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A expansão do regime de direitos, democratização do tribunal, controles eletrônicos e convocações à participação (Passetti, 2003), são práticas de uma nova tecnologia de poder. Contudo, afirmar que estamos sob novas práticas do exercício de poder não implica deduzir que, desde algumas décadas atrás até hoje, operou-se uma substituição de antigas técnicas disciplinares e biopolíticas de adestramento e controle dos corpos e das populações, para novas forças que, se não sabemos ainda caracterizá- las ou nomeá-las, são diferentes e substituem as antigas. Mesmo a passagem de uma

sociedade de soberania para uma sociedade disciplinar, segundo os estudos histórico- políticos de Foucault (2002b), articulam muito mais um acoplamento de práticas discursivas e tecnologias de poder do que uma substituição ou mesmo superação, ainda que haja mudanças pontuais. Na passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de

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controle, anuncia-se um novo acoplamento que não dispensa a internação, explicitando ainda uma permanência das instituições disciplinares, mas agrega a elas controles sofisticados para continuidade da dominação, não mais pelos métodos de introjeção de regras em instituições austeras, mas fazendo de cada um o agente participativo do próprio domínio de assujeitamento.

Isso não pressupõe uma lógica acumulativa da economia do poder que se realiza por somatória de forças e técnicas. Quando Deleuze (2002) anunciou o que chamou de

sociedades de controle, a partir de uma crise generalizada das instituições disciplinares; quando afirmou que sociedade disciplinar é o que estamos deixando de ser para passar a enfrentar novas forças que fomentam um processo de reforma das escolas, das fábricas e das prisões como gestão de sua agonia, não falava nem de substituição, nem de adição de novas tecnologias de poder. O termo que pode caracterizar essa passagem, como mostrou Passetti (2003), talvez seja metamorfose. Metamorfose é um termo preciso não apenas para nomear o processo de instauração dessas novas forças, que desde a II Guerra Mundial se anunciam, como caracteriza o próprio funcionamento das tecnologias de poder na época em que vivemos. “A passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle não determina a superação de uma em benefício da outra, mas uma metamorfose do espaço definido para o espaço indeterminado, da fronteira para o sobre a fronteira ou o outro lado da divisória, na superfície e no ar” (Passetti, 2003: 250-251).

Nessa pesquisa, ao descrever o que se passa com a política de aplicação das medidas sócio-educativas contra jovens na sociedade de controle, como uma política de contenção de liberdade, dois termos analíticos sobressaíram: acoplamento e metamorfose. Se jovens continuam construídos como perigosos passíveis de intervenções diversas para correção, se ao lado de encerrá-los em instituições austeras, novas técnicas de controles a céu aberto se instauram, quais acoplamentos e metamorfoses que atuam para perpetuar a sujeição? Que técnicas de poder correspondem aos velhos temas da prisão disciplinar, e persistem, e quais as novas forças que se instauram, como acoplamentos e metamorfoses? Fabricar indivíduos dóceis e úteis era o objetivo das disciplinas. Zelar por uma população saudável, em nome da salvação da espécie, enfim, fazer viver e deixar morrer, eram os objetivos da biopolítica. Entre uma e outra tecnologia analisada por Foucault está a norma.

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Articuladas pela norma, disciplina e biopolítica fabricam indivíduos e controlam populações.

Ao procurar uma aproximação a uma imagem própria da sociedade contemporânea, de comunicação instantânea e predominância dos aparelhos computo- informacionais, talvez se devesse perguntar: por quais atualizações os programas de controle de jovens passam atualmente? Se o hardware continua o mesmo da era das disciplinas e da biopolítica, a saber, as escolas, as prisões, os manicômios, os Estados, os exércitos, as crianças, os jovens, os presos, os loucos, os cidadãos, os soldados etc., qual o novo software? Como funcionam os programas e as programações? Quais

atualizações foram efetuadas na sociedade de controle? Ou será que a atualização constante, parâmetro da lógica de seu funcionamento atual acompanham acoplamentos e metamorfoses?

Com Michel Foucault, inicia-se a possibilidade de problematizar as tecnologias de poder a partir de sua construção moderna, perguntando-se sobre seu funcionamento. As indicações deixadas em um de seus últimos cursos acerca da governamentalidade neoliberal (Foucault, 2007) oferecem pistas sobre as metamorfoses ocorridas no pós II Guerra Mundial. Também são variados os estudos sobre a sociedade de controle como nomeou provisoriamente Deleuze (2002), e dependendo do olhar é em rede (Castells, 1999), líquida (Bauman, 2007), assim como o apanhar das metamorfoses são vários e passam por Virilio (2000), Negri e Hardt (2001; 2005), Lévy (1999), e chegaram ao Brasil com Passetti (2003), Garcia dos Santos (2003), Pelbart (2007), entre outros.

Acompanhado de Foucault, segui as recentes elaborações de Sennett (2006) — sobre uma nova burocracia institucional afinada com a sociedade computo- informacional de comunicação contínua e as novas maneiras de gerir as políticas sociais e de organização do trabalho —, e as considerações de Passetti — caracterizações de tecnologias de poder da época em que vivemos —, acerca da sociedade de controle, para situar onde se inscrevem as políticas de contenção de liberdade dos jovens na sociedade de controle, a partir da gestão e aplicação de medidas sócio-educativas em meio aberto, destinadas a jovens seletivamente pegos em chamados atos infracionais; tomando essa prática específica e contemporânea de controle de jovens, como pista para análise ou campo de atuação dessas novas forças que se instauram.

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As metamorfoses da sociedade de controle, eu as busco a partir de um problema específico que é o interesse produtivo do Estado e das empresas por esses jovens, geralmente habitantes das periferias, constituídas, hoje, segundo Passetti (2003), como

campos de concentração a céu aberto. Como funcionam esses programas? A quais programações eles respondem? Que tipo de programação da vida encarcerada eles produzem? Como as ruas sem governo passaram a ser ruas governadas?