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conexões do projeto “pró-menino: jovens em conflito com a lei” O funcionamento da coleta de dados em campo foi realizado da seguinte forma:

um pesquisador, contratado em meio aos jovens que cumpriam L. A. na instituição a ser avaliada, era responsável por aplicar o questionário quantitativo. Este, por sua vez, era

43 Como é possível notar na festa de encerramento do 4º Concurso Causos do ECA, que integra o Pró-

menino da Telefônica, que, em seu enceramento, em 01/12/2008, teve a apresentação de Arnaldo Antunes e Chico César. Em http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/c32115c1- 5095-4e13-943f-efb61d3400d5/Default.aspx. Consultado em 12/02/2009.

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supervisionado por um monitor, um fiscal que cuidava da operacionalização administrativa da pesquisa. Era um estudante de humanidades de alguma faculdade (Pedagogia, Administração, Direito, etc.) da cidade, responsável pelo dinheiro do transporte e pelo brinde (um boné) oferecido ao alvo da pesquisa: o jovem que cumpriu L. A. em 2005. A segunda etapa da entrevista era realizada por um dos bacharéis com o auxílio de 27 quadros, em tamanho A3. Nesses quadros estavam os desenhos que retratavam situações do cotidiano desse jovem submetido a uma medida sócio-educativa em meio aberto. O pesquisador o acompanhava até uma sala reservada para que o jovem, observando os quadros, associasse as imagens aos episódios de sua vida. Segundo a proposta metodológica de uso dos quadros, estes poderiam conter episódios

bons ou ruins; o que interessava era extrair fatos marcantes de sua vida e que explicitassem mudanças drásticas ou referentes a coisas e pessoas de grande estima para ele.

De cada um que aceitasse participar das duas etapas da pesquisa, obtinha-se informações, inicialmente, por meio de um questionário quantitativo com um universo de 82 questões que abrangia perfil, situação familiar, escola, trabalho, saúde, moradia, medida sócio-educativa, inclusão digital, e uma sugestão final, solicitada ao jovem entrevistado que consistia em discorrer sobre uma maneira de melhorar a aplicação da medida sócio-educativa em meio aberto. A este questionário era acrescido um relato produzido e redigido pelo segundo entrevistador que buscava encontrar fatos marcantes da vida desse jovem, a partir de entrevistas feitas com os que aceitassem participar da segunda etapa; que consistia em comentários às cenas dos quadros, feitos numa sessão com duração variada entre 40 minutos e 3 horas.

Cabe anotar, desde já, que muitas das situações relatadas na segunda etapa das entrevistas mostraram-se condicionadas às perguntas pré-estabelecidas no questionário de múltipla escolha. Além disso, o fato do primeiro questionário ser aplicado por um garoto ou uma garota que estava em cumprimento de medida sócio-educativa de L. A., fazia com que o entrevistado se deparasse com alguém reconhecido como igual e possibilitava modulações na aplicação que mesclavam linguagem técnica e uma certa

malandragem. Situação, a primeira vista, inusitada, mas que conformava uma relação de assujeitamento operando em uma via de mão dupla: no entrevistador, que se via em uma importante função de questionar e avaliar um entrevistado; no jovem entrevistado,

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que ao se deparar com um jovem em situação de cumprimento de medida sócio- educativa, análoga a que ele vivenciara, desenvolve uma empatia e uma confiança em relação ao seu inquiridor, tornando-se mais solícito e prestativo aos intentos do entrevistador. Em favor dos objetivos da pesquisa — que justifica a escolha de um jovem cumprindo L. A. para pesquisador como uma ação inclusiva de participação que oferece uma oportunidade para um jovem infrator (Fonte, 2008) —, essa situação tem um duplo efeito: maior adesão do entrevistado ao inquérito, e maior credibilidade aos resultados do inquérito.

A partir dos apontamentos libertários de Passetti (2007a) sobre o

conservadorismo moderado, é possível afirmar que uma das características dessa conduta própria da sociedade de controle é a produção de um discurso que se apresenta como progressista, inovador, fundado na defesa de direitos e garantias inerentes a uma vida democrática e de edificação do cidadão. Ademais, valores como participação e inclusão são norteadores para a construção desse discurso que busca operar, por essas vias, a reforma moral e atualizar a continuidade de práticas de controle e governo em relações assimétricas, que, em meio a tanto palavrório, reiteram a necessidade de se combater os males sociais: pobreza, fome, disseminação de vício e doenças, promiscuidade sexual, moradias irregulares, etc., mesmo que esses termos apareçam sob outras denominações. Termos sempre associados a uma população em situação de risco ou, segundo certa atualidade, uma população vulnerável. Em resumo, pobres e miseráveis permanecem alvos e subsídios das políticas sociais e penais, sejam elas governamentais, privadas ou mistas como público-privadas.

Reiterando esse discurso, as apresentações e interpretações dos especialistas que compõem o material público da pesquisa (Fonte, 2008), celebram a inovação do método utilizado que reafirma a necessidade de estratégias participativas do “sujeito da pesquisa” no processo avaliativo para produção de “uma nova relação de poder” (Idem: 20). Dessa maneira, estabelecem conexões com experiências e especialistas de outros estados e cidades (Idem: 126-139) em nome de uma “nova arquitetura ótica” (Idem: 21) sobre os programas sociais. Escorados em formulações teóricas declaradamente democráticas, como as dos filósofos Enrique Dussel44 e Jürgen Habemas45, ou em

44 Do filósofo argentino Enrique Dussel, toma-se a concepção de uma ética da libertação que opera nos

processos avaliativos de programas sócio-ambientais pela construção da vida humana em um processo definido como libertador, por ser, também, processo de aprendizagem. Segundo aos autores, um deles

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teorias como as do psicanalista Jacques Lacan46 e do pedagogo Paulo Freire47, o fluxo de continuidade das práticas punitivas, produz as atualizações necessárias às novas demandas democráticas e pluralistas da sociedade controle.

As análises acerca dos documentos selecionados dividem-se em três partes: a primeira analisa os discursos produzidos pela pesquisa na composição e aplicação dos questionários quantitativos e nas entrevistas em profundidade; a segunda busca demarcar, por meio, principalmente, do documento de sumário executivo sobre a municipalização de medidas sócio-educativas em meio aberto, as práticas jurídicas penais decorrentes de experiências iniciadas com jovens que cumprem medida sócio- educativa em meio aberto, como a disseminação de penas alternativas, a emergência da justiça restaurativa e o atual processo de juridicialização dos conselhos tutelares; a terceira indica os efeitos dessas práticas ordinárias e institucionais, a partir da conformação de uma subjetividade assujeitada e disponível às técnicas de controle a céu aberto, que configuram o campo de concentração na atualidade.

responsável pela avaliação aqui analisada: “Ao aprender, o sujeito tem a oportunidade de desenvolver a sua vida como ser humano. E é exatamente ao tocar o desenvolvimento da vida humana que mergulhamos no campo da ética (Dussel, 2002) e sustentamos de maneira ainda mais profunda a relação entre avaliação e aprendizagem. É o desenvolvimento da vida humana a base material a partir da qual qualquer formulação de juízos deve se estruturar. Esse circuito argumentativo nos permite concluir que a aprendizagem contribui com o desenvolvimento da vida do sujeito. “Aprender é um direito à vida”, é um ato ético relacionado à vida no Planeta Terra e por isso encontra lastro, encontra sustentação como um imperativo nos processos de avaliação de programas sócio-ambientais”. Brandão, Daniel & Silva, Rogério (2008). Retirado de http://www.fonte.org.br/documentos/Avaliacao%20educadora.pdf, em 10/06/2008.

45 Do filósofo alemão Jürgen Habermas, nota-se a recorrência ao aumento de uma ação comunicativa no

espaço público entendido como maneira de obter transformações sociais; essa ação comunicativa seria uma ação interativa composta por símbolos que mediam as relações, orientados por normas sociais de comportamento e comunicação lingüística quotidiana, justificadoras de uma ação nesse chamado espaço público. Cf. http://institutofonte.org.br/conteudo/pequeno-estudo-para-compreender-o-discurso-do-nosso- tempo, consultado em 10/06/2008.

46 Lacan é utilizado pela pesquisadora Cristiane Barreto (coordenadora do Programa Liberdade Assistida

da prefeitura de Belo Horizonte entre os anos de 1998 e 2006), convidada para realizar a apreciação do processo avaliativo. A autora cita Lacan para justificar a etapa das pesquisas realizadas com os quadros, afirmando: “a prática de atos infracionais, bem como o envolvimento com a criminalidade, pode estar relacionado a uma série de embaraços que se solidificam na adolescência” (Barreto in Fonte: 2008, p 133). Tal afirmação, segundo a autora, encontra-se escorada na concepção sociológica de Lacan acerca da lei e do delito. Lacan, Jaques. “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia” in Escritos. Jorge Zahar, 1998, citado pela autora.

47 O método dialógico do pedagogo Paulo Freire desenvolvido em Pedagogia do oprimido, é capturado

para servir como princípio de processos participativos de avaliação de projetos sócio-ambientais. Como indica Brandão, “a participação na avaliação traz força para a possibilidade de concebê-la como processo educativo, uma vez que aqui se defende que o processo de aprendizagem é um fenômeno social, que ocorre no diálogo entre homens e mulheres mediatizados pelo mundo” (Brandão, 2007: 33).

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reforma moral, campo de concentração e produção do