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Legislação sobre a saúde do trabalhador na administração ou função pública

2 ANÁLISE DO CONTEXTO DA FUNÇÃO PÚBLICA: reflexões sobre um campo em

3.2 Legislação sobre a saúde do trabalhador na administração ou função pública

A saúde do trabalhador tem como base um sistema de emprego que se articula entre as estruturas sociopolíticas econômicas vigentes na sociedade sendo, dentre elas, acordos e concertos internacionais um grande fórum de debate e espaço de luta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), cuja sigla em inglês é ILO (International Labor Organisation), criada no Tratado de Versalhes, após primeira guerra mundial na Conferência de paz de Paris de 1919, instaura uma nova ordem geopolítica de questões sociais notadamente quanto aos direitos dos trabalhadores e entrada na defesa de condições de vida melhores destes, isto é, com “as condições de vida e de trabalho do proletariado” (Villermé, 1840; Engels, 1845). Havendo a necessidade de participação tripartite dos Estados-membros nos debates, num sistema de representação simultânea e permanente, incluindo 1 representante dos trabalhadores, 1 representante do patronato e 2 representantes do respetivo governo, teve o caminho assentado da cooperação, diálogo e concertação entre os países como alvo e regra geral.

Mediante as Conferências Internacionais do Trabalho, muitas questões sociais surgidas após a globalização e impacto da revolução industrial se pronunciaram, como por exemplo, a Convenção sobre a abolição do trabalho forçado (nº 105), em 1957. No entanto, enquanto análise da efetividade, considera-se que muitos acordos são menosprezados e nem são aplicados. Acrescente-se também que a OIT, nestas duas últimas décadas, poucas Convenções

adotou, dada as dificuldades de se realizarem consensos tripartidos. Uma das últimas foi adotada em 2006 e é relativa ao quadro de promoção de segurança e saúde no trabalho (nº 187). No imperativo das forças neoliberais, é de se considerar que a “OIT é a armadura que os trabalhadores podem ainda utilizar contra os desafios da globalização capitalista neoliberal. Mesmo que a sua eficácia seja reduzida e tende cada vez mais a ser simbólica” (LEITÃO, R., 2016, p.109).

O campo da Saúde do Trabalhador possui diversas concepções, em que o campo muitas vezes é dado como se fosse apropriação de saberes pré-determinados ou diversas concepções que não conversam entre si, ou seja, a tão almejada transdisciplinaridade norteada por abordagens transversais e intersetoriais vislumbra-se como um alvo distante, pode-se dizer. Como referido em palestra na ENSP/FIOCRUZ, “o discurso da saúde do trabalhador emerge, do ponto de vista acadêmico, político e institucional na saúde coletiva, em contraposição à base conceitual e prática das concepções hegemônicas sobre a relação trabalho-saúde da medicina do trabalho (MT) e da saúde ocupacional (SO). Como parte integrante do campo da saúde coletiva, propõe-se a ultrapassar as articulações simplificadas e reducionistas entre causa e efeito de ambas as concepções que são sustentadas por uma visão monocausal, entre doença e um agente específico; ou multicausal, entre a doença e um grupo de fatores de riscos (físicos, químicos, biológicos, mecânicos), presentes no ambiente de trabalho” (FILHO, H. R. C., 2009). Nessa questão em especial, configura um campo que é parte da coletividade em relações de capitalismo estabelecido por produtividade e status de “mercadoria”. Em cada tempo histórico, tem-se noção de processo nos modos de subjetivação, como

pode-se perceber, por conseguinte, que, no decorrer da história, os modos de subjetivação sofrem as mais variadas transformações. Nessa perspectiva, interessado em compreender a problemática da produção do sujeito nos dias atuais, Foucault comenta as lutas políticas que se fazem necessárias em nosso tempo. (MANSANO, 2009, p.114)

Nesta visão contínua, concebemos que o entendimento dos modos de subjetivação enquanto processo, caracteriza ao trabalhador a percepção de excludente, muitas vezes, a informação de que “precisa adoecer ou ter um status de adoecimento” para que as LTS, mediante a tutela do laudo construído, possam ser reconhecidas na dinâmica institucional existente. Espera-se poder conseguir entrecruzar narrativas desses processos de subjetivação, juntando fragmentos para ampliar as vozes, argumentos e possibilidades presentes neste meu pesquisar em conjunto com “o outro” vivo e vivido na relação.

Estar interessados em compreender o impacto, efeitos e sentidos na saúde mental dos servidores públicos federais em seu retorno ao trabalho após longos períodos de LTS nos remete a considerações enquanto espaço, tempo e ideias construídas no imaginário social a respeito de loucura, doença mental e saúde mental. Se este é um universo complexo e contraditório quanto à compreensão do fenômeno, procedimentos técnicos adotados e saberes construídos ao longo do tempo, é importante considerar revisitado tema em AMARANTE10, “o quanto este é um campo carregado de estigmas e preconceitos” (AMARANTE, 2015, p.12). Equivale a estarmos voltados para um processo de desconstrução de uma ótica que aponta relações humanas baseada no diagnóstico, sintoma e doença para caminhar em direção a um sentido de incursões e apostas teórico-metodológicas em pressupostos que vigoram emancipação, autonomia e produção de positividade no sujeito psicossocial. Esta positividade por assim dizer, concebemos como sendo um processo contínuo de invenção de novas formas sociais de agir, ser e lidar com a diferença e o sofrimento humano. Neste caminhar portanto, a correlação saúde mental e trabalho não é evidente e nem linear, envolve práticas e concepções arraigadas e potentes de afirmação na negatividade. A Medicina do Trabalho é o primeiro grande discurso constituidor de práticas voltadas à relação saúde mental e trabalho. Emerge, enquanto especialidade médica, na primeira metade do século XIX, na Inglaterra, em um contexto inicial de industrialização, tendo como um dos principais objetivos contribuir ao estabelecimento e manutenção do nível mais elevado possível do bem-estar físico e mental dos trabalhadores. Como assinalam MENDES e DIAS (1991), as práticas da Medicina do Trabalho tinham como lócus os ambientes de trabalho, com vistas à adaptação física e mental dos trabalhadores e adequação desses ambientes, com a colocação dos trabalhadores em lugares e atividades correspondentes às suas aptidões ou pela seleção de candidatos mais aptos e que pudessem apresentar menores riscos futuros, como absenteísmo ou adoecimento.

Com base no positivismo, influenciado pelo pensamento mecanicista da medicina científica e da fisiologia, a Medicina do Trabalho sustenta(va)-se, numa concepção centrada no biológico e no individual, no âmbito restrito da instituição, que interpretava as relações entre acidentes e doenças de forma unívoca e unicausal. Esse mesmo pensamento científico e racional

10 “A intervenção cultural tem como objetivo interferir na produção do imaginário social no que diz respeito à loucura, ao louco e ao doente. O saber psiquiátrico, sem dúvida, construiu e legitimou, em grande parte, as representações sociais sobre a questão, vinculando-as às noções de irresponsabilidade, periculosidade, irracionalidade, e assim por diante. A intervenção cultural, principalmente partida dos próprios usuários e dos técnicos que com eles lidam, é uma estratégia fundamental para transformar este imaginário, produzindo uma ruptura com esta escala de estigmas e preconceitos” (AMARANTE, Paulo, 2015, p.38).

conferiu ao profissional médico lugar de grande poder, podendo predizer sobre o trabalho, sobre as condições para sua realização e determinando quem o realizaria. Igualmente, de acordo com MENDES e DIAS (1991) e MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA (2011), essa centralidade hegemônica de um saber instituiu aos médicos um lugar que era, ao mesmo tempo, de dependência por parte do trabalhador (e seus familiares), tendo em vista a inexistência ou fragilidade de sistemas de assistência à saúde, assim como de controle direto dos trabalhadores, estando ao lado da administração e gestão.

Com as grandes transformações dos contextos político e econômico mundiais produzidas pela Segunda Guerra Mundial e pela crescente inovação tecnológica, transforma-se a forma de significar a as práticas e os limites de atuação deste campo. Embora com bases discursivas semelhantes, a nova proposta buscou ampliar a atuação médica voltada ao trabalhador, com intervenções voltadas ao ambiente de trabalho, agregando referenciais e instrumentos técnicos de outras disciplinas. Constitui-se, assim, o segundo grande discurso nessa área, a Saúde Ocupacional, que também pautou-se numa perspectiva racionalista e científica.

A Saúde Ocupacional, tendo como base a Medicina Preventiva, constituiu suas práticas voltadas ao ambiente de trabalho, priorizando o controle de riscos ambientais, a prevenção, a proteção, complementando (sem necessariamente substituir) as práticas de adaptação com vistas a intervir na saúde dos trabalhadores. Com base nesses traços mensuráveis, as práticas buscavam adaptar ambientes e condições de trabalho. Com um traço diferencial, a Saúde Ocupacional busca, por seu caráter multi e interprofissional e com a organização de equipes multiprofissionais com práticas com grande ênfase na higiene industrial, relacionar o ambiente de trabalho com o corpo do trabalhador. Outro traço da Saúde Ocupacional é sua busca por uma perspectiva de multicausalidade, a qual considera o conjunto de fatores de risco para a produção da doença, sendo substituída a compreensão de determinação causal (LACAZ, 2007).

Porém, a busca pela multicausalidade da doença (compreendida como resultante da interação constante entre agente, hospedeiro e ambiente), os agentes ou riscos potenciais (objetos e meios de trabalho) são assumidos como naturais, descontextualizados social e historicamente. Essa naturalização produz a repetição, pela Saúde Ocupacional, das mesmas limitações da Medicina do Trabalho no que se refere às intervenções pontuais sobre riscos evidentes e na ênfase na utilização e equipamentos de proteção individual, em detrimento dos

coletivos. Por pautar-se numa perspectiva individualista, a noção de prevenção imputa ao trabalhador a responsabilidade por acidentes ou adoecimentos, justificados como decorrentes de negligência ou ignorância. Outras duas repetições são apontadas por LACAZ (2007), quais sejam, a importância dos exames admissionais e periódicos de empresas e o fato de que as práticas estejam voltadas ao aumento de produtividade, tendo a saúde, portanto, caráter instrumental.

Tecer questionamentos à Saúde Ocupacional e aos limites de sua atuação compõem um conjunto de questionamentos que passam a ser construídas com maior intensidade a partir da década de 60, com a efervescência de movimentos sociais que buscavam a garantia de direitos nas mais diferentes esferas. As críticas tinham por base a argumentação de que a Saúde Ocupacional, em suas análises, não se apropriava de relações que são produzidas na organização do trabalho, como o conteúdo das tarefas e sua fragmentação, o ritmo de trabalho, o controle da produção (suas relações com as altas e quedas da economia), a duração da jornada, as hierarquias e os turnos de trabalho. Devido a isso, a Saúde Ocupacional passa a ser significada como prática que não percebe efeitos silenciosos do trabalho para a saúde do trabalhador. Assim, ela se reorganiza e passa a se dedicar à construção de estratégias de “promoção de saúde”, as quais, segundo MENDES e DIAS (1991), têm ou tinham por base um processo de educação em saúde, com vistas a modificar os modos de vida das pessoas e seus comportamentos, não focando o trabalho e seus processos.

Tais análises evidenciam que os limites das práticas da Saúde Ocupacional se devem a limites epistemológicos, os quais fazem com que, nesse contexto limitado de atuação, a Saúde Ocupacional pouco tem para contribuir enquanto alcance, já que atua sobre indivíduos, privilegiando o diagnóstico e o tratamento dos problemas de natureza orgânica, a partir da visão empirista e positivista trazida da clínica. Dessa maneira pouco espaço há para a subjetividade do trabalhador, tomado como paciente e objeto da técnica, estreitando a possibilidade de apreensão das formas de adoecimento no trabalho na contemporaneidade, cuja causalidade cada vez mais complexa, envolve a organização do trabalho e sua relação com a subjetividade dos coletivos de trabalhadores (LACAZ, 2007, p. 759).

Em resumo, os apontamentos se sustentam na compreensão de que a Saúde Ocupacional não levou em consideração em suas análises a realidade do sistema econômico, auxiliando na manutenção das mesmas relações de poder estabelecidas, contribuindo para a manutenção da “alienação e desinformação do trabalhador, conferindo maior capacidade de

controle do capital sobre o trabalho”, o que decorreu da “informação restrita e da atuação autoritária dos profissionais de saúde no trabalho ou fora dele” (LACAZ, 2007, p. 758).

Se a Saúde do Trabalhador se caracteriza como um discurso que se propõe contra- hegemônico, incorporando abordagens das ciências sociais (MINAYO-GOMEZ e THEDIM- COSTA, 2011), Medicina Social Latino-Americana e da Saúde Coletiva (LACAZ, 2007; PAPARELLI, SATO e OLIVEIRA, 2011), a enunciação da Saúde do Trabalhador se configura em características diferenciais quanto à maneira de compreender como se dão as relações trabalho-saúde/doença, o lugar dado ao trabalhador nas investigações e análises, e a descentralização da figura do profissional de saúde. A concepção atual de saúde do trabalhador entende o social como determinante das condições de saúde, sem negar que o adoecimento deve ser tratado no sentido de que ocorrem divergência de interesses entre capital e trabalho para se pleitear ou caminhar em direção à promoção de saúde e outras ações necessárias, como por exemplo a prevenção. As múltiplas mudanças necessárias neste campo pressupõem o social11 visto como um processo, “através de uma abordagem transdisciplinar e intersetorial e, ainda, com a imprescindível participação dos trabalhadores” (MENDES e WÜNSCH, 2011a, p.467).Observamos que a participação dos trabalhadores protagoniza, integra e amplia vozes da heterogeneidade e multiplicidade subjetiva existente no mundo do trabalho.12 Seligmann (2011) salienta processo de desumanização no trabalho humano ocasionando impactos negativos na saúde humana, sem entendimento dos processos de desgaste humano que tem como cenário as situações concretas e o contexto do mundo do trabalho. A diversidade subjetiva ao não ser integrada a organização do trabalho traz efeitos deletérios ao sujeito trabalhador, em especial, em sua manifestação subjetiva com ressonâncias na saúde mental e física, sinais esses de precariedade indelével, indestrutível. Vizzaccaro-Amaral (2011), ao discorrer sobre o desemprego no Brasil e América Latina, já manifesta preocupação pela crise mundial deflagrada em 2008 e igualmente, repercussões imprevisíveis na saúde humana e demandas de saúde pública e coletiva. “Essa realidade precária do trabalho, além de pressionar organizações e instituições a acordos coletivos que envolvam a redução de direitos e a reversão de conquistas

11 “Pode-se considerar que o social pode ser compreendido no sentido de determinações múltiplas que não consegue se eximir do movimento popular como condição e preocupação, para assegurar a atuação do Estado em favor da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas sociais.” (MENDES e WÜNSCH, 2011, p.467)

12 Mundo do trabalho: a expressão foi utilizada para referir-se a um contexto mais amplo — que além de considerar as situações de trabalho também engloba as correlações de forças presentes no mercado de

históricas, desempenha um importante papel também em questões individuais relativas ao trabalhador, sobretudo no que tange à sua identidade, à sua subjetividade e à sua saúde física e mental, bem como, por extensão, a questões de saúde pública e coletiva (VIZZACCARO- AMARAL, 2011, p.71).

Se social impregna a existência humana numa visão ampliada, Castel articula as condições de trabalho de forma contextualizada, a modos de vida dentro de dinâmicas que necessitam ser conhecidas e debatidas. Ao abordar saúde mental do trabalhador sintoniza, recupera abordagem qualitativa do trabalho ao buscar as experiências dos sujeitos e as tramas que constroem o lugar do trabalhador, definindo modos de subjetivação relacionados ao trabalho, contextualizados.

A contextualização do trabalho deve refletir sobre a desigualdade às quais os trabalhadores estão inseridos. Castel (2013) aponta o quão a vulnerabilidade está ancorada na questão social13. A questão social revela exclusão legitimada em regras oficiais econômico- sociais, legitimada pelas razões institucionais proclamadas, não há arbitrariedade ou acidentalidade, são escolhidas. Nesta ordem de raciocínio, além da instabilidade salarial de proteção social, a vulnerabilidade é criada pela degradação das relações de trabalho. Observa- se que há “uma multiplicação de categorias da população que sofrem de um deficit de integração com relação ao trabalho, à moradia, à educação, à cultura, etc., e, portanto, pode-se dizer que estão “ameaçadas de exclusão” (CASTEL, 2013, p.53)

Importante verificar que o conceito de social designa toda e qualquer modalidade de associação, de forma que, em vez de uma substância social, é sempre relação; logo, diferença na condição de existência do mundo é a diferença, porque se tudo fosse igual, nada poderia ser construído. E isso é, justamente, um paradoxo, a diferença se caracteriza por estar em constante transformação, construindo-se através da repetição. Seguindo nesta perspectiva, o social não pode ser tomado de antemão; é preciso desnaturalizar, através da análise do micro e da consideração de que tudo é construído socialmente, e que, portanto, pode ser transformado em novas configurações. Ao estar em campo, no processo de pesquisa imprime estar aberto ao novo, em desnaturalização de pressupostos arraigados de verdades inquestionáveis. E foi

13 “o social compreende o conjunto das ações e relações, quer de cooperação quer de conflito, quer de integração quer de ruptura, que se estabelecem entre indivíduos, grupos, associações, instituições, nações em todos os campos societários. Diz respeito aos vínculos que cimentam o tecido de uma sociedade e que, ao mesmo tempo, gestam os conflitos e contradições que levam a rupturas.” (…) “O social se vincula umbilicalmente ao público, que é por natureza universal. Este é o critério fundante.” (CASTEL, 2013, p.211 e p.215)

justamente esta concepção que mais contribuiu com este projeto de pesquisa, inclusive, levando a redirecionar a problematização.

A integração dos trabalhadores com o trabalho perfaz situações em que as condições de trabalho são desfavoráveis à manutenção da saúde. Castel (1998) argumenta de como é inegável que o trabalho é visto como uma forma central de inscrição social do sujeito no cotidiano. O sujeito ao ser afastado de suas relações laborais, circunscreve uma noção de ruptura dos laços afetivos e sociais conquistados num processo de desfiliação social, e não mais inclusão. Sabe-se que mudanças no mundo do trabalho estão refletindo em principalmente, precarização do modo como se estabelecem as relações sociais e de gestão no contexto laboral concebendo o assujeitamento do ser humano em crescente individualismo e precarização das relações de vida.

A precarização da vida por sua vez, conecta-se com o direito à cidadania presente na constituição de 1988. A partir das grandes e múltiplas mudanças demarcatórias, como a promulgação da constituição e a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8080) de 1990, introduziram um conceito ampliado de saúde (art. 196), entendida como direito de cidadania. É imprescindível mencionara criação da Norma Operacional de Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde – NOST/SUS pela Portaria nº 3908 (BRASIL, 1998),que ampliou o acesso integral e igualitário dos trabalhadores no SUS. Pode-se igualmente argumentar sobre a base legal e normativa da criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), em 2002, a implantação da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) em 2005 e os diversos Centros de Referências em Saúde do Trabalhador como marcos regulatórios de avanços nesse campo.

Essas ações são parte do debate em torno da articulação da área e da construção da proposta da PNSST que contém importantes proposições e contempla os papéis a serem desempenhados, entre outros, pelo Ministério da Saúde (assistência e vigilância), Ministério da Previdência (benefício por incapacidade e implementação do nexo epidemiológico presumido) e Ministério do Trabalho (diretrizes e normas de segurança e saúde do trabalhador).

Se esta compreensão é nitidamente ampla, abrangente sob diversos aspectos considerados, consideramos incompleta quanto a visibilidade concernente a ações institucionais dentro de escopo epidemiológico, sem o devido espaço equiparado aos conflitos e divergências no modelo de gestão e organização de trabalho. A compreensão da atenção integral à deve-se a uma amplitude inequívoca, como bem assinalada por MENDES e WÜNSCH (2011a):

A saúde do trabalhador envolve, necessariamente, outros quatro grandes pilares que representam e ampliam as mediações no campo ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo: a) a concepção de saúde; b) o processo de saúde-doença e seus determinantes sociais; c) a proteção social; d) a concepção de saúde do trabalhador (MENDES e WÜNSCH, 2011, p.470).

Significa, portanto, se dar conta de que a noção ampliada de saúde caracteriza-se: - pela sua dimensão social, econômica e política enquanto um processo dinâmico; - as determinações sociais do processo de saúde-doença representam as condições sociais objetivas de vida e de trabalho da população;

- a proteção social representa a estruturação de um conjunto de políticas sociais que se efetivam pela intervenção do Estado na satisfação das necessidades sociais e minimização das desigualdades sociais;

- a definição de Saúde do Trabalhador como um processo dinâmico, social, político e