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Configurações das Causativas no PE Clássico

3.3 Construções Causativas Analíticas

3.3.4 Configurações das Causativas no PE Clássico

Trannin (2010) estuda a variação nas causativas nas configurações fazer-infinitivo,

fazer-por, ECM e infinitivo flexionado no PE clássico ao longo dos séculos XVI ao XIX. A

autora constatou que, nos séculos XVI e XVII, predominam as construções fazer-por, exemplificadas em (40). Já nos séculos XVIII e XIX, a construção predominante é fazer-

Infinitivo, exemplificada em (41)30.

(40) Porém Nero emperador mandou pintar em pano um coliseo de CXXI pés. (F. de Holanda, 1517)

(41) O ciúme fez perder a vida a Mariana, porque seu marido Herodes não pôde sofrer que se amasse a sua formosura. (C. de Oliveira, 1702)

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Duas mudanças ocorridas nos complementos infinitivos são abordadas nas construções: a queda na subida de clíticos em contexto de predicado complexo e a emergência do infinitivo flexionado. Esse contexto evidencia que a tendência na construção causativa é um engendramento que vai se desfazendo.

Para a primeira mudança, a autora cita Andrade (2010) que mostra que a queda na subida de clíticos e na formação de predicado complexo se deve ao aumento de produtividade da ênclise e do sujeito pré-verbal, identificada com a perda de V231 no século XVIII. A queda na subida de clítico é explicada pela presença de um traço-EPP em um núcleo da camada CP, fazendo com que o movimento do clítico seja tomado como fato não marcado. Já a queda na formação de predicado complexo estaria relacionada à fixação da posição de sujeito, próprio da construção ECM, que passa a ser interpretada como forma não marcada.

Os resultados analisados por Trannin (2010) indicam a ocorrência de diferentes configurações sintáticas das causativas ao longo do tempo analisado. Nos dados, a autora constata, conforme demonstrado no Gráfico1, a diminuição de fazer-por proporcionalmente ao aumento de fazer-infinitivo. Já a construção ECM se mantém quase estável, fato constatado também por Andrade (2010).

Gráfico 1 - Distribuição das Estruturas Causativas no Português Clássico

Fonte: Trannin (2010, p. 117)

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Com o intuito de imprimir uma outra interpretação aos dados, pode-se dizer que esse resultado apresentado no Gráfico 1 indica que a configuração sintática causativa, ao longo do tempo, vai fazendo escolha por uma estrutura na qual haja uma posição de sujeito, como a fazer-Infinitivo e a ECM. Já a estrutura Fazer-por32, comum à causativa do Italiano, vai perdendo espaço por não licenciar essa posição de sujeito. Esse comportamento implica que a mudança sintática privilegia um afrouxamento da estrutura, criando uma posição para alocar o sujeito, conforme já apontado em Davies (1994). Soma-se a isso a emergência do infinitivo flexionado nas causativas, exemplificado em (42), que é uma estrutura sintática bioracional que licencia o sujeito do verbo infinitivo encaixado e permite a concordância entre esses elementos.

(42) Eu mandei os meninos comerem a sopa. (GONÇALVES, 1999)

Para o infinitivo flexionado, em sentenças semelhantes a (42), Trannin explica, a partir do estudo de Martins (2006), que essa estrutura emerge em contextos de ambiguidade estrutural promovida por elipses em contextos de coordenação, é relacionada a outras mudanças como a perda da obrigatoriedade da subida do clítico e o aparecimento da negação do predicado em orações infinitivas. O infinitivo flexionado aparece em complemento de orações com verbos ECM. No entanto, nos dados analisados por Trannin, não há orações completivas de infinitivo flexionado a verbos ECM.

A autora mostra também que, em sua análise, não há evidência de mudança ocorrida no complemento infinitivo das construções causativas ao longo do tempo e ainda que a mudança ocorrida na passagem do PCl para o PE refere-se à posição do verbo e do sujeito do infinitivo encaixado. A estrutura não sofre mudanças na derivação. Essa posição também foi sinalizada em Davies (1994) ao mostrar que a variação nas causativas envolve somente a superfície. No entanto, veremos na análise e discussão dos dados que o PB apresenta comportamento diferente na derivação das estruturas causativas.

A explicação formal para o licenciamento dessas estruturas parte das propostas de Cyrino (2008), Guasti (2006), Martins (2006) e de Gonçalves (1999). Trannin, no estudo em questão, assume que o complemento infinitivo de fazer-Infinitivo é um CauseP que seleciona vP, já nas estruturas causativas fazer-por, o complemento infinitivo é um VP simples. Nas

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estruturas de ECM, o domínio infinitivo é um TP defectivo em que duas estruturas estariam disponíveis a partir do século XVI: um TP defectivo e um complemento com sistema C-T ativo.

Pode-se depreender das análises apresentadas para o PE que, da mesma forma que nas construções causativas sintéticas em PB, a variação nas causativas analíticas ocorre no licenciamento do XP encaixado, a ser demonstrado mais a frente. Esse XP, como foi mencionado acima, pode ser um vP, ou um VP simples, ou ainda um TP. No caso das estruturas causativas com complemento de infinitivo flexionado, o XP configura-se como um CP. Observemos as estruturas em (43)33:

(43) a. O ciúme fez [vP perder a vida a Mariana ]

[CauseP [vP causado v [InfP [VP Vinf DP] ] ] ]

b. Sua mulher me mandou [VP chamar por Dom Alexandre]

[CauseP [VP Vinf DP]

c. A graça de Deus, quando vem a algumas almas e lhe manda primeiro suas inspirações, é como os senhores que vão pelas estradas e mandam seus criados prevenir o aposento. (A. das Chagas, 1631)

[CauseP[TP Tdef [VP [InfP [VP Vinf DP] ] ] ]

d. O professor mandou os meninos fazerem a lição.

[CauseP [CP [VP [InfP [VP Vinf DP] ] ] ]

De início, os exemplos em (43) indicam a variação na seleção de complemento da projeção CauseP. Em (43a), o núcleo de CauseP seleciona vP, em (43b), o núcleo de CauseP seleciona VP, Em (43c), a seleção é TP. Em (43d), o núcleo de CauseP seleciona CP. Essa variação na complementação do núcleo causativo será analisada nas construções causativas em PB, como veremos no Capítulo 6, mais à frente neste texto.

É importante destacar os rumos que a variação nas causativas seguiram do Português Clássico para o PE moderno, uma vez que o PB nasce do Português Clássico, conforme Galves, (2001). Em resumo, tem-se que o Português Clássico que compreende o período do século XVI à primeira metade do século XIX, segundo Galves (2001), é uma

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língua V2 que licencia o alçamento V-para-COMP. Com a perda desse movimento que possibilitava várias posições para o sujeito, vários efeitos são observados, como o aumento da ênclise e o aumento de construções SV, ou seja, uma posição mais fixa para o sujeito. Andrade (2010) relaciona esses fatos às mudanças ocorridas nas causativas que são a queda na subida de clíticos em contexto de predicados complexos e a queda na formação de predicados complexos.

Essa posição sinaliza que a variação e a mudança que envolve o sistema linguístico como um todo também influencia a estrutura da construção causativa. O que se tem, na verdade, é que a variação e a mudança são encaixadas no sistema linguístico licenciador das estruturas, tal como proposto pela Sociolinguística Laboviana. Nesse sentido, reforça-se a proposta de que a estrutura sintática das causativas analíticas em PB está passando pelo mesmo processo de mudança pelo qual a estrutura canônica das sentenças em PB está passando, ou seja, evidenciando os efeitos de alterações sintáticas já constatadas em PB. Essa temática será retomada adiante.

Antes de passar à descrição das causativas no PB, apresento o Quadro 2 que resume os estudos até aqui apresentados. Vale destacar que nos estudos de Kayne, Burzio, Guasti e Zubizarreta (1985) não há referência às causativas com infinitivo flexionado, uma vez que as línguas investigadas não licenciam esse fenômeno. Destaca-se também que, no Italiano, não há ocorrência da estrutura causativa ECM, no Português Moderno não há referência à estrutura Fazer-por. Embora Trannin (2010) trate do infinitivo flexionado nas causativas, a ocorrência dessa estrutura não foi significante34.

Destaco que, mesmo sendo de grande valor descritivo, tratar a análise das causativas a partir das configurações Fazer-infinitivo, Fazer-por, ECM, Infinitivo-flexionado não é aparato teórico suficiente, uma vez que não contempla a explicação formal da variação e a ambiguidade na complementação dessas estruturas nas línguas naturais.

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Lima-Salles e Pilati (2014, p.216) explicam que, embora presente em outros contextos sintáticos, o infinitivo flexionado é ausente nas construções causativas nos séculos XVI ao século XIX. Isso se deve ao fato de que o “padrão V2 vigente até o século XIX (e a consequente restrição à ordem SV no português) restringiu a ocorrência da causativa com infinitivo flexionado”.

Quadro 2 - Causativas em Línguas Românicas

Fonte: a autora