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CAPÍTULO 4: A TEMÁTICA PESCA COM O TIMBÓ: POSSIBILIDADES NO ENSINO DE

4.2 A TEMÁTICA PESCA COM O TIMBÓ NO ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO

4.3.2 O professor como representante da ciência e a sua formação

Rosa (2018), a partir das falas dos especialistas indígenas investigados (professores e outros intelectuais indígenas), pondera que nessas falas destaca-se a exigência de uma sólida formação dos professores indígenas no que diz respeito aos conteúdos científicos. A partir dessa fala, podemos constatar a defesa desses indígenas também pela apropriação dos conhecimentos da área das Ciências da Natureza, mas suas defesas não são simplistas, pois realizam diversas críticas à supervalorização dos conhecimentos científicos no espaço escolar e à visão fragmen- tada dessa área. Tais críticas dialogam com as reflexões que temos feito a partir dos enunciados dos sujeitos desta investigação.

Sobre a supervalorização dos conteúdos científicos no espaço escolar em detrimento de outras visões de mundo, apontamos ser algo ainda presente nos espaços formativos dessa área do conhecimento. Podemos visualizar isso na fala do professor Xixi, quando aponta que esses dois conhecimentos, o da ciência ocidental e o da tradição Kurâ-Bakairi, se complemen- tam, e muitas das vezes o conhecimento científico “reforça” o conhecimento ancestral desses povos. Além disso, ao apontar que há algumas explicações da cultura que são tidas por essa ciência ocidental como não sendo “comprovada” à medida que outras são, considera que tem de “encaixar” esses conhecimentos científicos, levando em consideração as “coisas” que são “verdadeiras, referindo-se, assim, às visões de mundo da cultura, conforme enuncia:

[...] entender ali a:: a/ uma das coisas relacionar o conhecimento e o conheci- mento científico assim então eu acho que o conhecimento científico e o co-

nhecimento do saber tradicionais ele/ ele reforça mais parece:: não/ ele

reforça mais ele não não distanciador tem alguns que é que fala que é porque

[...] nossa história que são é não é comprovada [...] mas tem a outra aqui

que fala a verdade também é:: então dessas coisas assim, né? Então essas coi-

sas verdadeiras que a gente tem que encaixar mesmo com o conhecimento científico e o conhecimento tradicional e esses dois aí que tem que encaixar

aí o conhecimento científico e o conhecimento tradicional se se dá bem é isso [...] tem outro que fala que história mitológica que tudo é totalmente men-

tira isso aí nós não vamos colocar porque não vai ter consciência então a

ideia nossa aqui é relacionar o conhecimento e o conhecimento cientifico pra fazer [...] (Professor Xixi, 2018).

Ainda sobre essa supervalorização dos conhecimentos científicos ocidentais, e o status de possuir “verdades”, vejamos um trecho da fala do professo Xixi:

[...] só aquele efeito do timbó que faz a química, né a parte do acadêmico quem faz quem sabe mesmo:: é só a professora mesmo e ninguém mais fez aquilo do timbó/ não encontrou ninguém/ eu acho que nem do/ do das universidade

ah:: não tem esse tema aí, né que comprova essas coisas só a senhora mesmo ((risos)) [...] (Professor Xixi, 2018).

Apontamos ser imprescindível que seja estabelecida uma visão crítica da Ciência, en- quanto uma produção humana, portanto histórica, a-neutra, falível e com relações intrínsecas com a sociedade. Como apontam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p. 34), no sentido de um ensino de Ciências que se diferencie do que antes se voltava predominantemente para formar cientistas, o qual direcionou e ainda é fortemente presente no atual ensino de Ciências. No intuito de proporcionar o acesso ao conhecimento científico e tecnológico pelos estudantes é que o trabalho do professor precisa ter um direcionamento para que haja uma apropriação crítica desses pelos estudantes, de modo que seja incorporado socialmente e se constitua en- quanto cultura (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011). Diante dessa razão, e em

[...] oposição consciente à prática da ciência morta, a ação docente buscará construir o entendimento de que o processo de produção do conhecimento que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui uma atividade humana, sócio-historicamente determi- nada, submetida a pressões internas e externas, com processos e resultados ainda pouco acessíveis a maioria das pessoas escolarizadas, e por isso passíveis de uso e compreensão acríticos ou ingênuos; ou seja, é um processo de produção que precisa, por essa maioria, ser apropriado e entendido (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAM- BUCO, 2011, p. 34).

Nesse esteio, autores como Auler e Delizoicov (2001), Chassot (2001, 2014), El-Hani e Sepúlveda (2011) e Cobern e Loving (2001) apontam para concepções equivocadas oriundas do cientificismo no contexto da Educação em Ciências, a exemplo do carácter neutro e salva- cionista dado à ciência.

Chassot (2001) se posiciona contra o “cientificismo”, afirmando que ele ainda é mar- cante na atualidade, especialmente nos espaços educativos. Aponta ainda que a ciência é um construto humano, portanto mutável e falível.

Segundo Chalmers (1993), essa valorização exacerbada da ciência se deve, em parte, ao fato de a ciência ser vista como sendo a “religião moderna”. Dessa forma, outras visões de mundo que não são orientadas pela lógica ocidental são desvalorizadas e inferiorizadas em de- trimento da ciência. De modo semelhante, alguns autores (EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011; COBERN; LOVING, 2001) afirmam que tal desvalorização é fruto do cientificismo, que, con- forme refletimos, influencia e mantém uma visão estereotipada de ciência e da atividade cien- tífica, isto é, uma visão eurocêntrica.

Segundo El-Hani e Sepúlveda (2011, p. 161-162), historicamente, as disciplinas esco- lares das áreas das Ciências da Natureza, ao realizarem a seleção dos saberes legítimos a serem

ensinados, sempre fazem uso dos que constituem a Ciência Ocidental Moderna. Além disso, argumentam que o conhecimento científico findou por “suplantar” outras formas de conheci- mento ligadas à cultura de diversos povos, criando um “[...] efeito desintegrador das demais formas de representação do mundo” (EL-HANI; SEPÚLVEDA, 2011, p. 162).

É notável a complexidade em romper com a visão ocidentalizada dessa área do conhe- cimento, o que acomete a colonialidade do poder, do saber, do ser e do viver. Essa visão está enraizada em nosso modo de pensar, ver e agir no mundo, como, também, impregnada em nossa formação acadêmica e social, interferindo, consequentemente, em nossas relações com o(s) ou- tro(s) e com o mundo.

Nesse sentido, outro aspecto que merece atenção diz respeito à contextualização tam- bém apontada por esses indígenas. Consideramos que o ensino das Ciências da Natureza nos cursos de formação de professores indígenas não deve ser descontextualizado, tampouco o en- sino de Ciências, nas escolas das aldeias. Nesse sentido, levamos em consideração os pressu- postos da contextualização na perspectiva freireana, também denominada Abordagem Temá- tica. Dentre esses pressupostos, podemos apontar, quanto à relevância e abrangência dos temas, que esses devem ser temas sociais e apresentar relevância social. Além disso, a escolha dos temas e conteúdos é orientada pela investigação da realidade. A partir dessa perspectiva de contextualização, todas as áreas trabalham os temas articulando com os conhecimentos cientí- ficos e culturais, o que promove o diálogo entre essas diferentes visões de mundo, como aponta a perspectiva intercultural. Ao pensarmos nas relações entre tema e conteúdo, a partir dessa abordagem temática, a seleção dos conceitos científicos ocorre a partir da necessidade de serem trabalhados para o entendimento de uma situação real.

Em razão disso, apontamos a importância de buscar reconhecer, valorizar e promover, no processo de ensino de Ciências em suas escolas, conhecimentos, práticas e especificidades dos povos indígenas. Para tal, destacamos a importância de uma abordagem contextualizada, no sentido da investigação temática de Paulo Freire enquanto possibilidade para a elaboração de uma proposta na perspectiva intercultural, a qual propõe a desconstrução de modelos únicos de educação, para que estereótipos, pré-conceitos e relações de dominação e opressão sejam desfeitos.

Essa perspectiva de Freire, de um modo geral, baseia-se na eleição e utilização de temas seguindo encaminhamentos circulares. Esses temas são denominados de geradores e apresen- tam uma relevância social; em outras palavras, são temas que estão presentes no cotidiano dos educandos e são resultado de um processo de investigação/redução temática. Assim, parte-se do contexto local e retorna-se a esse contexto.

Nesse sentido, Santos (2008) reflete que o conhecimento é local e total; local ao se cons- tituir ao redor de temas que em dado momento são adotados por grupos sociais concretos como projetos de vida locais, por exemplo: reconstituir a história de um lugar, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil etc. Por sua vez, sendo local, é também total, por reconstruir os projetos cognitivos locais. Destarte, para o autor, a ciência do paradigma emergente, assumidamente analógica, é também assumidamente tradutora; em outras palavras, incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem, transitando, dessa forma, para outros lugares cognitivos, de modo que possam ser utilizados fora do seu contexto de produção original (SAN- TOS, 2009).

Com base em Freire (1987), defendemos que a educação estabelecida por aqueles que se comprometem com a libertação não pode ser pautada numa compreensão dos humanos como seres “vazios”, numa consciência que é mecanicamente compartilhada, mas neles enquanto se- res conscientes. Nesse âmbito, pondera que não pode se reduzir uma concepção de depósito de conteúdos, mas a da problematização dos “homens” em suas relações estabelecidas com o mundo.

Contudo, essa contextualização, defendida neste estudo, a partir da compreensão epis- temológica de Paulo Freire, prescinde de duas questões com relação à prática pedagógica do- cente: a) partir do local (cotidiano Kurâ-Bakairi) e retornar a ele; b) romper com a frag- mentação provocada pela visão disciplinar da área. Nesse sentido, essa abordagem vai romper com essa fragmentação, e esse rompimento ocorre como consequência da adoção de uma abor- dagem contextualizada.

Por outro lado, a prática pedagógica nessa realidade escolar investigada, conforme iden- tificamos nas falas dos nossos sujeitos, aponta para uma abordagem contextualizada, uma vez que a temática pesca com o timbó é o ponto de partida e de chegada do ensino, pois, além de estudar essa prática, faz uma reflexão crítica sobre ela. Além disso, apresentam uma visão crí- tica dos conteúdos da área das Ciências da Natureza, selecionando aqueles que podem contri- buir e dialogar com suas visões de mundo. Assim, a pesca com o timbó é apontada como po- tencializadora da abordagem contextualizada.

Acerca da fragmentação, em entrevistas feitas por Rosa (2018) com alguns professores, pesquisadores e intelectuais indígenas, um de seus sujeitos de pesquisa convida a uma reflexão sobre a formação em Ciências da Natureza, no curso de formação intercultural39 em que atua,

tratando-se de uma habilitação que tem três grandes áreas do conhecimento: Ciências Biológi- cas, Física e Química. Adverte, exemplificando que, a partir da ementa do curso de Ciências Biológicas, o qual possui duração de quatro anos, os futuros professores saem com dificuldade de trabalhar no Ensino Médio com os conteúdos da Química e da Física, ocasionando uma ênfase maior dada aos conhecimentos biológicos. Observa ainda que, em visitas às escolas nas aldeias, apesar da formação diferenciada, há aulas predominantemente teóricas e centradas no conteúdo dessa área do conhecimento.

Sobre os conteúdos nas aulas de Ciências serem fragmentados e muitas vezes “biologi- zados”, é um desafio antigo que tem sido apontado na literatura da área (KRASILCHICK, 1987, 2008; CACHAPUZ et al., 2000), e, conforme afirma essa autora, não se reduz à realidade do curso de formação de professores em que esse intelectual indígena atua, sendo essa fragmenta- ção causadora da insegurança dos egressos ao terem de abordar os conteúdos da Física e da Química, possivelmente forçando-os a centrar o ensino de Ciências nos conteúdos biológicos. Isso exige, como ponderam esses professores indígenas, uma necessária mudança na aborda- gem desses conhecimentos na formação de professores, de modo a refletir no ensino de Ciências nas escolas indígenas (ROSA, 2018). Essa necessária renovação no Ensino de Ciências vem sendo apontada por autores como Cachapuz e colaboradores (2011).

Nesse ínterim, Carvalho e Gil-Pérez (1988) afirmam ser uma das preocupações com a formação docente na área de Ciências da Natureza a definição de quais os conhecimentos a serem adquiridos. Assim, são necessários, nesse processo formativo, diversos saberes docentes potencialmente capazes de romper com uma visão simplista de que essa formação se resume a apenas um bom conhecimento e domínio do conteúdo e de algumas práticas pedagógicas. Nesse sentido, a partir do olhar desses autores, o professor precisa, enquanto necessidades formativas, “saber” (relacionado aos saberes conceituais e teóricos), “saber fazer” (relacionado aos saberes pedagógicos) e “saber ser” (engloba os saberes e competências referentes à atuação do profes- sor).

A respeito da fragmentação do conhecimento científico nas disciplinas da área de Ciên- cias da Natureza, apoiando-nos nas considerações de Cachapuz e colaboradores (2000), cons- tatamos que essa ideia de fragmentação da ciência, já faz parte da tradição escolar, juntamente com a teorização e a abstração cada vez maiores, as quais são marcadas por uma preocupação exacerbada em terminologias que são específicas das diferentes áreas (Biologia, Física e Quí- mica), vem tornando mais difícil para os estudantes relacionarem e interagirem com os concei- tos específicos dessa área. Como apontam os autores, essa dificuldade é acentuada na passagem do pensamento de senso comum para o conhecimento científico.

Consideramos contribuições de Morin e defendemos uma abordagem dos conhecimen- tos científicos que não seja fragmentada. Como aponta Morin (1997, 2015), é necessário romper com uma ideia de saber parcelado, fragmentado, pois todo conhecimento, qualquer que seja, é incompleto, defendendo e propondo, dessa forma, o “pensamento complexo” e, portanto, uma abordagem complexa do conhecimento científico nas aulas de Ciências. Isso porque o “pensa- mento complexo” se opõe a qualquer forma de simplificação ou reducionismo, em outras pala- vras, à disciplinarização, à compartimentação e à fragmentação que dominaram o pensamento ocidental nos últimos séculos (MORIN, 1997). Nessa linha de raciocínio, aponta ser preciso distinguir os diferentes conhecimentos sem separá-los, uma vez que é a partir da complexidade que se busca religar o que foi separado pelo pensamento disciplinar, o que, a nosso ver, ocorre semelhantemente com a perspectiva intercultural, sendo que uma abordagem na perspectiva intercultural para além disso traz e estabelece o diálogo entre os diferentes conhecimentos, ou seja, as diferentes visões de mundo.

Retomando a discussão feita pelo professor Xixi, ele ao falar sobre a ação pedagógica sobre a temática pesca com o timbó considera que o conhecimento indígena abrange todos os outros conhecimentos ocidentais, como podemos verificar em sua fala: “[...] eu acho que o conhecimento indígena, né/ eu acho que ele abrange todos eles Matemática Linguagem Ciên- cias Química, né:: Física ele abrange tudo [...]” (Professor Xixi, 2018). Ainda aponta que “[...] tem que melhorar ou estudar essa parte que entra ciência ali ou pega ciência que tem tema disso aí do conhecimento aí vamos relacionar esse conhecimento ao conhecimento acadêmico [...]” (Professor Xixi, 2018). A partir desse apontamento, fica nítido que esse professor considera que deve ser pensado o diálogo entre esses conhecimentos. Além disso, complementa demonstrando apontar para a existência de diferentes visões de mundo para explicar a pesca com o timbó, conforme sua fala: “[...] como é que a ciência explica também ou a tradicionalmente a explica- ção é isso mas aí a ciência como é que explica isso? [...]” (Professor Xixi, 2018).

A partir dessas reflexões, concluímos que o ensino catalisado pela pesca com o timbó aponta para uma abordagem não fragmentada no ensino de Ciências da Natureza, visto que, para explicar a pesca com o timbó, além da utilização dos conhecimentos do universo explica- tivo Kurâ-Bakairi, levam-se em consideração outros conhecimentos da lógica ocidental, sem se restringir a fragmentos ou subáreas da área das Ciências da Natureza.

Consideramos que o ensino de Ciências nas escolas indígenas deve ir além da discipli- narização de conteúdos e formas sedimentadas que pouco contribuem para uma reflexão e atu- ação social no mundo. Nesse sentido, esse ensino deve promover, por um lado, o acesso e a manutenção de conhecimentos e formas próprias de produção e validação do universo indígena

Kurâ-Bakairi, ao mesmo tempo que, por outro lado, promova o acesso desses estudantes indí- genas aos conhecimentos científicos como parte do patrimônio cultural humano. Em outras palavras, que seja garantido o direito desses estudantes indígenas de ver e agir no mundo sob diferentes perspectivas e utilizando diferentes lentes, lentes essas que a escola também pode lhes apresentar.

A partir de um referencial teórico decolonial (ESCOBAR, 2003; QUIJANO, 2000, 2009, 2012; WALSH, 2005, 2007, 2012, 2013; GROSFOGUEL, 2009), inferimos que a abor- dagem que se finda apenas na consideração do conhecimento e a história da civilização ociden- tal, como é o caso da Ciência Ocidental Moderna, se pautam em uma dada episteme em que está presente a colonialidade do poder, do saber e do ser. Essa abordagem tende a exaltar a cultura dominante, o que se reflete em uma memória da colonialidade do poder das sociedades europeias em relação às sociedades e aos povos andinos, povos indígenas da América, particu- larmente da América Latina.

Isso posto, refletimos que uma prática docente crítica, conforme argumenta Freire (2014, p. 39, grifo do autor), “[...] implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Além disso, aponta o estudioso que, diante da ideologia dominante que insinua a neutralidade da educação, é que o professor deve ter uma reflexão crítica, pois “[...] o espaço pedagógico que é reacionário, neutro por excelência, é aquele em que se treinam os alunos para práticas apolíticas”, como se o estar no mundo pudesse ser uma condição neutra. Diante do exposto, trazemos para o centro da discussão a importância de uma educação crítica e politicamente comprometida, indo ao encontro da perspectiva deco- lonial que questiona as relações de poder e, para tal, impõe uma educação que seja pautada, entre outros aspectos, no desenvolvimento de um senso crítico e político.

Por fim, refletimos que o professor representante das ciências, como equidade, tem de saber o conteúdo da área a ser ensinado à medida que consegue lidar com esse conteúdo, de modo a contribuir com o estabelecimento do diálogo desse conteúdo com outros saberes e de sua relação sociocultural, fortalecendo e contribuindo com processos societários de diversas comunidades, como as indígenas. Para isso, portanto, é necessário ter cuidado para não repro- duzir uma visão eurocêntrica e um ensino que apresente a fragmentação dos conteúdos, mas que seja pensado a partir do contexto local, que é diverso e complexo. Isso, com efeito, requer uma comprometida e sólida formação, como apontado no item anterior.

CONSIDERAÇÕES: SE CONCLUIR FOSSE POSSÍVEL

Este estudo teve como objetivo compreender como a pesca com o timbó se constitui como uma temática de ensino na área de Ciências da Natureza em uma escola indígena, apon- tando alguns limites e potencialidades a partir das perspectivas intercultural e decolonial. Para isso, realizamos, inicialmente, um mapeamento sobre a perspectiva intercultural nas produções nacionais no ensino de Ciências e revisitamos pesquisas já realizadas nessa comunidade. O

corpus de análise foi constituído através dos enunciados elaborados pelo professor de Ciências

e pela representante da comunidade Kurâ-Bakairi durante os diálogos sobre a temática. Durante esses diálogos, refletimos a partir de seus enunciados sobre as potencialidades dessa temática para o ensino de Ciências numa perspectiva intercultural e da decolonialidade, ao mesmo tempo que apontamos alguns desafios para sua efetivação, particularmente o desafio de romper com uma visão eurocêntrica, como uma das formas de expressão com a colonialidade do saber, do poder e do ser.

Com a realização do mapeamento das produções científicas nacionais sobre o ECN e a perspectiva intercultural, constatamos um número reduzido dessas produções nesse contexto investigativo, o que aponta para uma necessidade de investigações nesse âmbito. A maioria é desenvolvida no contexto dos cursos de formação de professores indígenas. Desse modo, in- dica-se um baixo número de produções abordando essa perspectiva no ECN e um distancia- mento dessa perspectiva das demais realidades escolares nacionais. Ainda identificamos, de um modo geral, que essas produções pouco discutem sobre a proposição do currículo intercultural, muitas vezes restringindo-se a uma abordagem multiculturalista, sem distingui-las explicita- mente. Contudo, as investigações e as práticas no ensino de Ciências da Natureza ainda estão distantes das realidades de diversas escolas brasileiras, principalmente dos contextos escolares das escolas ribeirinhas/extrativistas, quilombolas, do campo e indígenas.

A partir dos dados aqui apresentados, foi possível realizar uma descrição sobre como o