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CAPÍTULO 1: CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS, CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E

1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CULTURA(S): REFLEXÕES E IMPLICAÇÕES NO

Alan Chalmers, em seu livro O que é ciência, afinal?, busca introduzir de forma objetiva as compreensões modernas sobre a natureza da ciência. Conhecimento científico, segundo esse filósofo, “[...] não é conhecimento comprovado, mas representa conhecimento que é provavel- mente verdadeiro” (1993, p. 40). Nesse sentido, aponta que quanto “[...] maior for o número de observações formando a base de uma indução e maior a variedade de condições sob as quais essas observações são feitas, maior será a probabilidade de que as generalizações resultantes sejam verdadeiras”. Assim, argumenta que

Proposições de observação, então, são sempre feitas na linguagem de alguma teoria e serão tão precisas quanto a estrutura teórica ou conceitual que utilizam. O conceito “força”, como é usado na física, é preciso porque adquire seu significado do papel estrito que desempenha, numa teoria relativamente autônoma, a mecânica newtoni- ana. O uso da mesma palavra na linguagem cotidiana (a força das circunstâncias, a força da tempestade, a força de um argumento, etc.) é impreciso exatamente porque as teorias correspondentes são variadas e imprecisas. Teorias precisas, claramente for- muladas, são um pré-requisito para proposições de observação precisas. Nesse sen- tido, as teorias precedem a observação (CHALMERS, 1993, p. 53).

A Ciência Ocidental Moderna nasce no contexto europeu, no século XVII, como conhe- cimento que se opõe às explicações de mundo fornecidas pela Bíblia ou mesmo pelas explica- ções que eram fornecidas pelos filósofos da antiguidade, ambas explicações permeadas pelo sobrenatural. Nesse ínterim, Chalmers (1993) afirma que foi durante a revolução cientifica, protagonizada por Galileu, Newton e pelo filósofo Francis Bacon, que, se desejássemos conhe- cer a natureza, deveríamos testar o que é possível ver por meio da rigorosa obtenção de dados provenientes da observação e do experimento. Assim, a ciência possui sua base no empirismo, em outras palavras, possui como fonte de conhecimento a experiência. O pensador ainda afirma que, para a ciência, como também para uma concepção de senso comum da ciência já ampla- mente aceita, conhecimento científico é sinônimo de conhecimento provado.

Além disso, as leis e teorias científicas podem receber um status de “universais” quando aplicáveis em qualquer lugar do mundo ou ainda quando reproduzidas nas mesmas condições, de modo a possibilitar a previsão de comportamentos posteriores de fenômenos de mesma na- tureza (CHALMERS, 1993). Lopes (1999) descreve que, para a ciência ocidental, existira ape- nas uma verdade, verdade essa fornecida pela razão e pelos dados derivados da experiência sensível de cientista que é cético e que permanece distanciado do objeto/fenômeno observado,

considerando e adotando conclusões objetivas sobre este. Sob essa ótica, o conhecimento con- siderado ser seguramente correto é aquele que tem a capacidade de desvincular-se da subjetivi- dade do pesquisador. Destarte, Stanley e Brickhouse (1994) fazem uma crítica à visão univer- salista da ciência, pois essa visão afirma que o ontológico mundo físico tende a julgar a validade de um relato científico daquele mundo, e tal ciência não está relacionada e nem considera ques- tões como: interesses humanos e sociais, cultura, gênero, raça, classe, etnia ou mesmo orienta- ção sexual.

Nesse sentido, outros conhecimentos que agregam diferentes visões de mundo20 são desconsiderados, uma vez que são vistos como impuros e influenciados pelo senso comum, refletindo nas abordagens curriculares de Ciências que apenas consideram os pontos de vista da Ciência Ocidental Moderna. Por exemplo, para Bachelard (2002), a construção de um espí- rito científico demanda rupturas epistemológicas com a cotidianidade e com o senso comum. Assim, para esse epistemólogo, o conhecimento se dá sempre contra um conhecimento anterior. Isso ocorre devido a esse pensador considerar que esses constituem obstáculos epistemológicos à construção do conhecimento científico. Por obstáculo epistemológico compreende-se a aco- modação ao que já se conhece, visto que não se almejam outras explicações e ocorre a manu- tenção do conhecimento e das explicações que já se possuía (LOPES, 1996; BACHELARD, 2002), devendo, portanto, o cientista se despir das crenças, dos preconceitos e/ou das concep- ções que possam vir a agir como um obstáculo à formação de um conhecimento científico.

Ao trazer tais reflexões para o campo educacional, Bachelard propõe uma adaptação do termo para obstáculos pedagógicos, os quais inviabilizam a aprendizagem de conceitos cientí- ficos. Destarte, Lopes (1996, 2001, 2008), a partir da epistemologia de Bachelard, vem apre- sentando como o conhecimento científico se dá contra o – e não a partir do – senso comum cotidiano. Freire (2004) acredita que na questão epistemológica da “passagem do saber” do senso comum para um “saber científico” existe uma superação, e não uma ruptura. A superação e não a ruptura ocorre na medida em que a curiosidade ingênua, sem que deixe a sua natureza, mas ao contrário, continuando a ser curiosidade, “se criticiza” (FREIRE, 2016). Por outro lado, Santos (2009, p. 90) argumenta que todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum. Logo, o senso comum é

20 São definidas como sendo o “[...] macropensamento organizado culturalmente: aquelas suposições cognitivas

básicas dinamicamente inter-relacionadas de um povo que determina muito de seu comportamento e de sua tomada de decisões, assim como organiza grande parte do seu corpo de criações simbólicas – mito, religião, cosmologia – e etnofilosofia em geral (KEARNEY, 1984, p. 01 apud EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011).

[...] indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal modo existe; privilegia a acção que não produz rupturas significativas no real. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade.

As atividades de cunho científico e tecnológico desempenham intensa influência na so- ciedade, conforme apontado por Chalmers (1993). O rótulo “cientificamente comprovado” uti- lizado pelas indústrias e comercias publicitários é tido como sinônimo de confiável. Essa su- pervalorização da atividade científica, como de seus produtos, caracteriza o cientificismo.

Chassot (2001) se coloca em oposição ao “cientificismo”, segundo ele ainda tão mar- cante na atualidade, principalmente nas salas de aula e Universidades, ao afirmar que a neces- sidade de se considerar que essa linguagem – a ciência – constitui-se em um constructo humano, portanto mutável e falível.

Segundo Auler e Delizoicov (2001), o cientificismo deriva de três concepções equivo- cadas (ou mitos) sobre a ciência, são elas: a) superioridade do modelo de decisões tecnocráticas; b) perspectiva salvacionista da ciência e c) determinismo tecnológico. O primeiro mito, superi- oridade do modelo de decisões tecnocráticas, está ancorado no pressuposto da superioridade teórica e prática da ciência, assim se elimina a participação da sociedade em geral nos processos científicos e tecnológicos por ser considerado o cientista a pessoa com maior propriedade para solucionar, eficazmente, os problemas sociais (CHASSOT, 2014; AULER, DELIZOICOV, 2001). O segundo mito, perspectiva salvacionista da ciência, repousa na premissa de que a ci- ência e a tecnologia são construídas para criar soluções para os problemas de ordem social e, consequentemente, resultam no progresso (AULER; DELIZOICOV, 2001). O terceiro e último mito, determinismo tecnológico, distingue-se dos anteriores por estabelecer relação de causa- consequência entre a transformação tecnológica e a transformação social, em outras palavras, as transformações sofridas pela tecnologia resultam, como principal fator, na mudança social. Além disso, outra característica desse mito é a ideia de uma suposta neutralidade tecnológica, a qual desconsidera as influências de fatores sociais nos processos de ordem tecnológica (GÓ- MEZ, 1997 apud AULER; DELIZOICOV, 2001).

Sobre essa valorização exacerbada da ciência, Chalmers (1993, p. 19) aponta que a ci- ência “[...] deve parte de sua alta estima ao fato de ser vista como a religião moderna, desem- penhando um papel similar ao que desempenhou o cristianismo na Europa em eras antigas”. Dessa forma, outras visões de mundo, oriundas de conhecimentos que seguem uma lógica di- ferente das dessa ciência tida como “universal”, tendem a ser desvalorizadas em detrimento da ciência.

Nesse sentido, alguns autores (EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011; COBERN; LOVING, 2001) afirmam que tal desvalorização é fruto não da ciência em si, mas do cientificismo que, conforme refletimos, influencia e mantém estereotipada a opinião social e de senso comum. Nas reflexões de El-Hani e Sepúlveda (2011), o cientificismo tende a promover publicamente não só a superioridade da ciência, mas o seu domínio, o que acomete um decaimento da valo- rização de outras formas de conhecimento diante da opinião pública. Quando ocorre a desvalo- rização de um “conhecimento ecológico tradicional” (tradicional ecological knowledge, TEK) e de outras formas de conhecimento indígena, a causa não é da natureza exclusiva da ciência, mas sim porque existe alguém que está envolvido na prática científica de entender os privilégios do status científico do domínio da ciência a outros domínios, por exemplo, o domínio da etno- ecologia (COBERN; LOVING, 2001).

De acordo com El-Hani e Sepúlveda (2011, p. 161-162), historicamente, as disciplinas escolares que envolvem os conhecimentos das Ciências Naturais sempre “[...] tiveram como referência no processo de seleção de saberes legítimos a ser ensinados à ciência ocidental mo- derna, um sistema de conhecimento cuja origem e desenvolvimento histórico esteve intima- mente relacionado à cultura europeia”. Ainda explicitam que, diante das inovações tecnológicas e, por consequência, do domínio “[...] sobre o mundo natural sem precedentes proporcionados pela ciência, este sistema de conhecimento foi considerado pelos europeus uma ferramenta de ‘modernização’ da cultura indígena” (EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011, p. 162). Afirmam tam- bém que o conhecimento científico acabou por “suplantar” outras formas de conhecimento li- gadas à cultura de povos distintos, gerando, como esses autores argumentam a partir de outros, um “[...] efeito desintegrador das demais formas de representação do mundo” (EL-HANI; SE- PÚLVEDA, 2011, p. 162).

Ao reconhecer o conhecimento científico como sendo expressão máxima do discurso dominante da sociedade tecnológica de hoje (LOPES, 1997; EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011), o conhecimento escolar vem desprezando e inferiorizando a cultura popular (LOPES, 1997; MORTIMER, 1998) e a deslegitimando no espaço das salas de aula (MORTIMER, 1998). Po- rém, ainda é ensinada uma ciência supostamente neutra, a qual não apresenta implicações soci- ais ou qualquer compromisso ético, moral e político. Além disso, os modelos explicativos uti- lizados dão a entender serem uma descrição fiel e correta da realidade, além de uma verdade imutável (MORTIMER, 1998, 2000; GIL-PÉREZ et al., 2001; CACHAPUZ, 2011).

Echeverría (2002) argumenta que os trabalhos de Kuhn e Putnam são marcos na com- preensão de valores existentes na prática científica, pois a partir de suas contribuições alguns outros filósofos da ciência têm assumido a existência de outros valores da atividade científica.

Nesse sentido, além de valores epistêmicos21, a atividades científica abrange, também, valores não epistêmicos (político, ético, estético, cultural). Tais considerações, a nosso ver, são impor- tantes, pois tendem a refletir na ciência escolar, uma vez que esta é reflexo das opções teóricas e metodológicas dessa ciência ocidental “neutra”.

De acordo com El-Hani e Sepúlveda (2011), foi a partir da década de 1990 do século XX que o “desprezo” pela cultura popular e pelo conhecimento tradicional como, também, a “atribuição da superioridade epistemológica ao conhecimento científico” passaram a ser ques- tionados por educadores e pesquisadores da área. Esses autores ainda apresentam que diversos grupos sociais e culturais passaram a adotar uma postura mais crítica sobre a ciência ocidental moderna, questionando-a como única e verdadeira fonte de conhecimento, ocasionado um mo- vimento de defesa do resgate de outras formas de conhecimento. É a partir dessa visão mais crítica das implicações sociais, culturais e éticas das ciências que tem permitido a constituição de diversos movimentos no âmbito da educação em defesa “[...] do reconhecimento da existên- cia de outros sistemas de conhecimento acerca da natureza além da ciência ocidental moderna, desenvolvidos no seio de diversos grupos étnicos e culturais” (EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011, p. 163).

Sobre os “saberes populares”, Chassot (2014, p. 208) afirma ter passado a chamá-los de “saberes primevos” no sentido “[...] daqueles saberes dos primeiros tempos, ou saber inicial ou primeiro”. Além disso, esse autor vem destacando a existência de diferentes perspectivas para olharmos o mundo natural, seja a partir dos óculos das religiões, da ciência, do mito, do senso comum ou dos sabres primevos, como ele destaca. Considera, assim, os “saberes populares” como “[...] os muitos conhecimentos produzidos solidariamente e, às vezes, com muita empi- ria”, embora esse termo empiria possa indicar um preconceito (CHASSOT, 2014, p. 210). Além disso, reflete que “Para fazer do resgate de saberes populares uma atividade de pesquisa há um pressuposto importante: é preciso trabalhar criticamente a ciência do cientista, a ciência

escolar e a ciência popular” (CHASSOT, 2001, p. 196, grifo do autor).

É a partir do enfoque descontinuísta e pluralista da razão que a nossa compreensão da cultura, do saber e do conhecimento se modifica, e isso devido a essa perspectiva, como aponta Lopes (1999), questionar o nosso modelo de razão ocidental, o qual é centrado na Ciência Oci- dental como sendo detentora única da verdade e neutra, e na consideração de cultura como sendo um processo cumulativo de ideias e símbolos. Nesse sentido, Lopes (1999, p. 34) argu- menta a favor da descontinuidade cultural, explicando que esta pode ocorrer no sentido para

21 A compreensão de valores epistêmicos por esse autor, Echeverría (2002), é de valores internos à ciência, como:

além da existência de uma diversidade cultural, como resultado das divisões sociais de classe, mas “em função de que diferentes saberes não podem ser reduzidos a uma única razão, seja pela superação de um pelo outro, seja pela fusão de diferentes saberes”.

Nesse sentido, como apontam El-Hani e Sepúlveda (2011) e Sepúlveda e El-Hani (2006), uma posição intermediária aos extremos universalismo (MATTHEWS, 1994; SIEGEL, 1997) e multiculturalismo (STANLEY; BRICKHOUSE, 1994, 2001), a qual tem adotado como referencial teórico em suas investigações, é o pluralismo metodológico, defendido, entre ou- tros autores, por Cobern e Loving (2001). Assim, Cobern e Loving (2001) opõem-se ao trata- mento relativista por trás da ideia de que todas as formas de conhecimento, incluindo as tradi- cionais, poderiam ser consideradas ciências. Preferem reservar esse termo apenas para os co- nhecimentos característicos das sociedades ocidentais modernas, ressaltando que não se trata de defender qualquer superioridade da ciência ocidental, mas de reconhecer a importância da demarcação de formas de conhecimento distintas. Assim, El-Hani e Sepúlveda (2011, p. 166) argumentam que

A inclusão de conhecimentos tradicionais sobre a natureza no conceito de ciência, em lugar de legitimá-los, contribui para a desvalorização, uma vez que estes conhecimen- tos passariam a ser avaliados sob os critérios da ciência moderna ocidental, deixando, assim, de ser valorizados pelos seus próprios méritos, ou, mais precisamente, por cri- térios de validação que são próprios do contexto epistemológico no qual foram gera- dos.

Lopes (1999, p. 88) busca diferenciar o senso comum dos saberes populares. Para tanto, parte do pressuposto de que o senso comum não está restrito a uma dada classe e se mantém como um constante obstáculo ao desenvolvimento do próprio conhecimento científico. Nesse sentido, o senso comum “compõe o conhecimento hegemônico, todo um corpo de concepções, significados e valores que constituem as práticas cotidianas e nossa compreensão do homem no mundo”. Assim, como destaca essa autora, senso/conhecimento comum e saber popular cons- tituem formas diversas do conhecimento cotidiano. Conforme apresenta Geertz (1989, p. 81), o senso comum pode ser distinguido como

[...] um modo de ‘ver’ é a simples aceitação do mundo, dos seus objetos e dos seus processos exatamente como se apresentam, como parecem ser – o que é chamado, às vezes, de realismo ingênuo – e o motivo pragmático, o desejo de atuar sobre esse mundo de forma a dirigi-lo para seus propósitos práticos, dominá-lo ou, na medida em que isto se torna impossível, ajustar-se a ele. O mundo da vida cotidiana, sem dúvida em si mesmo um produto cultural, uma vez que é enquadrado em termos das concepções simbólicas do ‘fato obstinado’ passado de geração a geração, é a cena estabelecida e o objeto dado de nossas ações.

Sobre o senso comum, Alves (2010, p. 14, grifos do autor) afirma preferir não definir. Mas diz tratar-se, de um modo geral, daquilo que não é ciência, e “[...] isso inclui todas as

receitas para o dia a dia, bem como os ideais e esperanças que constituem a capa do livro de

receitas”. Por outro lado, afirma que a ciência não se trata de uma forma de conhecimento di- ferente do senso comum; não sendo um “novo órgão”, mas “[...] uma especialização de certos órgãos e um controle disciplinado de seu uso”. Ainda destaca ser a ciência uma “metamorfose” do senso comum. Portanto, sem o senso comum ela não poderia existir. Como uma outra dis- tinção entre ciência e senso comum, aponta que a primeira não acredita em magia; já o senso comum, nas palavras do autor, “teimosamente” se agarra a ela. Apesar das diferenças que se- param o senso comum da ciência, “[...] ambos estão em busca de ordem” (ALVES, 2010, p. 14, grifos do autor).

Retomando a discussão sobre o conhecimento comum e o conhecimento científico, re- conhecemos ser consenso a compreensão de que o conhecimento do senso comum e o conhe- cimento científico são construídos a partir de diferentes lógicas de pensamento (LOPES, 2012). Por outro lado, Kuhn (1993) aponta que a ideia de existência de uma ligação entre o pensamento científico e o pensamento cotidiano não é nova, conforme mencionado por Albert Einstein em 1954, ao descrever que toda a ciência não passa de um refinamento do pensamento cotidiano.

De modo a compreender as relações existentes entre ciências e cultura, Geertz (1989) considera a ciência como uma das dimensões da cultura, como qualquer outra produção hu- mana. Para ele, cultura

[...] denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressadas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (GEERTZ, 1989, p. 66).

Nesse sentido, esse autor reflete sobre o conceito de cultura e defende um conceito de cultura acreditando “[...] como Max Weber que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu [...]”, assim o autor assume a cultura como sendo “[...] essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado”. Assim, aprender ciência seria como aden- trar uma outra dimensão cultural, a cultura científica (MORTIMER, 2000; LOPES, 2012). So- bre isso, Freire (1987) reflete que, na dimensão cultural da ciência, na cultura científica, apren- dem-se conhecimentos científicos, no entanto a intenção última nessa prática vai além dessa

aprendizagem. Diante do exposto, consideramos que seguir numa perspectiva decolonial im- plica que as reflexões e contribuições desses autores sejam ampliadas, transformadas e ressig- nificadas.

Diante do exposto, a compreensão de Cultura adotada nesta investigação está ancorada em Geertz (1989), o qual defende o conceito de cultura como essencialmente semiótico, enten- dendo-a como sendo as teias de significados – e na sua análise – tecidas pelo homem, as quais se enlaçam a ele próprio. Sendo assim, a cultura “[...] como uma ciência interpretativa, à procura do significado”, e os sistemas de significados são propriedade coletiva de um grupo (GEERTZ, 1989, p. 04).

Além disso, optamos pela utilização da denominação “conhecimentos científicos esco- lares”, pois, como aponta Lopes (1999), a perspectiva de um conhecimento que seja propria- mente escolar surge, mais precisamente, com a noção de transposição didática. Nesse contexto, os conhecimentos científicos ao serem abordados na escola são reelaborados pelo professor, possibilitando que esse conhecimento se torne compreensível ao aluno. Sobre esse processo de reelaboração do conhecimento, essa pesquisadora propõe, a partir da noção de transposição didática – proposta e discutida nas pesquisas com ênfase em Currículo e Didática –, a utilização do termo “mediação didática”, na discussão dos processos que envolvem a apropriação de co- nhecimentos da área da Ciência pela escola. Ela ainda aponta que nessa perspectiva de consti- tuição de um conhecimento que seja propriamente escolar já estão inclusos os conhecimentos científicos escolares.

Conhecimentos cotidianos, a partir das reflexões de Geertz (2006), referem-se ao senso comum como sendo um corpo organizado de pensamento, constituindo-se a partir de reflexões deliberadas sobre as experiências da vida, as quais são refletidas e validadas na prática. Por sua vez, sobre a vida cotidiana, Agnes Heller (2016) argumenta que se trata da vida de todo ser humano e que ninguém consegue se desligar por completo da cotidianidade. Mas, ao contrário, nenhum ser humano vive apenas na cotidianidade. Como aponta a estudiosa, a vida cotidiana apresenta, dentre outras características, a heterogeneidade e a hierarquia enquanto condições de sua organicidade, ao que acrescenta que não é possível traçar, seja em qualquer esfera humana,