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Compartilhamento de identidade, confiança mútua e segurança psicológica têm sido descritos como elementos do contexto que promovem a aprendizagem organizacional, à medida que facilitam a transferência de conhecimento no contexto ativo (ARGOTE e MIRON-SPEKTOR, 2011). O contexto ambiental inclui os relacionamentos com outras organizações por alianças, joint ventures e participação em associações, a partir do contexto ativo, representado pelo nível individual. Por outro lado, pesquisas sugerem que baixo nível de confiança e baixo grau de compartilhamento de conhecimento são fatores que impedem a aprendizagem organizacional e a gestão do conhecimento (TANG, 1998).

Nessa linha, a categoria de análise confiança no modelo teórico proposto por Mozzato, Bitencourt e Grzybovski (2015), possui como definição de confiança a convicção de que a palavra do parceiro será mantida, garantindo assim que obrigações mútuas da relação serão realizadas, influenciando diretamente o processo de AIO. Reflete a convicção de que os acordos entre parceiros serão cumpridos (MOZZATO, BITENCOURT e GRZYBOVSKI, 2015). Portanto, consideramos confiança como resultante de ambiente com segurança psicológica, valorização das diferenças, abertura a novas ideias, suporte a inovação e aprendizagem, e comportamento de parceria.

Da análise dos dados coletados, há indícios de existência de um continuum entre o comportamento de resistência e a relação de confiança entre os atores de organizações públicas engajadas em parcerias. A confiança (e seu oposto, a resistência) está exemplificada em vários dos relatos nos casos estudados, sob diferentes perspectivas:

(a) da dificuldade em obter base de dados e sua atualização para publicação no Portal:

“Uma das questões mais relevantes que teve de ser enfrentada foi a obtenção, pela CGU, das bases de dados sobre a execução orçamentária do Governo Federal, as quais deveriam, ainda, ser atualizadas periodicamente.” (R-C2-PT)

(b) das dúvidas quanto à própria proposta central da inovação, no caso do Portal da Transparência:

“A gente sabe que informalmente, nos bastidores, obviamente teve e tem quem questione o excesso de transparência” (R-C2-PT)

“Nesse contexto, eventuais resistências de alguns grupos à ampla transparência proposta para o Portal foram minadas e obteve-se mais facilmente o apoio de outros órgãos e o reconhecimento da relevância da iniciativa.” (C2-PT-R)

O fato de uma experiência estar alinhada a agenda de governo e em sintonia com valores apregoados pelo governo fazem com que resistências sejam reduzidas ou eliminadas.

(c) de ter havido experiência anterior pioneira bem-sucedida:

“O software Cacic foi a experiência pioneira nesse compartilhamento e resultou na segurança necessária para os gestores aderirem ao modelo.” (R-C3-PSP)

“as agências, por exemplo a ANEEL e a ANVISA, têm um papel bem ativo, eles têm uma carta de serviços, estão pensando numa segunda geração de carta de serviços e o guia a gente pretende que facilite essa geração também.” (C1-OS-E2)

(d) de estar pautada em criar procedimentos que dão suporte à atuação do gestor público:

“O número de parcerias cresceu rapidamente pelo fato de a experiência do software público atender às preocupações [de segurança jurídica] citadas e criar um conjunto de procedimentos uniforme e sólido para o gestor público” (R-C3-PSP)

(e) da necessidade de diálogo (comunicação) para lidar com posições contrárias:

“...porque nem sempre o diálogo entre duas pessoas ele é um diálogo simples, às vezes a pessoa é totalmente contra aquilo (...)” (E6-C3-PSP)

(f) de haver o estabelecimento de comunicação aberta, em espaços não institucionais e ambientes informais, abertos a participação pública:

“Essas características foram fundamentais para o sucesso do projeto, possibilitando a prototipação rápida e a colaboração em espaços ‘neutros’ que evitassem a inibição da participação dos colaboradores da sociedade civil.” (R-C5-PDA)

“A realização de reuniões em espaços não institucionais, abertos à participação do público em ambiente informal, contribuiu para o bom andamento do projeto, pois quebrou barreiras culturais que normalmente inibem a colaboração dos cidadãos.” (R-

C5-PDA)

“(...) contribuir com opiniões, fomentar um ambiente de comunicação aberta.”

(g) de gerar compromissos menos formais para a colaboração:

“Vamos [fomos] construindo a nossa colaboração, aí ela falou que o chefe [do

Ministério Público] queria formalizar, eu disse – a gente formaliza com ofício dizendo

(...) “então o assunto foi andando e a gente desburocratizou e começou a construir a cooperação.” (C5-PDA-E10)

(h) do tempo de relação como construção da confiança:

“a gente recebe desde 2009, mensalmente, arquivos com os dados para publicação no Portal (...) a gente tem esse contato muito bom com os parceiros que fornecem dados para alimentar o Portal” (C2-PT-E4)

(i) das resistências que foram vencidas ao longo do tempo:

“MRE e Defesa mais resistiram, mas se saíram muito bem na tarefa [de implantar o

sistema e-SIC]. Hoje, o BNDES e Petrobras mais resistem” (C4-SIC-E8) (j) do envolvimento dos representantes dos órgãos desde o início da ação:

“Quanto mais atores já participam desde o início aumenta muito mais a chance até das institucionalizações, as relações da pessoa não só influencia como também vai se apropriando daquela visão, isso para mim é um fator chave” (C1-PS-E1)

(k) resistências associadas a aspectos culturais:

“algumas reuniões eram muito duras, pesadas, esse confronto de acesso à informação com a cultura dos militares, por exemplo” (C4-SIC-E7)

Assim, os relatos C4-SIC-E8, C1-PS-E1 e C5-PDA-E10 evidenciam o fenômeno da confiança como um processo que vai se construindo ao longo do tempo e mudando o modo de interação entre os parceiros. Atualmente, BNDES e Petrobras continuam utilizando formulários para atender à Lei de Acesso à Informação em detrimento do uso do Sistema e-SIC. O entrevistado C4-SIC-E8 expressou esta resistência da seguinte forma:

“A maior resistência que eu tive foi da Petrobras, maior resistência, a Petrobras mesmo com decreto, e-Sic implantado ela não quis aderir ao e-Sic porque ela tinha sistema próprio, isso talvez explica um pouco o que está acontecendo agora [referindo-se ao

escândalo revelado pela Operação Lava-Jato] (...) chegou a se levar o problema para a

Presidência da República que a Petrobras não queria entrar no e-Sic.” (...)

“Na verdade o que a Petrobras não queria era isso, mas hoje a gente percebe claramente que ela não queria que os outros tivessem acesso aos pedidos de acesso feito a ela e as respostas que ela dava.”

Por outro lado, para o convencimento de aderir à política de Dados Abertos, o relato C5-PDA- E9 reforça a indicação de que trata-se de um processo e que o tempo é necessário para o desenvolvimento e aceitação da experiência/inovação:

“A gente já foi ao longo dos anos a dezenas de órgãos para ajudar reforçar a motivação, a questão da política de Dados Abertos tanto a parte de implementação de projetos de dados de como conduzir esse processo, tanto da parte de gestão quanto da parte técnica”

Nessa linha, a inclusão de atores desde o início do processo é vista como condição facilitadora para a apropriação da visão dos processos. Sendo assim, a participação dos atores desde o início da experiência permite que ocorra a apropriação da proposta, aumentando as chances de institucionalização da experiência.