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Evolução do Gasto Social Federal, por área de atuação: o que sustentou o crescimento em relação ao PIB?

Capítulo 1 Política econômica versus política social: onde está o conflito?

1.3. Evolução do Gasto Social Federal, por área de atuação: o que sustentou o crescimento em relação ao PIB?

O objetivo aqui é verificar quais áreas sociais tiveram aumento do gasto federal em relação ao PIB e, por outro lado, se houve alguma área onde esta trajetória foi diferente. Por questão de espaço, optou-se por analisar as principais áreas de atuação social da União, a saber: Previdência Social (51,0%); Benefícios a Servidores (17,0%); Saúde (11,0%); Assistência Social (6,0%); e Educação (6,0%). Juntas, essas cinco áreas absorvem cerca de 90% do GSF no período de 1995 a 2005 (CASTRO et.al., 2008).

Através do gráfico 1.10, é possível verificar o comportamento das diferentes áreas de atuação social durante o período entre 1995 e 2005. Das áreas analisadas, apenas a Previdência Social e Assistência Social aumentaram a sua participação em relação ao PIB, enquanto as demais áreas apresentaram trajetória descendente.

Gráfico 1.10 - Evolução do GSF/PIB, por área de atuação. Período: 1995-2005

0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 Previdência Social 4,98 5,25 5,15 5,76 5,75 5,77 6,00 6,08 6,52 6,65 7,00 Benefícios aos Servidores 2,46 2,28 2,35 2,46 2,48 2,47 2,58 2,57 2,38 2,31 2,29 Saúde 1,79 1,53 1,67 1,58 1,69 1,70 1,71 1,68 1,58 1,62 1,59 Educação 0,95 0,80 0,74 0,79 0,78 0,87 0,83 0,76 0,71 0,73 0,77 Assistência Social 0,08 0,09 0,17 0,24 0,29 0,40 0,49 0,60 0,66 0,75 0,83 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: Disoc/IPEA apud Castro et. al. (2008).

As razões para a trajetória crescente das primeiras despesas são distintas. O gasto previdenciário cresceu em função do aumento real do salário mínimo no período, em torno de 60% (CASTRO, RIBEIRO e DUARTE, 2007, p.4), uma vez que parte significativa dos benefícios corresponde ao patamar mínimo, que está vinculado ao valor do salário mínimo

nacional. Fatores demográficos também explicam a expansão do gasto em previdência, pois o número de benefícios aumenta, mesmo com a reforma do sistema, que aumentou a idade mínima e os anos exigidos de contribuição. Já a expansão da Assistência Social ocorreu devido à ampliação da política, com a criação dos programas de transferência de renda a partir dos anos 2000, com forte expansão do número de benefícios e do montante transferido durante a gestão Lula e, antes disso, com a implementação dos Benefícios de Prestação Continuada da LOAS - para idosos excluídos do sistema previdenciário e pessoas portadoras de necessidades especiais - que trouxe para o âmbito da política de Assistência Social um número enorme de novos beneficiários antes desprotegidos – o número de beneficiários do BPC cresceu de 346 mil para 2,2 milhões no período analisado (IPEA, 2007 apud Castro, Ribeiro e Duarte, 2007: 6). Com trajetória crescente em todo o período, o gasto federal com Assistência Social ultrapassou o montante destinado à Educação pela União no último ano da série.

Por sua vez, as demais despesas sociais analisadas tiveram queda na sua participação do PIB, também por diferentes razões. O gasto com Benefício a Servidores, que corresponde basicamente à previdência do setor público, apresentou trajetória crescente até 2002, com queda no ano seguinte e manutenção do patamar nos dois últimos anos da série. Segundo Castro e Cardoso Jr. (2005), a razão para a expansão deste gasto de 1996 a 2002 se deve ao que os autores chamaram de “corrida preventiva”, que traduz movimento de antecipação das aposentadorias, mesmo que proporcional, pois os servidores temiam perda de direitos com a reforma da previdência. Após a conclusão da reforma em 2003, estes gastos diminuem e mantêm-se estáveis até final do período analisado.

Já as políticas de saúde e educação acumularam perdas significativas em relação ao PIB de, respectivamente, -11% e -19%. Portanto, conclui-se que o crescimento do GSF sobre o PIB foi garantido graças às despesas com previdência e pelo aumento dos recursos federais destinados à ampliação da política de Assistência Social. Já as quedas em relação ao PIB nas áreas de Educação e Saúde são explicadas pelas restrições orçamentárias colocadas pela política macroeconômica, que afeta mais fortemente as políticas sociais universais e com competências partilhadas com as demais esferas de governo.

O raciocínio é simples: apesar do caráter reducionista das reformas da previdência, é difícil conter a expansão deste gasto no curto-prazo, bem como não é possível repassar a

responsabilidade deste gasto para outras esferas de governo, desta forma, o gasto federal com previdência aumenta; já o aumento no gasto da União com assistência se deve à expansão dos programas de transferência de renda, portanto não há caráter reducionista, mas este tipo de gasto também está concentrado na esfera federal; por outro lado, as políticas de educação e saúde, mesmo contando com vinculação de receitas dos três níveis de governo, com o intuito de garantir recursos cativos para o financiamento destas políticas27, tiveram redução no percentual do orçamento federal destinado a elas, pois a oferta das mesmas era uma atribuição prioritária dos governos subnacionais e; portanto, os governos estaduais e, principalmente, os municípios poderiam ampliar sua participação no financiamento destas políticas, permitindo à União restringir o volume de recursos próprios destinados às áreas em questão.

A redução da participação da União no financiamento das políticas de educação e saúde foi possibilitada pela alteração da Constituição, sob a justificativa de que esta medida era um pré-requisito para se obter a estabilidade econômica. A Emenda Constitucional nº. 01/1994 instituiu medidas preparatórias para a implantação do Plano Real e, dentre elas, criou o Fundo Social de Emergência (FSE), que nas suas edições posteriores, passou a ser chamado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e que agora é chamado de Desvinculação de Recursos da União (DRU). O objetivo destas medidas era viabilizar a utilização de parte dos recursos vinculados às políticas sociais (20%), desviando recursos da educação e do orçamento da seguridade social (OSS), com o intuito de garantir a obtenção dos elevados superávits primários e para garantir os pagamentos das despesas financeiras (FAGNANI, 2005; VAZQUEZ, et. al., 2004). Com isso, 20% das receitas vinculadas à educação e à seguridade social (que inclui a saúde, disputando recursos com a previdência e a assistência social) seriam extraídas antes da vinculação, ou seja, os percentuais vinculados incidiriam sobre 80% da arrecadação destas fontes.

De acordo com Fagnani (2008, p. 32), o FSE resultou em um aumento de 5% na carga tributária e, ao mesmo tempo, desvinculou receitas constitucionais garantidas aos

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A vinculação de receitas para o financiamento da educação surge pela primeira vez na Constituição de 1934, suprimida pela ditadura e reinstituída desde a Emenda Calmon, em 1983, a qual teve os percentuais ampliados pela Constituição de 1988. Já para o financiamento da Saúde, que está dentro do sistema de seguridade social, existem as contribuições sociais - com destaque para a antiga CPMF, vigente até 2007 – cujas competências tributária e financeira são da União, bem como a Emenda Constitucional n. 29, em 2000, estabeleceu o aumento dos gastos federais em saúde em proporção à expansão do PIB e também a vinculação de recursos de Estados e Municípios para a área da saúde.

Estados e municípios (15% do FPE e FPM) e aos programas sociais do governo federal (20% da arrecadação de impostos e contribuições federais). A partir de 2000, com a DRU, a redução na base de cálculo para as transferências de recursos para estados, Distrito Federal e municípios, bem como para fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste foi retirado do texto, mantendo-se as demais desvinculações. Conforme os cálculos de Gentil e Maringoni (2008), os valores desviados pela DRU representam um montante total de R$ 152 bilhões, quando somados os resultados do período entre 2000 e 2007.

Além do desvio de receitas vinculadas à área social, outros fatores colaboraram para a redução do gasto federal nas áreas de educação e saúde em relação ao PIB. Para a área da Saúde, Castro et.al. (2008) afirmam que “a Emenda Constitucional n. 29, que vincula recursos para o financiamento das políticas de Saúde, enfrenta tamanha ambigüidade na sua implementação, que não foi suficiente para evitar a queda nos gastos do setor nos primeiros anos do Governo Lula” (p.15). No caso da educação, os autores destacam o contingenciamento de recursos, através compressão salarial do funcionalismo público vigente na gestão FHC e recolocada no primeiro ano da gestão Lula, já que o governo federal atua diretamente na oferta do ensino superior. Além disso, no financiamento da educação básica também é possível destacar a reduzida participação da União na complementação de recursos do Fundef que, de acordo com Vazquez (2007), é um caso exemplar dos efeitos do ajuste fiscal.

A hipótese é que a redução do gasto federal nas políticas sociais universais (educação e saúde) em proporção do PIB está fortemente relacionada à desvinculação de recursos da União (DRU), com o objetivo de sanear as contas públicas e estabilizar a trajetória da relação dívida/PIB, cuja estratégia macroeconômica foi descrita na parte 1.1. deste capítulo. Esta desvinculação é utilizada para garantir recursos suficientes para o ajuste fiscal, a fim de fazer frente às despesas financeiras da União, ou seja, com os gastos em juros e amortizações, conforme vimos na parte 1.2. Com isso, os cortes são direcionados para as despesas não-financeiras, isto é, para investimentos e custeio, inclusive para a área social, com destaque para a redução da participação do gasto federal nas áreas de educação e saúde, ambas de caráter universal e de competência partilhada com as esferas subnacionais de governo, conforme vimos nesta última parte do presente capítulo.

Contudo, a desvinculação de recursos da União e a redução dos gastos federais não explicam integralmente as mudanças nas políticas de educação e saúde. Diante das restrições colocadas ao orçamento da União, buscou-se ampliar a responsabilidade dos governos subnacionais, especialmente dos municípios, em relação ao financiamento e à oferta destas políticas, para tanto foram instituídos novos mecanismos institucionais para estimular a oferta descentralizada e de direcionamento dos recursos destas esferas para o financiamento da educação e saúde, enquanto os recursos federais destinados a estas áreas diminuíram, conforme demonstrado no presente capítulo.

Esta ampliação da participação das esferas subnacionais no financiamento e na gestão destas políticas seria obtida a partir de uma estratégia de regulação federal, com o intuito de estabelecer um padrão nacional de atuação, definir os incentivos corretos para obter a adesão dos municípios e coordenar a execução local dos programas definidos como prioritários pelo governo federal. Não se trata apenas de uma estratégia do governo federal em se livrar de certas despesas ao transferir encargos aos municípios, ao contrário, é possível identificar um esforço em ampliar o acesso aos programas e reduzir as desigualdades no plano nacional, mas também será possível constatar empiricamente os constrangimentos fiscais colocados ao financiamento de educação e saúde, especialmente em relação aos recursos federais que deveriam ser aplicados nestas áreas.

A ampliação da regulação federal implicou, em contrapartida, na redução da autonomia alocativa dos governos municipais, o que trouxe mudanças nas relações intergovernamentais, nos desenhos e nas regras de financiamento das políticas em análise. Sem dúvida, um pré-requisito foi a prévia recuperação da capacidade fiscal e regulatória da União para, em seguida, estabelecer regras e incentivos para orientar o comportamento fiscal e as decisões dos governos municipais em direcionar esforços para as políticas de educação e saúde, sem abandonar a disciplina fiscal.

O capítulo 2 analisará estas mudanças nas relações federativas no Brasil após as emendas e leis complementares aprovadas a partir da segunda metade dos anos 90 (pós Plano Real - 1995) e que trouxeram novos mecanismos institucionais de regulação federal sobre as políticas e as finanças municipais.

Capítulo 2 - Execução local, sob regulação federal: as relações intergovernamentais