalho e como se defendem das mesmas pela análise psicossocial na perspectiva da Saúde do Trabalhador. É, pois, necessário, fazer a observação direta dos servidores em situação de trabalho para coletar dados quanto aos ritmos, agressões ambientais, distribuição formal e informal das tarefas, escalas, formas de concepção e de realização do trabalho, modos operatórios e habilidades exigidas. Desse modo, mediante a prática discursiva das pessoas em seu cotidiano laboral, poder resgatar seu histórico profissional e de vida, relações interpessoais entre pares, com os clientes e hierarquia, as pressões psicológicas a que são submetidos e as defesas que porventura, podem elaborar contra elas.

A experiência se constituiu como um grande desafio e alegria poder ter a possibilidade de vivenciar a exploração desta temática, como sendo uma oportunidade de agregar muito mais que conhecimento prático. É o privilégio de convívio com uma multiplicidade de ideias e sentidos que fazem toda a diferença.

Sem acreditar que uma Fonte tem mais água que outra, mas encontrar em algumas o prodígio de fazer transbordar o que se tem de maior riqueza, que é a abundância infinita de cada um que ali chega...águas de vários lugares, se misturando e trazendo a possibilidade de se potencializar. É quando se pode perceber que há fontes de todos os lados e elas não se esgotam em discursos e práticas descontextualizadas. Uma fonte é saudável quando realmente opera em caminhos diversos, díspares, inusitados. Esta convivência e imersão não tem preço!