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4.2 VoiceP – O Lugar do Argumento Externo

4.2.1 Parâmetro Agregação de VoiceP

Pylkkänen assume a definição de causatividade como uma relação entre dois eventos (PARSONS, 1990), em que

(8) a. John melted the ice.

b. ‘John foi o agente de algum evento que causou o derretimento do gelo.’ (PYLKKÄNEN, 2008, p. 86)

Assim, é mostrado que na sentença causativa há uma relação de causação entre o evento de causação e o evento causador e uma relação temática entre o evento de causação e o elemento que se realiza como argumento externo. Combinando essa interpretação com a proposta de Voiceº como núcleo introdutor do argumento externo (KRATZER, 1996), a autora apresenta a árvore sintática em (9). Nesta representação, o núcleo Cause se junta com o VP apresentando o evento causado, e o núcleo Voiceº, por sua vez, introduz o agente do evento da causação. Mais à frente no texto, veremos que a estrutura argumental da sentença pode ser alternada a partir da proposta de agregação de Voiceº e Causeº.

Como visto, o núcleo de VoiceP é projetado para introduzir o argumento externo. Sendo assim, se não há argumento externo não haverá projeção de Voiceº. Nessa perspectiva, a autora propõe a existência de causativas sem argumento externo, logo sem VoiceP. Na análise bieventiva (evento da causação e evento causado), VoiceP pode ser separado de CauseP. Esse aspecto é constatado nas causativas com verbos inacusativos, como exemplificado em (10), implicando assim evento de causação sem argumento externo, existentes no Japonês e no Finlandês.

A configuração em (10) representa uma estrutura que projeta CauseP, mas não projeta VoiceP, evidenciando que esses núcleos podem ser projetados separadamente. Essa descrição, segundo a autora, é aplicada às chamadas causativas lexicais de adversidade em Japonês e as construções desiderativas em Finlandês. Nas causativas com a interpretação de adversidade, o argumento nominativo é interpretado como argumento afetado pelo evento descrito pelo verbo não causativo, não como o causador do evento, o que gera ambiguidade de interpretação, em (11).

(11) Taroo-ga musuko-o sin-ase-ta

Taro-NOM filho-ACC morrer-CAUS-PAST (i) “Taro fez seu filho morrer”

(ii) “O filho de Taro morreu em detrimento de Taro” (causativa de adversidade) (PYLKKÄNEN, 2008, p. 90)

As causativas de adversidade mostram um evento de causação sem a presença de um agente causador. Para explicar essa relação, a autora evidencia que essa construção apresenta um argumento nominativo que não é argumento externo e que não é agente. Não há um argumento evento implícito. Mostra também que, embora a interpretação causativa não seja óbvia, ela apresenta uma leitura semântica de causativização.

Para comprovar essas propriedades, é tomada a generalização de que sentenças com sujeitos derivados não aceitam voz passiva (PERMULTER e POSTAL, 1984). Diante disso, a autora faz as seguintes predições:

a) Se o argumento nominativo afetado nas causativas de adversidade for um argumento externo, a passivização seria possível e um sentido de argumento afetado implícito seria introduzido.

b) Se esse argumento for um sujeito derivado, a passivização faria a interpretação de adversidade desaparecer.

Esse teste mostra, conforme exemplificado em (12), que se trata de uma estrutura que não aceita passivização, logo não apresenta um argumento externo implícito. Seu argumento nominativo não é argumento externo, é sujeito derivado.

(12) musuko-ga sin-ase-rare-ta

filho-NOM morrer-CAUS-PASS-PAST

(ii) * “O filho de alguém foi morto em detrimento desse alguém” (argumento afetado implícito) (PYLKKÄNEN, 2008, p. 90)

A construção causativa de adversidade é comparada à construção passiva de adversidade, para comprovar que a causativa tem uma leitura semântica de causação que é ausente na construção passiva, exemplicado em (13).

(13) Taroo-ga musuko-ni sin-are-ta

Taro-NOM filho-DAT morrer-PASS-PAST

“O filho de Taro foi morto em detrimento de Taro” (passiva de adversidade) (PYLKKÄNEN, 2008, p. 91)

Embora as construções se assemelhem, a passiva não tem uma morfologia causativa. Ao acrescentar o sintagma posposicional que introduz uma especificação de evento causativo ni-yotte (similar à estrutura by-phrase do Inglês), a causativa de adversidade expõe o evento de causação, o que não acontece com as causativas passivas, conforme exemplificado em (14a e 14b).

CAUSATIVA DE ADVERSIDADE + PP EVENTO DA CAUSAÇÃO

(14a) Taroo-ga sensoo-ni.yottemusuko-o sin-ase-ta

Taro-NOM guerra-por filho-ACC morrer-CAUS-PAST

“O filho de Taro foi morto em detrimento de Taro pela guerra” PASSIVA DE ADVERSIDADE + PP EVENTO DA CAUSAÇÃO

(14b) * Taroo-ga sensoo-ni.yotte musuko-ni sin-are-ta

Taro-NOM guerra-por filho-DAT morrer-PASS-PAST

“O filho de Taro morreu em detrimento de Taro pela guerra” (PYLKKÄNEN, 2008, p. 91)

Além da constatação acima, o sintagma posposicional referido tem a propriedade de especificar um argumento implícito. Assim, esse sintagma será aceito em construções passivas e não será aceito em construções com verbos inacusativos, estas não apresentam argumento implícito ou evento de causação implícito.

Outra propriedade desse sintagma (ni-yotte) é modificar argumento evento. A autora mostra que causativa de adversidade tem um argumento evento implícito que a passiva de adversidade não tem. Esse argumento evento implícito, no entanto, não é argumento externo. Se assim o fosse, o sintagma preposicional seria capaz de especificar não somente o

evento de causação, mas também o participante do evento. Se esse sintagma especificar esse participante, a sentença torna-se agramatical, como mostrado no exemplo em (15).

(15) CAUSATIVA DE ADVERSIDADE + PP INDICANDO O AGENTE *Taroo-ga Hanako-ni-yotte musuko-o sin-ase-ta.

Taro-NOM Hanako-por filho-ACC morrer-CAUS-PAST

“O filho de Taro morreu em detrimento de Taro por Hanako” (PYLKKÄNEN, 2008, p. 92)

Em relação a esse teste, pode-se concluir que o sintagma posposicional ni-yotte modifica o evento da causação e o participante do evento nas construções passivas de adversidade, ao passo que nas causativas de adversidade apenas o evento de causação é modificado, uma vez que o participante não é existente.

O que foi até aqui exposto mostra que a causativa de adversidade envolve um núcleo causativo que introduz um evento de causação, mas não introduz o argumento externo. Como o núcleo Voice não foi projetado, não há argumento externo. Isso justifica a análise bipartida proposta em que o Núcleo Voice pode ser separado do Núcleo Cause.

Como mais um suporte a favor desse fato linguístico, a autora mostra que em Finlandês, há estruturas causativas que projetam núcleo Cause e não apresentam Voice. A causativização de verbo inergativo resulta em construção causativa sem a introdução de argumento novo na sintaxe, com um argumento pré-verbal, partitivo e com sentido desiderativo. Da mesma forma que as causativas de adversidade em Japonês, as construções causativas desiderativas não apresentam um sentido causativo óbvio, mas permitem uma leitura semântica de causatividade, conforme exemplificado em (16)

(16) Maija-a laula-tta-a

Maija-PART cantar-CAUS-3.SG

“Maija sente vontade de cantar” (PYLKKÄNEN, 2008, p. 86)

A autora explica que o argumento partitivo não é argumento externo e sim um sujeito derivado. A explicação parte do fato de esse argumento apresentar caso partitivo. Em Finlandês, geralmente o objeto do verbo é partitivo, quando o evento é descrito por um verbo estativo, o qual apresenta uma interpretação de tempo presente não habitual.

Como a construção desiderativa apresenta essa mesma interpretação para o presente, a autora assume que a causativa desiderativa é estativa, apresenta um argumento pre-verbal partitivo, sendo que o caso desse objeto é retido pelo sujeito derivado, como ocorre

na forma passiva de um verbo estativo, exemplificado em (17). Esse contexto sintático mostra que o argumento partitivo exibe as propriedades de um sujeito derivado.

(17) Pekka-a rakaste-ta-an. Pekka-PART amar-pass-agr

‘Pekka é amada.’ (PYLKKÄNEN, 2008, p. 96)

Cabe acrescentar que, em Finlandês, o argumento externo pode ser licenciado no caso partitivo, mas somente com nomes plurais ou incontáveis (mass nouns), sendo agramatical com nomes no singular. Isso evidencia que o elemento partitivo representado por um nome no singular não é argumento externo.

Outro ponto a favor da ausência do argumento externo nas causativas desiderativas é a impossibilidade, em geral, de o partitivo não poder ser um sujeito experienciador. Isso é demonstrado a partir do verbo like que seleciona um objeto ‘elative’ e um argumento externo nominativo experienciador. Como o experienciador partititivo nas causativas desiderativas é agramatical, prova-se que há propriedades diferentes nessa construção, tal como o argumento partitivo não ser argumento externo, por isso não funciona como experienciador. Tal situação é arrolada nos exemplos a seguir.

(18) a. Minä pidän sinu-sta. Eu.nom gostar você-ela ‘Eu gosto de você.’

b. Sinu-sta pide-tä-än. Você-ela gostar-PASS-AGR ‘Você é gostar (particípio).’

c. *Minu-a pidä sinu-sta. Eu.PART gostar você-ela ‘Eu gosto de você.’ (PYLKKÄNEN, 2008, p. 97)

A autora evidencia também que as causativas desiderativas, da mesma forma que as causativas de adversidade, têm um argumento implícito que não é argumento externo. Isso é mostrado pelo fato de o evento de causação introduzido pelo morfema causativo poder ser questionado nas causativas desiderativas e não poder ser nas construções que expressam desejo somente. Esse argumento implícito não é um argumento externo, posição essa fundamentada, uma vez que a sentença se torna agramatical quando se levanta pergunta que

se refere ao participante do evento e não ao evento em si. Observe o exemplo em (19), a seguir:

(19) *Minu-a naura-tta-a mutt-en tiedä kuka.

Eu-PART sorrir-CAUS-3SG mas-não.1SG saber quem.NOM ‘Algo me faz sorrir mas eu não sei quem (me faz sorrir),’

(PYLKKÄNEN, 2008, p. 98)

A descrição das causativas de adversidade do Japonês e as causativas desiderativas do Finlandês explicitam que os elementos funcionais Cause e Voice são independentes um do outro. Para Pylkkänen (op. cit), no estabelecimento de uma teoria forte, essa separação seria universal e CauseP não introduz argumento externo, uma vez que essa função é própria do VoiceP.

Ademais, é proposto também que Voiceº e Causeº podem ser agrupados em um morfema no léxico de uma língua particular, formando uma unidade sintática, como ocorre no Inglês, exemplificado em (20). Esse sincretismo seria similar ao formado por Tense e

Agreement nas línguas que não tem Infl cindido.

(20) a. Mary broke the glass.

(PYLKKÄNEN, 2008, p. 100)

Em resumo, a autora parametriza essas categorias da seguinte forma:

I. Núcleos distintos: As línguas podem apresentar o núcleo Cause e o núcleo Voice em morfemas distintos, com Cause introduzindo o evento de causação e Voice introduzindo o argumento externo. Presença do argumento externo é facultativa.

II. Núcleos agregados: As línguas podem apresentar o núcleo Cause e o Núcleo Voice sincretizados em um único morfema. Presença do argumento externo é obrigatória.

Apresento a seguir as possibilidades de complementação do núcleo causativo, de acordo com essa proposta de análise.