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5.6. Cinco experiências de inovação

5.6.3. Portal de Software Público

O Portal de Software Público foi criado pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com a Associação das Entidades Estaduais de Tecnologia da Informação e Comunicação (Abep), com o objetivo de promover um ambiente de colaboração de usuários, desenvolvedores e prestadores de serviço, para o desenvolvimento, disponibilização e suporte aos softwares aderentes ao conceito. O conceito se baseia na premissa de que o software desenvolvido por instituições de direito público é por natureza um bem público. O conceito de software público surgiu no bojo da discussão sobre software livre e governo eletrônico, tanto no âmbito acadêmico quanto nos debates de entidades representativas, em especial a Abep. A ideia, do ponto de vista de interesse público, partia do princípio de que uma solução desenvolvida por um órgão público poderia ser aproveitada em vários outros, economizando muitos recursos públicos com a aquisição de soluções proprietárias, de mercado.

“O primeiro esboço de disponibilização com menor peso nos acordos formais e maior reforço na licença aconteceu no ano de 2001, quando a empresa de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs) disponibilizou a ferramenta de correio eletrônico ‘Direto’. O impacto positivo da liberação foi imediato.” (C3-PSP-R)

Desta experiência inicial até o início da implantação do Portal de Software Público federal seguiu-se um longo processo de aprendizagem interorganizacional. Destacam-se os seguintes obstáculos encontrados pelas iniciativas pioneiras de compartilhamento de soluções de TI entre órgãos públicos: ausência de modelo de licenciamento adequado às partes; razões de ordem técnica (padrões de interoperabilidade e plataformas); e questões administrativas e/ou jurídicas, para dar segurança ao uso das ferramentas por outros órgãos.

Os entrevistados entendem que a janela de oportunidade para a definitiva implementação da inovação surgiu a partir de 2003, com o advento de um novo governo e a disposição para fomentar iniciativas de software livre. Em 2004, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), vinculado à Casa Civil e responsável pela coordenação do Comitê Técnico para Implantação do Software Livre do Governo Eletrônico Brasileiro, encomendou estudo jurídico à Fundação Getúlio Vargas sobre a constitucionalidade da Licença Pública Geral, a partir de provocação, por ofício, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sobre a legalidade para dispor de soluções de software desenvolvidas no âmbito das organizações públicas. O objetivo era garantir segurança jurídica e o devido amparo legal para a liberação de softwares desenvolvidos pelo setor público.

Em 2005, vencida a questão jurídica do licenciamento, a pioneira solução de software público ofertada seguindo os requisitos legais (Lei do Direito Autoral nº 9.610/98 e Lei do Software nº 9.609/98) foi o Configurador Automático e Coletor de Informações Computacionais (Cacic), desenvolvido e oferecido à comunidade pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev):

“O software Cacic foi a experiência pioneira nesse compartilhamento e resultou na segurança necessária para os gestores aderirem ao modelo.” (C3-PSP-R)

O Cacic, um sistema de inventário de hardware e software foi lançado no 6º Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre/RS, e o interesse despertado demonstrou uma demanda reprimida da sociedade. O fato inovador, para além do primeiro licenciamento público geral, foi a rapidez com que diversos setores adotaram o Cacic e a troca de experiências entre os usuários em ambiente virtual público, que possibilitou a colaboração e o desenvolvimento coletivo da solução. A partir do sucesso da iniciativa, quebraram-se resistências à iniciativa do Portal, que alcançou credibilidade para avançar. Além do segundo lugar obtido no 16º Concurso Inovação na Gestão Pública Federal, promovido pela Enap, a iniciativa também obteve diversos outros prêmios, como o Prêmio Políticas Públicas na área de Software Livre e Aberto, do Open World Forum (França), o Contribuição para a Eficiência da Gestão

Pública conferido pela RedGealc (Rede de Governo Eletrônico da América Latina e Caribe), e o Prêmio Governo Emergente de Conhecimento Livre da Iniciativa Focus (Espanha).

Em 2006, a partir da primeira iniciativa, um acordo de cooperação entre a SLTI e a Abep foi firmado com objetivo de implementar o Portal de Software Público Brasileiro, lançado em 12 de abril de 2007. Além dessas relações interorganizacionais iniciais (Abep, ITI, Dataprev e Comitê técnico de software livre), a inovação gerou diversas interações posteriores, tanto para busca de soluções que pudessem ser oferecidas no portal, quanto para a disseminação e divulgação do Portal. Um exemplo foi o Memorando de Entendimento entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a SLTI/MP, com o objetivo de desenvolver o Portal de Mercado Público Virtual Brasileiro que reuniria os fornecedores de serviços para as soluções de software público. Outro exemplo de interação foi a criação, em 2009, da designada Comunidade, Conhecimento, Colaboração e Compartilhamento dos Municípios Brasileiros (4CMBr), como ambiente interno do Portal de Software Público, buscando desenvolver a gestão pública nos municípios em torno das novas tecnologias de informação e comunicação. Também foram desenvolvidas relações internacionais em torno do tema, em especial com o Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento (Clad). Portanto, estabeleceu-se parcerias entre diversos órgãos, instituições, empresas e cidadãos (desenvolvedores e usuários).

Atualmente, o Portal possui 68 soluções disponíveis para diversas áreas da gestão pública, como saneamento, saúde, educação, acesso à informação, comunicação, pesquisa e desenvolvimento, entre outras. A experiência do software público no Brasil confirma a necessidade de um ecossistema de inovação no nível interorganizacional, em linha com apontamentos de Nooteboom (2014) e Arbix (2010), pois foram as interações com demais membros da Abep, no Comitê para implantação do software livre, bem como a demanda da sociedade desenvolvedora de software livre e o apoio da comunidade acadêmica, que representaram, para os entrevistados, as principais forças do projeto, ao lado do apoio governamental. Politicamente falando, trata-se de uma comunidade militante a favor da política de software livre, de desenvolvimento coletivo, em contraposição ao software proprietário desenvolvido pelas grandes corporações multinacionais do campo, especialmente IBM e Microsoft, duas das maiores fornecedoras de soluções para a administração federal. O software público representa um subconjunto do software livre, diferenciando-se por ser desenvolvido dentro da administração.

Ao longo do tempo em que a experiência está implementada, participaram diversos órgãos, com destaque para as empresas Dataprev e Serpro, enfrentando dificuldades de interoperabilidade e resistências, especialmente daqueles que defendiam a compra de soluções de mercado. Por outro lado, as especificidades das soluções demandadas pelos órgãos públicos, nem sempre encontrava produto de mercado que atendesse às necessidades. Assim, havia lacunas que obrigavam ao desenvolvimento de soluções pelos próprios órgãos e verificou-se que muitas destas soluções poderiam ser compartilhadas para atender a problemas semelhantes. Sucedeu-se um processo, dentro desta comunidade, de

identificação de softwares e busca de parcerias para viabilização do compartilhamento, evitando muitos gastos com encomenda e contratação de soluções de mercado.

“A realização das atividades de implementação do portal é fruto de um trabalho colaborativo de servidores da SLTI/MPOG, além de parcerias com diversos setores da sociedade na disponibilização de softwares: Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Dataprev, Serpro, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Universidade Federal de Pernambuco, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Datasus, Cobra Tecnologia, Universidade Católica de Brasília, Ministério do Meio Ambiente, PUC do Rio, Ministério da Previdência Social, Exército Brasileiro, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Câmara dos Deputados, empresas privadas, prefeituras municipais e pessoas físicas.” (C3-PSP-R)

Em síntese, os dados coletados indicam que essa inovação surgiu após um longo processo de aprendizagem em iniciativas fracassadas desde 1995, e foi bem sucedida porque encontrou condições ambientais adequadas (detalhadas nos dados adiante), como: diretriz de governo em torno do software livre; liderança da SLTI no processo de superar dificuldades, inclusive jurídicas; ecossistema de inovação formado por diversos desenvolvedores em organizações públicas (Abep, Procergs, Dataprev, Serpro, Prodabel etc); e, interação entre atores participantes do Comitê Técnico para Implantação do Software Livre, gerando confiança nas relações interorganizacionais desenvolvidas em torno do Portal de Software Público Brasileiro. Considerando que cada organização envolvida na iniciativa compartilha recurso próprio (solução de software), alinhando-se voluntariamente à política de disponibilização de seus sistemas, em um mesmo canal administrado pelo Ministério do Planejamento, a coordenação capitaneada pela SLTI foi um elemento importante do processo.