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Mapa 4.1 Localidades na Área de Influência do Meio Socioeconômico

3. Conflitos Ambientais, Riscos e Processos de Vulnerabilização

3.1 Conflitos Ambientais

A problemática geral do campo de estudo dos conflitos ambientais parte, conforme nos informa Acselrad (2004), da compreensão de que o ambiente é objeto de cooperação, mas também de contestação e conflito, uma vez que esse espaço comum de recursos está sujeito a distintas formas de apropriação e uso material e simbólico, sendo, assim, atravessado por sentidos socioculturais e interesses diferenciados. A problemática especifica a partir da qual os conflitos ambientais são tomados pelo nosso trabalho como categoria teórica fundamental diz respeito a imposição de formas hegemônicas de apropriação e uso do ambiente a determinados grupos sociais articulada à imposição das formas dominantes de representação da realidade que constituem a ciência moderna. Esta violência simbólica e material foi naturalizada e legitimada na sociedade moderna industrial através da institucionalização da avaliação de riscos e de impactos ambienta is (ZHOURI et al., 2014).

O olhar técnico compartimentado apenas promove uma adequação do meio ambiente e da sociedade ao projeto proposto, fazendo com que outros olhares e saberes não enquadrados pelo discurso técnico-científico sejam, assim, excluídos dos processos de classificação e definição sobre os destinos dos espaços. (ZHOURI et al., 2014, p. 16-17).

A definição de conflitos ambientais utilizada em nossa pesquisa é baseada em Acselrad (2004, p. 7-8), que nos diz que tais conflitos são resultado de um desacordo no interior do arranjo espacial de atividades de uma localidade, região ou país, a partir do qual a continuidade de um tipo de ocupação do território vê-se ameaçada pela maneira

como outras atividades espacialmente conexas são desenvolvidas. Estes desacordos surgem de distintas práticas de apropriação técnica, social e cultural do mundo material (ZHOURI & LASCHEFSKI, 2010), havendo, portanto, uma dimensão simbólica em que se confrontam distintas racionalidades, que mobilizam seus capitais para impor ou afirmar suas representações da realidade (ACSELRAD, 2004); e uma dimensão material, que e tem como pano de fundo a disputa pelo acesso e controle dos recursos naturais e do território, marcada pela assimetria de poder (SVAMPA, 2012).

No trabalho de Zhouri e Laschefski (2010), encontramos uma proposta de tipificação dos conflitos ambientais. Estes autores ressaltam que os tipos propostos se relacionam dialeticamente se apresentando de forma integrada em muitos casos concretos observados, porém a tipificação nos parece útil para compreender as diferentes dimensões que permeiam os conflitos ambientais. Apresentando uma síntese da classificação proposta pelos autores, temos que os conflitos podem ser:

a) Conflitos Ambientais Distributivos: são provocados por desigualdades sociais entorno do acesso aos recursos naturais. Exemplo: conflitos no o acesso aos recursos das florestas, da água, dos minérios, entre outros.

b) Conflitos Ambientais Espaciais: causados por efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou grupos sociais. Exemplo: Chuva ácida, acidentes químicos ampliados, acidentes nucleares, desaparecimento das ilhas-nações devido ao impacto das mudanças climáticas.

c) Conflitos Ambientais Territoriais: quando existe sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial. Exemplo: a área para implementação de uma hidrelétrica versus territorialidades da população afetada.

Apresentada essa síntese inicial sobre o conceito de conflitos ambienta is, passamos a considerá-lo no contexto do seu desenvolvimento enquanto campo teórico, ou seja, a partir do aprofundamento da inserção subordinada da América Latina na divisão internacional do trabalho. Buscamos apresentar também as formas de articulação teórica mobilizadas por diferentes autores para compreender os conflitos produzidos por essa subordinação.

Segundo Maristella Svampa (2012), aumento expressivo do número de conflitos ambientais na América Latina nas últimas décadas é consequência direta da lógica territorial do neoextrativismo financeirizado. Para a autora, este modelo é caracterizado

por empreendimentos extrativistas de grande porte, intensivos em capitais de grandes corporações transnacionais que promovem uma especialização produtiva de territórios segundo a demanda internacional por commodities, gerando grandes impactos e riscos sociais, econômicos e ambientais. Estes empreendimentos se constituem a partir do que Vainer (1992, p. 34) descreve como a recriação dos enclaves coloniais, com uma lógica estritamente econômica de organização espacial para exploração de bens primários; o controle político a partir de espaços exógenos aos das populações das proximidades dos empreendimentos; o atendimento simultâneo às exigências de produção e reprodução das condições gerais da acumulação e do ordenamento territorial.

No contexto de assimetria de poder entre grandes empresas de capitais transnacionais e comunidades, observamos que a expansão deste modelo gera pesados impactos ambientais que afetam os ecossistemas, as formas de economia tradicional, a qualidade de vida e a saúde das populações dos territórios envolvidos nos processos produtivos (HENRIQUES E PORTO, 2013). Inúmeros conflitos ambientais eclodem a partir de tensões produzidas pela implementação desses projetos, requalificando a questão ambiental e os sujeitos do ambientalismo do século XXI (PORTO-GONÇALVES, 2006; 2010). Agricultores familiares, pescadores artesanais, povos extrativistas, quilombolas e povos indígenas, que tradicionalmente se apropriam de modo coletivo da terra e dos recursos florestais têm sido os principais envolvidos em conflitos ambientais, conforme dados de um projeto da Universidade Autônoma de Barcelona que mapeou conflitos ambientais em todo o mundo e que destaca o Brasil em quarto lugar em ocorrência desta modalidade de disputa (EJOLT, 2014).

Acselrad (2014), tomando como base a expansão da matriz de desenvolvime nto do Brasil e o consequente aumento dos conflitos ambientais, observa, tal como Gudynas (2012) o faz em consideração ao aprofundamento do modelo “neoextrativista” na América Latina, que a “retórica do bem comum” é acionada para legitimar o desenvolvimento e as desigualdades ambientais que engendra. Ao passo que cresce o número de populações impactadas negativamente pelos projetos do desenvolvimento e as denúncias destas, aumentam também os esforços empregados para despolitizar essas denúncias, ficando mais evidente que “a desconsideração do ponto de vista dos que são atingidos negativamente pelos impactos do desenvolvimento supõe uma hierarquização de direitos, culturas, a cultura desenvolvimentista tendo precedência sobre as demais” (ACSELRAD, 2014, p. 86).

Frente a esse processo de diferenciação, Acselrad (2014), assim como Porto- Gonçalves (2005), retoma a noção de colonialismo interno, desenvolvida por González Casanova (1965 apud ACSELRAD, 2014, p. 86) para descrever relações sociais do tipo colonial que se dão no interior de uma mesma nação, sendo baseadas em relações de dominação étnica e de classes que se materializam em diferenças regionais na exploração dos trabalhadores e na transferência de excedentes das regiões dominadas às dominantes. Segundo Acselrad (2014), a reconfiguração das lutas sociais na América Latina, à medida que crescentemente se tornam lutas pelo controle dos bens naturais dos territórios posto em cheque pelos projetos de desenvolvimento corrente corroboram a tese da existênc ia de um colonialismo interno.

Ocultando a expropriação sofrida por esses povos, o discurso do desenvolvime nto apresenta a especialização na exportação de recursos naturais como o único caminho para os países latino-americanos e o caso brasileiro como exemplo exitoso de produção de riquezas e de distribuição, com redução das desigualdades sociais (GUDYNAS, 2012). Esta perspectiva é rebatida por Acselrad (2014) que destaca: 1. Que os agentes do governo têm optado pelo aprofundamento deste modelo, mesmo quando a crise internacional de 2008 possibilitou a escolha por outras opções; 2. Que o desenvolvimento tem se mostrado um mecanismo de concentração de riquezas apoiado em processos de expropriação; 3. Que mecanismos históricos de vulnerabilização criam, eventualmente, as condições subjetivas de sua aceitação; 4. Que a mobilidade (deslocalizações) do capital é o mecanismo de subjetivação das condições de competição inter-local que provocam (des) regulações ambientais e trabalhistas; 5. Estas têm como objetivo oculto a expansão das fronteiras da exploração mineral, dos recursos energéticos e da água; 6. Que os conflitos ambientais que têm emergido são críticas aos projetos de desenvolvimento.

Porém, segundo Acselrad (2014), contra essas críticas operam tecnologias de resolução negociada de conflitos para despolitizar as disputas e neutralizar os sujeitos locais, aprisionando-os no interior do que Stengers (2005 apud ACSELRAD, 2014) denomina de “alternativas infernais”, a exemplo dos empregos oferecidos pela carcinicultura, que destrói o ecossistema manguezal e desestrutura o modo de vida de comunidades que dele retiram o seu sustento, deixando como alternativa a venda da força de trabalho nas fazendas de camarão. As ameaças de deslocalização, ou chantagens

locacionais, dos empreendimentos e de desemprego da massa de trabalhadores que teve

melhores condições para realização dos investimentos, significando a flexibilização das legislações ambientais e trabalhistas no sentido de diminuir a proteção dessas à nociva dinâmica do capital (ACSELRAD; BEZERRA, 2010). Dessa forma, através da ameaça de deslocalização dos investimentos, os detentores do poder de investir atuam como quase-sujeitos em todos os âmbitos da política para criar as condições mais favoráveis aos seus investimentos, definindo, inclusive, os limites de aceitabilidade dos riscos sociais e ambientais a qual estarão expostas as populações locais (ACSELRAD; BEZERRA, 2010). Acselrad (2013) destaca também que o processo de produção de desigualdades ambientais se assenta sobre contextos de vulnerabilidade social, onde processos históricos de não atendimento das necessidades básicas de promoção de vida digna, bem como da ausência do Estado, criam as condições objetivas e subjetivas que levam a aceitação de riscos sociais e ambientais implicados pelos projetos de desenvolvimento

A constatação da concentração de injustiças ambientais sobre grupos que ocupam posições dominadas no espaço social e, consequentemente, também posições dominadas no campo de produções simbólicas (BOURDIEU, 1998), indicou a necessidade de analisar os conflitos ambientais nas dimensões material e simbólica da apropriação (ACSELRAD, 2004). Hoje, no cenário de ampliação do direcionamento de capitais para produção de inovações nas tecnologias de contenção dos conflitos e da crítica social que produzem, Acselrad (2014) assinala o crescente entrelaçamento entre política “de desenvolvimento” com as políticas de conhecimento, destacando o crescimento das táticas que são acionadas pelos grupos dominantes para invisibilizar conflitos, denúncias e injustiças, buscando impedir, assim, a alterações no humor do ambiente de investimentos. O autor elenca a criação de departamentos empresariais direcionados para gestão da conflitualidade. Uma gestão empresarial dos territórios focada no “monitoramento de populações do entorno”, identificação de lideranças para desmobilização e neutralização da capacidade crítica da sociedade (ACSELRAD, 2014). Por fim, destaca a contribuição das ações governamentais para a despolitização e a invisibilização das denúncias e críticas dos sujeitos em conflito com projetos de desenvolvimento.

O avanço dessas tecnologias de “gestão empresarial do território” aprofunda o processo de vulnerabilização de populações, expropriando-as também de instrume ntos para percepção dos riscos e impactos implicados por grandes projetos de desenvolvimento (ACSELRAD, 2014). Essas tecnologias buscam minimizar ou eliminar

o posicionamento critico de populações com relação aos novos sujeitos políticos que territorializam o espaço anteriormente por elas ocupado, forjando uma falsa harmonia através de dinâmicas de resolução negociada de conflitos e discursos que justificam os empreendimentos como um interesse comum, que promoverá o “desenvolvimento” para todas as partes envolvidas, ocultando as disputas por bens naturais, as diferenças de prioridades, princípios e lógica; através de ocultamento de informações ou produção de informações perversas, e ainda, deslegitimando os conhecimentos e saberes populares (ACSELRAD, 2014).

Não por acaso, embora em evidente processo de reprimarização da pauta exportadora e de desindustrialização da matriz produtiva, o discurso oficial autodenomina de “novo desenvolvimentismo” ou “neodesenvolvimentismo” o modelo brasileiro, no qual a manutenção dos programas sociais está subordinada à expansão da exploração dos recursos naturais (MILANEZ & SANTOS, 2013). Sob a ideia de manutenção de elevadas taxas de crescimento através do aproveitamento de vantagens comparativas da exportação de commodities como o único caminho para o desenvolvimento e garantia do “interesse da nação”, oculta-se que este “capitalismo benévolo” permite a ampliação da acumulação concentrada de riquezas através da transgressão de limites democráticos, sociais, cultura is e ambientais (GUDYNAS, 2012).