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O conflito entre Despesas Financeiras e o Gasto Social/ Investimento do Governo Federal

Capítulo 1 Política econômica versus política social: onde está o conflito?

1.2. A disputa entre Gasto social federal, Investimento e Despesas financeiras

1.2.2. O conflito entre Despesas Financeiras e o Gasto Social/ Investimento do Governo Federal

No período 1995-1998 (1ª fase), que corresponde ao primeiro mandato de FHC, o patamar inicial da dívida pública era relativamente baixo e uma conjugação de fatores externos positivos não impôs a necessidade de uma contração fiscal (no conceito primário), isto garantiu certa estabilidade no patamar do GSF e das despesas financeiras da União. Segundo Castro et.al. (2008) houve uma estabilidade na prioridade de alocação orçamentária dos recursos públicos federais na área social e financeira, com o GSF ficando em torno de 60% e as despesas financeiras em 20% da despesa efetiva nos três primeiros anos de mandato.

Todavia, o aumento da relação Dívida/PIB, especialmente do endividamento interno, provocado pelos recorrentes déficits nominais (e primário em 1996 e 1997) no período, dá sinais de que a situação fiscal não era sustentável (LOPREATO, 2006). A crise da Ásia e a reversão do ciclo de liquidez internacional provocaram um forte aumento da Selic e a explosão dos gastos financeiros. No último ano do governo FHC I, o déficit nominal foi de quase 7% do PIB e a relação Dívida/PIB atinge 39%.

No que tange aos itens de despesas do Governo Federal sob análise, o gasto social cresceu em relação ao PIB e relativamente no total da despesa efetiva da União entre 1995 e 1997, o mesmo ocorreu com as despesas de investimento, já os encargos financeiros se mantiveram estáveis, com leve queda nos três primeiros anos do Plano Real (gráficos 1.8 e 1.9). Em 1998, a crise da economia brasileira reduziu a participação relativa do gasto social (de 60% para 55,6% da despesa efetiva), embora este tivesse crescido em relação ao PIB, já que a economia não cresceu enquanto que o GSF aumentou em 7,8%, em valores reais. Novamente, os investimentos da União apresentaram a mesma trajetória do gasto social: aumento em relação ao PIB e redução da participação relativa na despesa efetiva. Os efeitos da crise provocaram um salto das despesas financeiras do governo federal que passou de 19,5% da despesa efetiva total em 1997, para 26,2% no final do ano seguinte.

A expansão deste último elemento de despesa, cujo crescimento foi bastante forte em relação ao PIB (cerca de 50%) e na participação na despesa efetiva total da União (32%) entre os anos de 1995 e 1998, é que comprimem a participação relativa do gasto social e do investimento. As despesas sociais da União crescem 6% em relação ao PIB (0,7

p.p.) e 19,71% em valores reais, porém a sua participação relativa na despesa efetiva do governo federal diminui em 6%. Os gastos de investimento, por sua vez, crescem em proporção do PIB (26%) nesta 1ª fase do Plano Real.

A explicação é a inexistência de resultados primários positivos neste primeiro período, o que não colocava fortes restrições ao gasto social e ao investimento. No entanto, o aumento dos déficits e da dívida pública provocou um crescimento expressivo das despesas financeiras da União, em proporção superior às demais despesas. Assim, a solução foi a expansão da carga tributária federal e da despesa efetiva como um todo para fazer frente ao crescimento dos encargos financeiros.

Na segunda fase da política econômica pós-plano Real, houve um enrijecimento da política fiscal, onde a obtenção de superávits primários expressivos tinha como objetivo conter os desequilíbrios nas contas públicas provocados pelas altas taxas de juros e pela volatilidade cambial, visando conter a relação Dívida/PIB. No entanto, a âncora fiscal do regime macroeconômico adotado após 1999 não conseguiu eliminar o déficit nominal e o crescimento da dívida pública, cuja causa-raiz era os elevados encargos da dívida (juros e amortizações), já a evolução do gasto social federal (GSF) teve crescimento real e em proporção do PIB, mas ano a ano perde importância relativa na despesa efetiva total da União.

No governo FHC II, o GSF cresce 6,7% em relação ao PIB, porém houve uma queda no último ano de mandato frente à crise econômica deflagrada pelo processo eleitoral. Em relação à inflação, o GSF teve um ganho real em todos os anos, acumulando uma alta 18,5%, porém inferior ao crescimento real observado no primeiro mandato. No entanto, a participação relativa do GSF na despesa efetiva total da União teve trajetória decrescente, pois a expansão do GSF foi bem menor do que crescimento das despesas financeiras, provocando uma queda da participação relação do GSF de quase 6%, enquanto que a participação relativa das despesas financeiras cresceu 7,4%.

As despesas de investimento variaram bastante no período 1999 a 2002. No primeiro ano, houve forte contração em relação ao exercício anterior; nos dois anos seguintes, houve um aumento deste tipo de gasto tanto em relação ao PIB, como na participação relativa na despesa efetiva total da União; no último ano, houve nova contração dos investimentos em virtude da crise econômica provocada pela tensão do

período eleitoral. Esta redução dos investimentos em 2002, fez com que o patamar deste gasto no PIB retornasse ao nível próximo de 1999 (pouco superior), contudo, em relação às despesas efetivas, as despesas de investimento perderam participação relativa no segundo governo FHC.

A preservação do GSF e do investimento em relação ao PIB, concomitante a uma expansão ainda maior das despesas financeiras da União, que atinge 8,4% do PIB em 2002, é mais uma vez explicada pelo aumento das despesas totais em relação ao PIB, sustentado por uma carga tributária cada vez maior em todo o período. No entanto, este aumento está mais direcionado ao pagamento dos encargos financeiros, provocados pela combinação de juros elevados e por um estoque de dívida crescente, mesmo com os elevados superávits primários, conforme foi visto na seção anterior.

O governo Lula se inicia sob crise econômica intensa, com desvalorização cambial, aceleração da inflação e crescimento da dívida pública. No entanto, os desequilíbrios provocados pelas políticas monetária e cambial não foram enfrentados pelo novo governo, que preferiu ampliar a liberalização financeira e o arrocho fiscal. Assim, a gestão Lula estabelece o compromisso de manutenção desse regime macroeconômico: eleva o superávit primário, aplicando uma severa contenção nos gastos; dá continuidade ao crescimento da carga tributária; e mantém a política monetária dura, com taxas de juros elevadas, de modo a deixar clara a austeridade da política econômica (LOPREATO, 2006; CASTRO, RIBEIRO E DUARTE, 2007).

As medidas adotadas no primeiro ano do governo Lula resultaram em um crescimento econômico de apenas 1% (gráfico 1.3) e no crescimento das despesas com juros nominais que atingem 8,5% do PIB (tabela 1.1). Neste ano, o GSF manteve-se estável em relação ao PIB e em termos reais. O patamar de investimento desceu ao menor nível de todo o período (1995-2005), indicando a direção dos cortes dos gastos. Já as despesas financeiras da União em relação ao PIB cresceram 2,4% em relação ao ano anterior, resultado do aumento das taxas de juros. Logo, o gráfico 1.9 mostra a forte queda da participação relativa do investimento em relação à despesa efetiva da União, enquanto as despesas financeiras continuaram crescentes e o GSF iniciava uma leve recuperação. Além do corte dos investimentos para ampliar o resultado primário, houve também um aumento da carga tributária para financiar as despesas financeiras e o GSF.

Nos dois anos seguintes, o cenário internacional contribuiu para melhorar o desempenho da economia brasileira e para a redução das taxas de juros (até setembro de 2004 – gráfico 1.3). Com os juros em patamares menores e com o câmbio mais valorizado, a relação Dívida/PIB diminuiu, especialmente a dívida externa (tabela 1.2), já as despesas com juros nominais também decresceram, enquanto que os superávits primários registrados permaneceram em patamares elevados (tabela 1.1).

Segundo Biasoto (2004), o forte ajuste fiscal no primeiro ano de mandato, aliado a uma conjuntura internacional favorável, permitiu uma gradativa redução das taxas de juros, com impacto imediato na redução das despesas financeiras do governo. Este efeito, aliado à elevação da arrecadação, garantiu não só a manutenção de elevado superávit primário, mas também uma redução do déficit nominal, dada a combinação de juros menores e resultados primário maiores.

Por sua vez, o GSF se expande em relação ao PIB (quase 0,8 p.p.) e também em valores reais, cujo crescimento foi da ordem 9% a.a. em 2004 e 2005. Mesmo com o elevado superávit primário, o gasto social conseguiu se expandir, já que os cortes tiveram menor intensidade na área social em relação às outras despesas não-financeiras. O investimento público também aumenta sua participação no PIB e na despesa efetiva total da União nestes dois anos, embora o patamar deste tipo de gasto permaneça bastante baixo, indicando que o arrocho fiscal do governo Lula afetou este tipo de gasto.

Dessa maneira, os exercícios de 2004 e 2005 revelam que a disputa entre as despesas financeiras da União, de um lado, e o gasto social e de investimento, do outro, continua evidente, só que agora na direção contrária: o primeiro tem sua participação relativa reduzida, enquanto os dois outros gastos tiveram aumento em relação à despesa efetiva total do governo federal. Ou seja, a razão para esta recuperação da participação do gasto social em relação à despesa efetiva da União, bem como do investimento, se deve à redução das despesas financeiras.

O conflito não está dentro das despesas não-financeira, isto é, entre gastos social

versus investimento, onde para aumentar o segundo é necessário conter o primeiro. Os

dados de 2004 e 2005 mostram que estas duas despesas cresceram juntas, quando as despesas financeiras cederam. Logo, é evidente que o conflito é entre despesas financeiras

versus despesas não-financeiras (social e investimento) e para que estas últimas cresçam, é

necessário reduzir os gastos com juros.

Por fim, cabe analisar o nível destas despesas (GSF, investimento e despesas financeiras) nos períodos correspondentes aos três mandatos de Presidente da República. A tabela 1.6 abaixo mostra estes dados e permite fazer relações com as políticas macroeconômicas adotadas por estes governos e com a conjuntura internacional predominante nestes períodos.

Tabela 1.6 – Nível do gasto social (GSF), dos investimentos e das despesas financeiras, em cada período de governo (fase da política econômica pós-Real)

Média do gasto, segundo tipo, em % PIB

Participação Média do gasto na Desp. Efetiva da União

(em %)

GSF Desp. Fin. Invest. GSF Desp. Fin. Invest. FHC I (1995-1998) 11,28 4,00 0,75 58,8% 20,6% 3,9%

FHC II (1999-2002) 12,43 7,65 0,83 51,4% 31,5% 3,4%

Lula (2003-2005) 13,07 7,53 0,58 53,7% 30,9% 2,4% Fonte: Secretaria da Receita Federal, Disoc/IPEA e STN/MF. Construído pelo autor, a partir das tabelas 1.4 e 1.5.

No primeiro governo FHC, a manutenção dos juros reais em patamares elevados e a ausência de superávits primários provocaram elevados déficits nominais, mas o patamar baixo da dívida pública, apesar de crescente, manteve o comprometimento de recursos com os encargos da dívida em cerca de 20%, na média, o que representava 4% do PIB. No entanto, o arranjo fiscal e o modelo econômico adotado provocariam, inexoravelmente, uma expansão destas despesas, quando o cenário internacional se tornasse desfavorável. Já o gasto social federal representava 11,3% do PIB e quase 59% da despesa efetiva da União, sendo o menor patamar médio em relação ao PIB e o maior em relação à despesa efetiva, tal diferença é explicada pela trajetória crescente da despesa efetiva total do governo federal.

Esta expansão geral das despesas efetivas do governo federal explica o comportamento dos tipos de gasto no segundo governo FHC, pois todos eles cresceram em relação ao PIB quando comparado com os patamares médios do período anterior. Todavia, o crescimento das despesas financeiras foi proporcionalmente superior aos outros gastos não-financeiros (GSF e investimento), o que reduziu a participação relativa destes últimos em relação à despesa efetiva total. Isto explica o fato dos gastos sociais e em investimento

do governo federal terem, de um lado, crescido em relação ao PIB e, de outro, terem suas participações relativas na despesa efetiva total reduzidas na média do período.

O salto das despesas financeiras se deve ao regime macroeconômico, que passou a ser utilizado em junho de 1999, após uma crise cambial, onde a taxa de juros elevadas tinha o duplo papel de conter a demanda e as flutuações do câmbio, a fim de que as metas de inflação fossem alcançadas. As elevadas despesas com juros eram, em parte, compensadas pelos significativos superávits primários, mesmo que insuficientes para evitar os recorrentes déficits nominais e o aumento da Relação Dívida/PIB, portanto os resultados primários positivos funcionaram como uma “máquina de enxugar gelo”. No entanto, cabe ressaltar que estes superávits foram alcançados principalmente pelo aumento da carga tributária geral e, em maior grau, do governo federal, o que permitia a expansão concomitante dos GSF e do investimento em relação ao PIB e em valores reais.

Nos três primeiros anos do governo Lula26, os resultados primários foram ainda maiores e as taxas de juros tiveram trajetória decrescente no período, o que reduziu os déficits nominais nos anos de 2004 e 2005 e a relação dívida/PIB, em um cenário internacional favorável. Com isso, as despesas financeiras tiveram uma pequena redução, tanto em relação ao PIB, como em participação na despesa efetiva da União. Esta redução abriu espaço para a expansão dos dois outros tipos de gasto, entretanto, apenas um deles aumenta: o GSF, o qual continua sua trajetória crescente em relação ao PIB e recupera, em parte, a sua participação relativa no total da despesa efetiva do governo federal. Por sua vez, o nível médio das despesas de investimento cai significativamente durante o governo Lula, nas duas medidas, devido à queda observada em 2003, o que revela a direção dos cortes necessários para obtenção dos superávits primários recordes, especialmente em momentos de crise. Portanto, nos três primeiros anos do governo Lula é possível verificar uma expansão mais forte do gasto social, que foi permitida pela redução dos encargos com a dívida.

Após a análise de todo o período (1995-2006), conclui-se que há uma relação inversa entre as despesas financeira (encargos da dívida) e não-financeira (que abrange o

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O governo Lula não está completo, pois os dados do exercício de 2006 ainda não foram divulgados até a conclusão deste trabalho. Em Chaves e Ribeiro (2008), pesquisadores da Disoc/IPEA, publicaram a relação GSF/PIB em 2006, que foi de 14,57% (tabela 3 acima), o que indica que a tendência de ampliação deste gasto se manteve e em ritmo mais forte até o final do primeiro mandato do presidente Lula.

gasto social e o investimento), onde a primeira predomina e subordina a segunda, ou seja, quando o cenário macroeconômico implica em aumento das despesas financeiras, os gastos não-financeiros ficam congelados; por outro lado, quando as despesas financeiras cedem, abre-se espaço para o crescimento do gasto social e do investimento. Portanto, o conflito entre gasto social e investimento só pode ser comprovado empiricamente, caso as despesas financeiras não sejam incluídas na análise, já que dentro das despesas não-financeiras, o investimento acaba funcionando como variável de ajuste, pois este tipo de gasto é menos protegido e, portanto, mais suscetível a cortes. Por sua vez, o gasto social possui vinculações de receitas (educação e saúde) e também depende de direitos adquiridos e de fatores demográficos (previdência privada e pública) que impedem cortes profundos neste gasto, mas sua expansão também foi restringida pelo ajuste fiscal, que virou a âncora do modelo econômico após 1999. Portanto, a reorientação da política macroeconômica é condição fundamental para o aumento dos níveis de investimento público e para a construção de uma estratégia de desenvolvimento social capaz de fazer frente ao tamanho da pobreza e da desigualdade no Brasil, o que implica necessariamente em ampliação do gasto social federal.

Em suma, o atual modelo econômico impõe limites e condiciona o gasto social, pois: (a) coloca a política fiscal como fiadora da relação Dívida/PIB, pois cabe a ela produzir elevados superávits primários, com o intuito de reduzir os déficits nominais provocados pelos elevados encargos financeiros; (b) fragiliza as bases financeiras do Estado, ampliando o comprometimento com despesas financeiras que, por sua vez, reduz a participação relativa do gasto social federal na despesa efetiva total; (c) a necessidade de obtenção de elevados superávits coloca restrições à expansão do gasto público, ao mesmo tempo em que eleva a carga tributária, cujo aumento foi direcionado ao pagamento das despesas financeiras, que cresceram em proporção superior aos demais itens; (d) por fim, o ajuste fiscal afeta o investimento e também o gasto social federal, cujos limites impostos à área social poderão ser constatados com mais força, quando o gasto social é desagregado por área de atuação.

1.3. Evolução do Gasto Social Federal, por área de atuação: o que sustentou o