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Potencialidades e desafios ao ensino de ciências em uma escola indígena kurâ-bakairi a partir da pesca com o timbó : perspectivas intercultural e decolonial

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

YASMIN LIMA DE JESUS

POTENCIALIDADES E DESAFIOS AO ENSINO DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA INDÍGENA KURÂ-BAKAIRI A PARTIR DA PESCA COM O TIMBÓ:

PERSPECTIVAS INTERCULTURAL E DECOLONIAL

São Cristóvão–SE Fevereiro de 2019

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YASMIN LIMA DE JESUS

POTENCIALIDADES E DESAFIOS AO ENSINO DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA INDÍGENA KURÂ-BAKAIRI A PARTIR DA PESCA COM O TIMBÓ:

PERSPECTIVAS INTERCULTURAL E DECOLONIAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIMA), da Universidade Federal de Sergipe, em cumprimento obrigatório dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Edinéia Tavares Lopes. Linha de Pesquisa: Ciências, cultura e saberes científicos e técnicas nas sociedades contemporâneas.

São Cristóvão–SE Fevereiro de 2019

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Jesus, Yasmin Lima de

J58 Potencialidades e desafios ao ensino de ciências em uma escola indígena kurâ-bakairi a partir da pesca com o timbó: perspectivas intercultural e decolonial / Yasmin Lima de Jesus; orientadora Edinéia Tavares Lopes. - São Cristóvão, 2019.

160 f.; il.

Dissertação (mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade Federal de Sergipe, 2019.

1. Ensino de Ciências. 2. Povos indígenas – Educação. 3. Pesca. 4. Aldeias indígenas. 5. Timbó (Planta). I. Lopes, Edinéia Tavares orient. II. Título.

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Às Marias de minha vida, minha mãe (Marta Maria) e minha avó (Maria), cujas força, alegria e cuidado me fizeram seguir nessa trajetória e com cu-jos ensinamentos aprendi a me constituir e a lutar como mulher, com força, garra, perseverança, doçura, humildade e serenidade; por serem referências de força, amor e resistência em minha vida;

Ao ser mais doce e iluminado que surgiu durante essa caminhada, minha sobrinha Luna, que nasceu e cresce junto com esta pesquisa, que do mesmo modo não finda nessas páginas que seguem, e que tem me feito refletir sobre o mundo em que vivemos, a vida que levamos e o que de fato gosta-ríamos de deixar para as novas gerações.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão é uma palavra que exprime o reconhecimento de que não percorri toda essa trajetória sozinha. É nesse sentido, que surge a necessidade de expressar e registrar a gratidão a todos aqueles que estiveram ao meu lado durante esse percurso e contribuíram de alguma forma para que esse momento se concretizasse. Logo que, fazendo uso de um ditado Xhosa, pessoas são pessoas através de outras pessoas.

À minha orientadora e amiga, Prof.ª Dr.ª Edinéia Tavares Lopes, pelas experiências vivenciadas, pelas oportunidades, por acreditar em mim e no meu trabalho e por ser mais uma referência feminina de força e resistência em minha vida, minha sincera e profunda gratidão.

À professora Dr.ª Adjane da Costa Tourinho e Silva e à professora Dr.ª Suzani Cas-siani, por gentilmente terem aceito participar da minha banca de qualificação e de defesa, pelas valiosas contribuições, cujos questionamentos, considerações e reflexões me levaram a aprimo-rar esta pesquisa; meu sincero agradecimento.

Ao povo Kurâ-Bakairi, especialmente da Aldeia Aturua, no município de Paranatinga - MT, que tão gentilmente me recebeu nas diversas vezes em que estive na aldeia, e onde sempre me senti em casa. Gratidão por me receberem tão bem e aceitarem fazer parte desta pesquisa. Agradeço os momentos na aldeia e todo o aprendizado que tive. Em especial, aos dois colabo-radores da aldeia pela generosidade que se despuseram a dialogar comigo e aceitaram se deslo-car do seu estado até o estado de Sergipe para etapa da pesquisa e a toda a comunidade por ter consentido as suas vindas.

Ao professor e amigo, Márcio Andrei Guimarães, agradeço os ensinamentos, princi-palmente sobre desenhos de pesquisa, e as conversas durante a minha formação acadêmica na graduação e em disciplina no mestrado, os quais contribuíram na constituição da pessoa e pro-fissional reflexiva, crítica e politizada que tenho buscado me constituir. A você minha admira-ção e gratidão.

À professora e amiga Jussane, que desde o Ensino Médio da Educação Básica vem contribuindo com a minha formação enquanto profissional e ser humano. Agradeço a confiança depositada a mim, as oportunidades e toda a torcida. A você minha gratidão e afeto.

À professora e amiga, Maria Batista (Lia), pelos momentos de experiência, aprendizado e amizade, pelas conversas sobre direitos humanos e movimentos sociais e por acreditar em mim e no meu trabalho. A você meu carinho e gratidão.

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Às pessoas que mais me fortaleceram durante esse processo formativo, aos meus pais, Marta Maria e José Paulino, e a minha avó materna, Maria, que foram fonte de amor, inspi-ração e cuidado durante toda trajetória. Agradeço todo cuidado, carinho e compreensão, por serem meus maiores exemplos e minha base de vida e por compreenderem minhas ausências durante esse tempo. A vocês todo o meu amor, respeito e gratidão, pois tudo que sou é parte de vocês.

Aos meus irmãos Karla Vanessa, Calos Henrique e Kléverton Henrique, e aos meus tios, Gilvan e Matheus, pelo carinho e cumplicidade. Gratidão por compreenderem minhas ausências durante esse percurso e por estarem sempre ao meu lado, amo vocês.

Ao meu companheiro e amigo Fábio José, que sempre esteve ao meu lado apoiando os meus voos. Obrigada pelo amor que não aprisiona. A você meu amor e gratidão.

À Maria Batista e Hamilton (pais de Fábio) por todo o cuidado e compreensão. A vocês, minha gratidão e afeto.

Aos amigos Mayara, Janisson, Thomas e Neidinha, que entraram no livro de minha vida ainda nas páginas da graduação e se tornaram fontes de afeto e força nos dias mais difíceis. Obrigada, pelo abraço casa que me acolheu tantas vezes. A vocês, minha imensa gratidão e carinho.

Às amigas e companheiras de pesquisa (sobre identidade docente e formação de profes-sores), Maria Camila, Assicleide (Sissi) e Aline, pelos momentos de aprendizado e compa-nheirismo; aprendi muito com vocês. Amizades que cultivo desde pesquisas realizadas no pe-ríodo da graduação; gratidão.

À CAPES, pelo apoio financeiro imprescindível para o desenvolvimento e realização desta pesquisa.

Ao CNPq pelo financiamento concedido ao projeto “Educação em Ciências na Perspec-tiva da Educação Intercultural: Investigando e Construindo Possibilidades”, ao qual está inves-tigação está vinculada.

À Universidade Federal de Sergipe e ao PPGECIMA pelo suporte dado durante mi-nha formação.

Aos professores do Departamento de Biociências (DBCI) pelos conhecimentos, expe-riências e diálogos compartilhados.

Enfim, agradeço à Luna (minha sobrinha) por ser uma criança cheia de luz e por ter me proporcionado amor mais puro. Obrigada por ter iluminado e colorido os dias mais difíceis dessa caminhada. A você todo o meu amor.

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“Como poderei ensiná-lo a usar meus óculos quando ele já aprendeu a olhar através dos seus para tudo que eu posso apontar?”

(KUHN, p .8, 1979)

“Demoramos muito tempo para perceber nossa identidade planetária... A história avançou pelo lado ruim.”

(Karl Marx)

Uma epistemologia do Sul assenta em três orientações: aprender que existe o Sul;

aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul (SANTOS, 1995, p. 508).

“Seremos conhecidos para sempre pelas pegadas que deixamos” (Dakota)

"Eu sou porque nós somos" (UBUNTU na cultura Xhosa)

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RESUMO

JESUS, Yasmin Lima de. Potencialidades e desafios ao ensino de ciências em uma escola indígena

Kurâ-Bakairi a partir da pesca com o timbó: perspectivas intercultural e decolonial. 2019. 160f. Dissertação

(Mes-trado em Ensino de Ciências e Matemática) Universidade Feral de Sergipe, São Cristóvão, 2019.

A presente investigação almeja – de modo a contribuir com o que apontam as demandas e lutas do movimento indígena brasileiro e as normativas legais que orientam o ensino na modalidade Educação Escolar Indígena, a partir de uma escola que seja específica, diferenciada, bilíngue/multilíngue, comu-nitária e intercultural – compreender como a pesca com o timbó se constitui como uma temática de ensino na área de Ciências da Natureza em uma escola indígena, apontando algumas potencialidades e desafios a partir das perspectivas intercultural e decolonial. A pesca com timbó é realizada por alguns grupos indígenas com a utilização de um cipó (denominado popularmente como timbó) que, depois de “esmagado” na água, intoxica os peixes. A intoxicação é causada por uma substância denominada rote-nona, presente no “caldo” do timbó. Os peixes, após serem intoxicados, começam a emergir, em outras palavras, a “boiar”, e podem ser apanhados facilmente à mão, com o auxílio do arco e da flecha ou de uma lança. Nesse ínterim, visando compreender o diálogo entre saberes a partir da pesca com o timbó no ensino de Ciências da Natureza, nos fundamentamos nos pressupostos teóricos da perspectiva inter-cultural crítica e da decolonialidade (ESCOBAR, 2003; QUIJANO, 2000, 2009, 2012; WALSH, 2005, 2007, 2012, 2013; GROSFOGUEL, 2009; CANDAU, 2010, 2013; FLEURI, 2003, 2012, 2014). Con-sideramos ser um caminho na busca pela compreensão de como a temática pesca com o timbó pode contribuir para uma possível promoção da descolonização dos currículos de Ciências nessa escola, apon-tando outras epistemologias (SANTOS, 2006, 2010). O estudo possui como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa do tipo descritiva (BOGDAN; BIKLEN, 2003; FLICK, 2007) e com perspectiva etnográfica (GEERTZ, 1989), sendo realizada em uma escola indígena do povo Kurâ-Bakairi da aldeia Aturua, no município de Paranatinga, estado do Mato Grosso. Os sujeitos desta pesquisa são o professor de Ciências Kurâ-Bakairi e uma representante dessa comunidade. Para a constituição dos dados, foram realizados análise documental, observações e diálogos entre pesquisadores, professor de ciências e re-presentante da comunidade, sobre as potencialidades e os desafios da temática pesca com o timbó em sua escola. A análise dos dados foi realizada a partir da Análise de Discurso, no sentido da noção de gêneros do discurso de Bakhtin (2003). Nosso entendimento, a partir dos diálogos com o professor e a representante da comunidade, é o de que a pesca com o timbó se constituiu como potencializadora para o estabelecimento do diálogo entre saberes. As práticas pedagógicas elaboradas pelos professores da escola em que realizamos nossa pesquisa evidenciaram o quanto esses professores buscam reconstruir suas práxis, a partir dos desafios colocados pela herança de um ensino de Ciências da Natureza coloni-zado, explicitados, dentre outros, na ausência de livro didático específico para a realidade escolar indí-gena. Assim, esses professores, além de selecionar o que consideram importante do livro didático, têm elaborado diversas atividades didáticas, em diferentes áreas do conhecimento escolar, a partir da pesca com o timbó. Nos apontam, ainda, a intenção de aprofundar a compreensão também na forma de expli-cação da Ciência. Por fim, nos indicam, a partir da constituição da pesca com o timbó como temática de ensino-aprendizagem escolar, questionamentos para o ensino de Ciências e também para a própria prá-tica desse povo. Elucidam, em seus enunciados, diversas potencialidades e desafios desse diálogo inter-cultural, bem como os efeitos da colonialidade. A partir dos pressupostos teóricos nessas perspectivas e dos resultados desta investigação, nosso entendimento é o da prática pesca com o timbó como potenci-alizadora do estabelecimento do diálogo entre saberes, contribuindo para a paridade de direitos quanto aos povos indígenas terem acesso, além de seus conhecimentos tradicionais, aos conhecimentos da ci-ência, por eles ressignificados e de acordo com suas necessidades e anseios para o futuro. Contudo, ressaltamos que compreender e mobilizar o encontro entre essas diferentes visões de mundo é um desa-fio, pois abrange o rompimento com a lógica do pensamento colonial.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena. Ensino de Ciências Naturais. Perspectivas Intercultural e Decolonial. Povo indígena Kurâ-Bakairi. Pesca com o timbó.

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ABSTRACT

JESUS, Yasmin Lima de. Potentialities and challenges to science education in a Kurâ-Bakairi indigenous

school from fishing with the timbó: intercultural and decolonial perspectives. 2019. 160f. Dissertation

(Mas-ter's Degree in Science and Mathematics Education) Feral University of Sergipe, São Cristóvão, 2019.

The present research aims – in order to contribute with what the demands and struggles of the Brazilian indigenous movement and the legal norms that guide the teaching of the Indigenous School Education modality from a specific, differentiated, bilingue / multilingual school , community and intercultural - understand how fishing with timbó is a theme of teaching in the area of Natural Sciences in an indige-nous school, pointing out some potentialities and challenges from the intercultural and decolonial per-spectives. Timbó fishing is carried out by some indigenous groups with the use of a liana (popularly known as timbó) which, after being "crushed" in the water, intoxicates the fish. Intoxication is caused by a substance called rotenone, present in the "broth" of the timbó. The fish, after being intoxicated, begin to emerge, in other words, to "float", and can be easily caught by hand, with the aid of bow and arrow or a spear. At the same time, in order to understand the dialogue between knowledge from the fishing with the timbó in the teaching of the Nature Sciences, we are based on the theoretical assump-tions of the critical intercultural perspective and decoloniality (ESCOBAR, 2003; QUIJANO, 2000, 2009, 2012; WALSH, 2005, 2007, 2012, 2013; GROSFOGUEL, 2009; CANDAU, 2010, 2013; FLEURI, 2003, 2012, 2014). We consider it to be a path in the search for the understanding of how the thematic timbó fishing can contribute to a possible promotion of the decolonization of science curricula in this school, pointing out other epistemologies (SANTOS, 2006, 2010). The study has as a methodo-logical approach the qualitative research of the descriptive type (BOGDAN; BIKLEN, 2003; FLICK, 2007) and with an ethnographic perspective (GEERTZ, 1989), being carried out in an indigenous school of the Kurâ-Bakairi people of Aturua village, in the municipality of Paranatinga, state of Mato Grosso. The subjects of this research are: the science teacher Kurâ-Bakairi and a representative of this commu-nity. For the constituion of the data, documentary analysis, observations and dialogues between re-searchers, science teacher and community representative were carried out on the potentialities and chal-lenges of timbó fishing in his school. The analysis of the data was carried out from the Discourse Anal-ysis, in the sense of the notion of genres of the discourse of Bakhtin (2003). Our understanding, from the dialogues with the teacher and the representative of the community, is that the timbó fishing was constituted as a potential of dialogue between knowledge. The pedagogical practices elaborated by the teachers of the school in which we conducted our research evidenced how much these teachers seek to reconstruct their praxis, based on the challenges posed by the inheritance of a teaching of colonized Nature Sciences, explained, among others, in the absence of specific textbook to the indigenous school reality. Thus, these teachers, in addition to selecting what they consider important in the textbook, have elaborated several didactic activities, in different areas of school knowledge, from the timbó fishing. We also point out the intention to deepen the understanding also in the form of explanation of Science. Finally, they point out to us, from the formation of the timbó fishing as a subject of school teaching and learning, questions for the teaching of Science and also for the practice of this people. They elucidate, in their statements, the diverse potentialities and challenges of this intercultural dialogue, as well as the effects of coloniality. Based on the theoretical assumptions in these perspectives and the results of this research, our understanding is the practice of timbó fishing as a potentiator of the establishment of dia-logue between knowledge, contributing to the parity of rights as indigenous peoples have access, in addition to their traditional knowledge , to the knowledge of science, for which they are re-designated and according to their needs and desires for the future. However, we emphasize that understanding and mobilizing the encounter between these different worldviews is a challenge, since it includes a break with the logic of colonial thought.

Keywords: Indigenous School Education. Natural Sciences Teaching. Intercultural and Decolonial Pers-pectives. Kurâ-Bakairi Indigenous People. Timbó Fishing.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Síntese das características ekudyly e iwenyly. ... 49 Quadro 2: Descritores utilizados nas bases de dados investigadas. ... 73 Quadro 3: Produções acadêmicas que tratam do Ensino de Ciências Naturais na perspectiva intercultural, sem recorte temporal (BDTD e Scielo)... 76 Quadro 4: Contextos investigativos das produções acadêmicas que tratam do Ensino de Ciências Naturais na perspectiva intercultural, sem recorte temporal (BDTD e Scielo). ... 77 Quadro 5: Código da transcrição das entrevistas.¹ ... 97

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Esquema dos enfoques temáticos para a realização do levantamento das produções científicas. ... 72 Figura 2: Expressividade do ensino na perspectiva intercultural (EPI) nas produções científicas sobre o Ensino de Ciências Naturais (ECN), sem recorte temporal (BDTD e Scielo). ... 74 Figura 3: Expressividade do Ensino de Ciências Naturais (ECN) nas produções sobre o ensino na perspectiva intercultural (EPI), sem recorte temporal (BDTD e Scielo). ... 75 Figura 4: Mato Grosso – Terras Indígenas Bakairi e Santana... 87 Figura 5: Aldeia Aturua, Palhoça (local onde a comunidade se reúne), Rua Principal – 2015. ... 88 Figura 6: Casas da aldeia: a) casas mais antigas de taipa, barro e palha; b) e c) casas mais novas com telhado em material Eternit – 2015. ... 88 Figura 7: Sala de aula EMI Otávio Kureve, 2015. ... 89 Figura 8: a) Prédio de alvenaria que funciona a escola estadual, CEIEB Aturua; b) Palhoça Central – 2015. ... 89 Figura 9: a) Cozinha, localizada ao lado da escola de alvenaria; b) Banheiro coletivo da escola, localizado próximo à escola de alvenaria – 2015. ... 90 Figura 10: Local do rio para realização da pesca com o timbó – 2015. ... 91 Figura 11: Timbó, registro realizado em fevereiro de 2012. ... 93

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC – Alfabetização Científica

ACT – Alfabetização Científica e Tecnológica BDTD – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEIEB – Colégio Estadual Indígena de Educação Básica Aturua

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONEEI – Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena

CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade

EB – Educação Básica

EEI – Educação Escolar Indígena ECN – Ensino de Ciências da Natureza EF – Ensino Fundamental

EM – Ensino Médio

EPI – Ensino na Perspectiva Intercultural EEI – Educação Escolar Indígena

EMI – Escola Municipal Indígena Otávio Kureve (EMI Otávio)

FAPITEC/SE – Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe FNEEI – Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena

FUNAI – Fundação Nacional de Apoio ao Índio LD – Livro Didático

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação

PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PNLD – Plano Nacional do Livro Didático

PPP – Projeto Político Pedagógico QSC – Questões Sociocientíficas

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas SCIELO – Scientific Eletronic Library Online

TEK – Traditional Ecological Knowledge TIB – Terra Indígena Bakairi

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TGI – Terceiro Grau Indígena

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

1 APROXIMAÇÃO COM O OBJETO DE ESTUDO ... 17

2 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E DOS OBJETIVOS DA PESQUISA ... 20

3 APRESENTAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL DO TEXTO ... 26

CAPÍTULO 1: CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS, CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E LINGUAGEM NO ENSINO DE CIÊNCIAS ... 28

1.1 EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL E FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA: ALGUNS APONTAMENTOS ... 28

1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CULTURA(S): REFLEXÕES E IMPLICAÇÕES NO ENSINO DE CIÊNCIAS ... 33

1.3 CIÊNCIA E LINGUAGEM: DIALOGIA, POLIFONIA E GÊNEROS DO DISCURSO ... 43

CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: DIÁLOGOS POSSÍVEIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS... 52

2.1 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UTOPIAS E REALIDADES NA TRANSIÇÃO DA ESCOLA PARA ÍNDIOS À ESCOLA DOS INDÍGENAS ... 52

2.2 EDUCAÇÃO INTERCULTURAL, DECOLONIALIDADE E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS EM ESCOLAS INDÍGENAS ... 58

2.2.1 Entendimento da perspectiva Intercultural: origens e reflexões iniciais ... 58

2.2.2 Perspectiva intercultural crítica, decolonialidade e o diálogo entre saberes: considerações para o ensino de Ciências em escolas indígenas ... 62

2.3 MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES SOBRE A TEMÁTICA ... 72

2.3.1 Interculturalidade e Ensino de Ciências nas produções científicas brasileiras .. 74

2.3.1.1 Caracterização inicial ... 74

2.3.1.2 O que anunciam as produções ... 78

CAPÍTULO 3: TRAJETÓRIA METODOLÓGICA DA PESQUISA ... 85

3.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA ... 85

3.2 CONTEXTO DA COMUNIDADE INDÍGENA INVESTIGADA: O POVO KURÂ-BAKAIRI . 86 3.3 CONSTITUIÇÃO DOS DADOS ... 94

3.3.1 Instrumentos para a constituição dos dados ... 95

3.3.2 Aspectos éticos e epistemológicos ... 98

3.3.3 Instrumentos para tratamento e análise dos dados ... 98

CAPÍTULO 4: A TEMÁTICA PESCA COM O TIMBÓ: POSSIBILIDADES NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA NA ESCOLA INDÍGENA ... 100

4.1 IDENTIFICANDO A TEMÁTICA TIMBÓ NA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA COMUNIDADE INVESTIGADA: ASPECTOS GERAIS ... 100

4.2 A TEMÁTICA PESCA COM O TIMBÓ NO ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR DESSA COMUNIDADE: POTENCIALIDADES E DESAFIOS ... 111

4.2.1 Ensino de ciências e o LD: desafios e potencialidades ... 111

4.2.2 A pesca com o timbó se constituindo como espaço intersticial para o diálogo intercultural no ensino de Ciências ... 119

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4.3 SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DIÁLOGOS

SOBRE O ENCONTRO ENTRE SABERES ... 128

4.3.1 O professor como representante da cultura e a sua formação ... 130

4.3.2 O professor como representante da ciência e a sua formação ... 139

CONSIDERAÇÕES: SE CONCLUIR FOSSE POSSÍVEL ... 146

REFERÊNCIAS ... 150

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INTRODUÇÃO

Esta seção é organizada em quatro tópicos. No primeiro, são apresentadas, brevemente, a relação e a aproximação com o objeto de estudo, a partir de uma breve descrição das experi-ências acumuladas pela autora ao longo de seu processo formativo que contribuíram e permea-ram tal aproximação. No segundo, são descritos a problemática e os objetivos da pesquisa. No terceiro tópico desta seção, é caracterizado o contexto da comunidade indígena investigada, o do povo Kurâ-Bakairi da Aldeia Aturua, município de Paranatinga, Mato Grosso – Brasil. No quarto e último tópico, é exposta a organização estrutural do texto.

1 Aproximação com o objeto de estudo

Nesse momento em que inicio1 a escrita deste tópico, todo o texto já está escrito, embora a pesquisa não se encerre nas páginas que se seguem e constituem esta dissertação. Pensar sobre a aproximação com o objeto de estudo é refletir, em parte, sobre minha trajetória formativa. Estava eu ainda no segundo ano do Ensino Médio, estudante de uma escola pública nordestina, envolvida, voluntariamente, com alguns projetos e atividades coordenados por uma professora dessa escola em parceira com uma professora e alguns acadêmicos do Campus Itabaiana2, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A participação nessas atividades, como também o con-tato com essa professora e esses acadêmicos, me possibilitaram pensar novos caminhos e, as-sim, almejar o ingresso em uma universidade, algo até então não acessado por meus familiares mais próximos, embora sejam a educação e o estudo por eles reconhecidos e muito valorizados.

Ainda a respeito do contato com essas pessoas e esses profissionais, surgiu a oportuni-dade de trabalhar3 com essa professora da universidade durante seu processo formativo de dou-toramento4. Foi um grande desafio, devido a fatos como: não ter acesso à internet, não ter com-putador e, por consequência, pouca habilidade no uso desses equipamentos e, naturalmente, o

1 Optei por usar neste tópico a primeira pessoa do singular e do plural, por se tratar de experiências pessoais. Essa

escolha baseia-se em Charlot (2005), que afirma que o eu epistêmico é uma condição da situação didática que promove um conforto com objetos do sujeito do saber. Nos demais tópicos, optei pela primeira pessoa do plural.

2 O Campus Prof. Alberto Carvalho é conhecido como Campus Itabaiana por localizar-se em Itabaiana, município

do Agreste Sergipano.

3 O trabalho realizado naquele período apresenta características do que atualmente é definido como Iniciação

Ci-entífica Junior.

4 LOPES, Edinéia Tavares. Conhecimento Bakairi, cotidianos e conhecimentos químicos escolares:

perspecti-vas e desafios. Tese (Núcleo de Pós-graduação em Educação). Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão– SE, 2012.

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fato de não ter sido iniciada na investigação científica. Tais desafios converteram-se em opor-tunidades de aprender e, portanto, como já mencionei, almejar a entrada no Ensino Superior.

Durante a contribuição nas transcrições das entrevistas e dos vídeos produzidos nas al-deias, conheci um pouco mais sobre os povos indígenas, até então pouco estudados no meu processo formativo escolar. Nesse processo formativo, havia um silenciamento das culturas indígenas e, quando elas estiveram presentes, eram retratadas de forma estereotipada e/ou como do passado, em atividades como: comemorações do Dia do Índio5, textos e imagens dos livros didáticos de história e filmes que os traziam como o “bom selvagem” ou como “povos já extin-tos”. Essa aproximação com a temática indígena me instigou a querer conhecê-los mais.

Com o ingresso na universidade, em 2012, comecei a trabalhar com o ensino de Ciências em escolas indígenas em alguns programas, a saber: Programa Institucional de Bolsas de Inici-ação à Docência (PIBID)6, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão (PIBIX), Programa de Consolidação das Licenciatura (PRODOCÊNCIA) e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), entre outros projetos sob orientação da professora su-pracitada, a qual acompanhei em seu processo de doutoramento. Com a participação nesses projetos, tive contato com algumas comunidades indígenas, nos estados de Sergipe, Alagoas, Bahia e Mato Grosso. Assim, durante a Iniciação científica (Bolsista FAPITEC: 2014-2015; CNPq: 2015-2016)7, desenvolvi atividades de investigação com os saberes científicos escolares em três escolas indígenas dos seguintes estados:

• Sergipe: povo Xokó, da Aldeia Ilha de São Pedro, do município de Porto da Folha.

• Mato Grosso: povo Kurâ-Bakairi da Aldeia Aturua, e povo Xavante da Aldeia Marechal Rondon, ambos do município de Paranatinga.

Durante essas investigações, além dos estudos teóricos, trabalhei com a relação que os estudantes desses povos indígenas mantinham com os conhecimentos científicos escolares e as

5 Nesses eventos sempre era a escolhida para desfilar vestida de “índia”, especialmente devido ao fato de minhas

características fenotípicas serem consideradas – no imaginário dos realizadores desses eventos, como, também, no da maioria das pessoas do Estado de Sergipe – mais próximas das demonstradas pelos indígenas.

6 Durante a participação nesse Programa, dentre outras tantas atividades, desenvolvemos uma atividade de reflexão

sobre nossas origens. Em síntese, identifiquei em conversas informais com meu pai, e com alguns outros familia-res, ser tataraneta de uma indígena com um homem branco. Já em se tratando da origem por parte materna, iden-tifiquei, em conversas com minha mãe e minha avó, origem negra e indígena.

7Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/Brasil); Conselho

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possíveis temáticas para o ensino de Ciências, como a “Pesca com o Timbó”8 e as “Pinturas Corporais”9.

Cabe registrar que todas essas atividades se inserem nas ações de dois grupos de pes-quisa: GEPIADDE10 e NEABI11. Essas investigações, iniciadas, sobretudo, durante a tese de doutorado supracitada, vêm sendo desenvolvidas em contextos escolares, como: indígena, qui-lombola, ribeirinha e urbano (LOPES, 2012; LOPES; JESUS; BRITO, 2013; LOPES, 2014; LOPES; COSTA; MOL, 2014; LOPES, 2015; BRITO; LOPES; JESUS, 2015a; LOPES; JE-SUS, 2015b; VIEIRA; JESUS; LOPES, 2015; JESUS; LOPES; COSTA, 2015; JESUS; LO-PES, 2016; LOPES et al., 2017). De maneira particular, podemos citar o projeto “Educação em Ciências na perspectiva intercultural: investigando e construindo possibilidades” (Financiado pelo CNPq, Edital Universal 01/2016, Processo nº 429682/2016-6), que investiga possibilida-des e possibilida-desafios encontrados no ensino de Ciências em três realidapossibilida-des escolares de distintas regi-ões brasileiras e em uma escola do Equador. Esta dissertação vincula-se a tal projeto.

A partir da participação e das discussões no nosso grupo de pesquisa, segui investigando e buscando aprender um pouco mais sobre o ensino de Ciências em escolas indígenas. Nesse âmbito, o encontro entre os diferentes conhecimentos, o da ciência escolar e os das culturas indígenas, suas vozes e seu diálogo na formação de novos conhecimentos que fujam de uma matriz colonial vêm me inquietando e me trazendo para um lugar de fala. Além disso, o fato de esse ensino, em diversas realidades escolares brasileiras, se encontrar muito distante das neces-sidades apontadas pelos povos indígenas e pelos documentos oficiais, coloca a necessidade de aprofundamento dos estudos e a ressignificação das práticas educativas no âmbito do ensino de Ciências nessas unidades escolares, buscando-se, assim, de fato, contribuir para o empodera-mento e a valorização dos saberes, da língua e das formas próprias de produção e validação de conhecimento e de aprender desses povos.

Cabe ainda ressaltar o quanto o acolhimento do povo Kurâ-Bakairi, e tudo o que eles me ensinaram, me motivaram a continuar a investigação também na Pós-Graduação.

8 A pesca com timbó é realizada por alguns grupos indígenas com a utilização de um cipó (denominado

popular-mente como timbó) que, depois de “esmagado” na água, intoxica os peixes. A intoxicação é causada por uma substância denominada rotenona, presente no “caldo” do timbó. Os peixes, após serem intoxicados, começam a emergir, em outras palavras, a “boiar”, e podem ser apanhados facilmente à mão, com o auxílio do arco e da flecha ou de uma lança (LOPES, 2012).

9 Essa temática foi trabalhada durante o PIBID no contexto da Educação Escolar Indígena e no contexto da lei

11.645 de 2008. Esta lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, alterada em 2003 pela lei 10.639, e institui a obrigatoriedade do ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nos currículos oficiais da rede de ensino nacional.

10 Grupo de Estudos e Pesquisas Identidades e Alteridades: Desigualdades e Diferenças na Educação. 11 Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas.

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Nesse sentido, a minha trajetória de vida, e, de forma particular, a minha trajetória for-mativa, me fazem acreditar que a educação seja, possa ou ao menos deveria ser um instrumento de luta, de resistência, de empoderamento, de afirmação, uma ação política, crítica, democrática e libertadora, devendo ela ir contra qualquer processo de produção de alienação, especialmente das classes populares, como apontado e defendido pelo educador brasileiro Paulo Freire.

2 Apresentação da problemática e dos objetivos da pesquisa

Como bem se sabe, todos os processos e as transformações que ocorrem na sociedade refletem, seja de forma direta ou indireta, na educação nacional e, consequentemente, no espaço escolar. Nesse sentido, quando buscamos investigar essa educação, necessitamos voltar nosso olhar para um determinado contexto e nos ancorar nos referenciais que fundamentam aquilo em que acreditamos, nossas ideologias, nossas concepções e nossos valores.

Nesse ínterim, pensar em uma educação científica que proporcione a formação cidadã exige uma renovação dos currículos – como também novas concepções de currículo – escolares de Ciências da Natureza, além das implicações dessas novas concepções no processo de forma-ção docente, especialmente para essa área do conhecimento e diante da situaforma-ção atual política brasileira. Logo, diversos pesquisadores têm se debruçado em investigações sobre a problema-tização da educação científica no que tange a seus objetivos e suas aplicações. Para citar alguns: Krasilchik (1987, 2000); Lopes (1999); Marandino (1994); Cachapuz et al. (2000); Gil-Pérez et al. (2001); Lorenzetti e Delizoicov (2001); Santos e Mortimer (2001); Cachapuz et al. (2011); Chassot (2003, 2007, 2014); Santos (2007); Mortimer (2000); Mortimer e Sccott (2002); Pozo e Crespo (2009), e também no que se refere às políticas de currículo – Lopes (2006); Lopes e Macedo (2012).

Ao refletirmos sobre os objetivos de se ensinar Ciências a partir da perspectiva de uma educação científica que promova a formação cidadã crítica na tomada de decisão socialmente consciente e responsável (KRASILCHIK, 2000; SANTOS; MORTIMER, 2001; CACHAPUZ, et al. 2011), é necessário que ocorra, como mencionamos, uma reformulação nos currículos escolares e na formação de professores dessa área do conhecimento, algo já evidenciado e pro-posto nos PCNs, antecedendo essas pesquisas citadas. Por sua vez, quando trazemos essa ques-tão para as realidades das escolas indígenas do país, torna-se extremamente pertinente pensar

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em um ensino de ciências que contemple esses conhecimentos tidos como “universais”, da Ci-ência Ocidental, como direito à apropriação12 e à participação cidadã desses povos, como tam-bém um ensino que aborde e dialogue com outros conhecimentos e pedagogias próprios desses povos, no sentido do que eles esperam desse ensino em suas escolas. Em outras palavras, um ensino que contemple a realidade e as necessidades e preserve a identidade, a língua e os modos próprios de produção de conhecimento desses povos.

No que se refere ao ensino de Ciências no contexto da EEI, os dispositivos normativos que sustentam em termos legais o direito a uma educação específica e diferenciada dos povos indígenas estruturam-se a partir de duas vertentes, sendo imprescindível que a convergência entre si para que tal direito seja efetivado. A primeira vertente refere-se ao acesso aos conheci-mentos ditos universais, como direito. Por outro lado, a segunda aponta para a elaboração de práticas escolares e para o respeito e a organização, em um sistema, de saberes e conhecimentos tradicionais dos indígenas (GRUPIONI, 2002).

A escola constitui-se como um importante espaço de aprendizado para os Kurâ-Bakairi, mas o conteúdo escolar tem maior importância como parte da atuação de “civilizado” (COLLET, 2006; LOPES, 2015). Desse modo, o fato de estarem no espaço escolar, espaço “do branco”, e usarem trajes e objetos ocidentais não significa estarem deixando de ser Kurâ-Ba-kairi, conforme aponta Collet (2006, p. 05) ao explicar que

Transformar-se a partir do uso ritual de roupas, máscaras ou pinturas, na visão dos Bakairi, diz respeito a assumir uma nova “identidade”, sem que isso represente nem um estado irreversível nem o abandono de outras “identidades”. Na verdade o termo “identidade” é apenas uma aproximação, sendo por mim utilizado por falta de outro conceito que consiga abarcar todo o sentido do processo de transformação a que estou me referindo.

Nesse sentido, a entrada no mundo escolar, ou do “branco”, adotando provisoriamente um comportamento do não indígena, não significa ter abandonado a identidade, tampouco sig-nifica a transformação definitiva em “branco”, mas a “transformação” no outro, provisoria-mente, algo que faz parte da cosmovisão Kurâ-Bakairi. Assim, a escola é um espaço de media-ção com os não indígenas. Logo,

[...] os alunos bakairi, mesmo deixando de aprender algumas práticas cotidianas com os pais ou com a comunidade, pelo fato de dedicarem parte do tempo aos estudos, garantirão, com o acesso à escola, o mais importante para os Bakairi: a reprodução da

12 O termo apropriação é utilizado por Bakhtin (2003, 2009) por envolver questões relacionadas ao processo de

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família. Nessa perspectiva, os conteúdos escolares são colocados, sobretudo, em fun-ção da relafun-ção com os não indígenas (LOPES, 2015, p. 250).

Destarte, consideramos que toda a discussão sobre as implicações da Ciência e da Tec-nologia, a serem contempladas nas aulas de Ciências, como acerca dos problemas desse ensino, reflete, também, em outros contextos educacionais. Destacamos, neste texto, a Educação Esco-lar Indígena13 (EEI), uma vez que a organização curricular e o livro didático (na maioria das vezes, o mesmo utilizado nas demais escolas brasileiras) seguem com influência da lógica oci-dental e fragmentação dos conteúdos científicos (LOPES, 2012, 2015). Igualmente, as experi-ências na formação de professores para essa modalidade de ensino apresentam diversos desa-fios, conforme apontado em investigações como a de Rosa (2018).

Nesse cenário, as renovações dos currículos e da formação de professores no contexto da EEI tornam-se ainda mais desafiadoras, pois devem, enquanto aspectos essenciais para a consolidação dessa modalidade, ser pautadas conforme alguns dispositivos legais e administra-tivos decorrentes da Constituição de 1988. Assim, a partir desta Constituição e com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os povos indígenas adquiriram, entre outros direitos, a demarcação dos territórios, a organização social, as línguas maternas e os processos próprios de aprendizagem. O direito ao uso das línguas maternas e aos processos próprios de aprendizagem demandou diversas mudanças na LDB, exigindo, consequentemente, a criação de dispositivos normativos e orientadores nessa modalidade de ensino na busca pela garantia de uma educação escolar específica, diferenciada, bilíngue/multilíngue, comunitária e intercul-tural desses povos indígenas. Além disso, no que se refere à especificidade na organização cur-ricular, conquistou-se um calendário específico, o que lhes possibilitou maior autonomia, como é destacado, também, no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), sendo o ensino, nesses contextos escolares – indígenas –, específico e diferenciado (BRASIL, 1998).

No campo acadêmico, as investigações e as práticas escolares nos diversos contextos da EEI brasileira colocam no centro da discussão a interculturalidade (CANDAU; RUSSO, 2010), provocando, com essas investigações e com as práticas escolares indígenas, um repensar acerca das bases que vêm sustentando um ensino que pouco atende às diferentes realidades nacionais e que não rompe com a matriz curricular colonial.

13 Sobre a EEI, Collet (2006) esclarece, a partir do que foi refletido por autores, tais como Meliá (1970) e Lopes

(1980), que essa é a denominação dada à educação oferecida formalmente na escola, enquanto Educação Indígena são as práticas tradicionais de socialização e transmissão de conhecimentos próprios a cada sociedade indígena.

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No entanto, Lopes e colaboradores (2017) argumentam que a efetivação do projeto de EEI carece de parcerias institucionais em que a formação dos professores indígenas em cursos específicos – com currículo que seja diferenciado – atenda, de fato, às novas diretrizes14 para essa modalidade de ensino e às demandas colocadas pelos mais de 30015 povos indígenas deste país. Para tal, apontam ainda que é imprescindível a inclusão, de forma concreta, das pedago-gias desses povos indígenas e de seus conhecimentos tradicionais16 – os quais constituem sua cultura – nessa modalidade, em aliança com os conhecimentos acadêmicos, a exemplo dos co-nhecimentos científicos escolares. Acrescentam, também, que é necessário considerar, entre outros desafios, uma formação específica para os professores indígenas que atuam nas escolas das aldeias, devido ao fato de ainda haver um número expressivo desses professores atuando em suas comunidades sem essa formação, logo precisa-se de concurso diferenciado.

Ainda há de se considerar que, embora sejam significativas as conquistas educacionais dos povos brasileiros nas últimas décadas, após a Constituição de 1988, há carência na produção científica nacional17, sobretudo no que se refere à área de Ciências da Natureza em escolas indígenas (LOPES, 2015).

A autora investigou, em sua pesquisa de doutoramento, a relação que um grupo de alu-nos Kurâ-Bakairi da Aldeia Aturua18, mantinham com os conhecimentos escolares e com a cultura. Além disso, investigou as possibilidades e os desafios encontrados na produção de co-nhecimentos químicos junto a uma escola indígena Kurâ-Bakairi. A intenção era identificar as

14 BRASIL. Resolução 03/99/CNE. Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas.

Brasília: MEC, 1999.

BRASIL. Resolução 05/2012. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na

Edu-cação Básica. Brasília: MEC, 2012.

15 Segundo informações divulgadas e disponibilizadas na plataforma online da FUNAI: os dados do censo do IBGE

realizado em 2010 apontam que a população brasileira soma 190.755.799 milhões de pessoas. Ainda segundo o censo, 817.963 mil são indígenas, representando 305 diferentes etnias. Foram registradas no país 274 línguas in-dígenas. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?limitstart=0#>. Acesso em: 18 jan. 2019).

16 Nosso entendimento, no presente texto, de conhecimento tradicional ou autóctone é como sendo o conhecimento

de natureza dinâmica que é originário da região, do território ou do país em que se habita. Em outras palavras, trata-se do conhecimento detido por membros de uma cultura e/ou às vezes adquiridos sobre a própria cultura ou sobre o ambiente local em que ela existe (MUGABE, 1999). Está relacionado com conhecimentos de práticas medicinais, religiosos, arquitetônicos, educacionais, artísticos, cosmológicos, entre outros. Nesse sentido, o co-nhecimento indígena se encaixa na categoria de coco-nhecimento tradicional, mas este – o coco-nhecimento tradicional – não é necessariamente indígena, pois existem diversas populações tradicionais além das indígenas, a exemplo das populações ribeirinhas.

17 Essa carência apontada vem sendo evidenciada, também, no desenvolvimento desta investigação, ao

constatar-mos poucos trabalhos que discutem e/ou abordam o ensino de Ciências numa perspectiva intercultural no contexto da modalidade Educação Escolar Indígena, conforme pode ser visto no mapeamento deste texto no segundo capí-tulo.

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perspectivas utilizadas pelos estudantes dessa escola para explicar fenômenos que ocorrem du-rante a pesca com o timbó, buscando, a partir dessas explicações, reconhecer como aparecem em seus enunciados vozes do seu cotidiano e dos conhecimentos químicos escolares. Segundo essa autora, a partir dos dados coletados foi possível inferir que esses alunos, ao buscarem ex-plicar essa pesca, utilizam explicações vinculadas à mitologia Kurâ-Bakairi e às vivências co-tidianas. Quando solicitado que explicassem a ação do timbó, ela observou que elaboravam explicações que se aproximavam da perspectiva da ciência. Além disso, identificou que a apro-ximação com as explicações científicas escolares parece não ser motivo de conflito para os alunos, demonstrando grande abertura para diferentes explicações acerca do mesmo fenômeno, o que, como reflete a autora, leva a concluir que esses alunos, quando estimulados, conseguem voltar seu olhar para aspectos mais ligados ao fenômeno em si, consequentemente distanciando-se um pouco mais dos aspectos ligados à mitologia Kurâ-Bakairi e dos aspectos utilitários em sua vida cotidiana (LOPES, 2012).

A partir desses resultados, Lopes (2012) e Lopes, Costa e Mol (2014) argumentam que a inserção na dimensão cultural da ciência é uma das possibilidades de ampliação no processo de formação do cidadão crítico. Apontando ainda que a pesca com o timbó pode ser considerada um tema importante para a construção de conhecimentos químicos escolares, ampliamos o es-copo para os conhecimentos científicos escolares, sobretudo no sentido de que uma das possi-bilidades de produção de conhecimento contextualizado deve ter como ponto de partida e de chegada o cotidiano do aluno. Nesse sentido, essa ação didática deve problematizar esse coti-diano, (re)construindo as explicações, compreendendo uma visão mais ampla e crítica dessa realidade, a partir de ferramentas, também, proporcionadas pela ciência.

Considerando a defesa da autora e dos sujeitos Kurâ-Bakairi colaboradores da pesquisa, no que diz respeito à utilização da pesca com o timbó como temática escolar, optei por direci-onar esta investigação para a reflexão das potencialidades e limitações, a partir dos diálogos estabelecidos entre pesquisadores, professor indígena e representante da comunidade, na iden-tificação da pesca com o timbó como temática de ensino em uma escola indígena, com foco na área Ciências da Natureza com perspectivas intercultural e decolonial.

Essa elaboração será norteada pelos pressupostos da perspectiva intercultural e da de-colonialidade, bem como pelos principais documentos legais para a modalidade, como o Pare-cer CNE/CEB nº 14/1999 e a Resolução CEB nº 3, de 10 de novembro de 1999.

Nesse contexto, diante da necessidade de compreender esse universo formativo do es-paço escolar de uma aldeia do povo indígena Kurâ-Bakairi, esta investigação partiu do seguinte questionamento: Como a pesca com o timbó se constitui como uma temática de ensino na área

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de Ciências da Natureza em uma escola indígena, apontando algumas potencialidades e desafios a partir das perspectivas intercultural e decolonial? E estes foram os questionamentos nortea-dores:

• Como a pesca com timbó se constitui como uma temática de ensino de Ciências da Natureza a partir dos enunciados dos sujeitos sobre as práticas pedagógicas nessa reali-dade escolar apontando algumas potencialireali-dades e alguns limites?

• Quais as possiblidades e os desafios da pesca com o timbó se constituir como uma te-mática de ensino na perspectiva intercultural e decolonial nessa realidade escolar indí-gena?

• Quais as potencialidades e os desafios para o Ensino de Ciências da Natureza e a for-mação de professores indígenas colocados a partir do encontro entre os diferentes co-nhecimentos ao abordar essa temática?

Como objetivo geral desta investigação, buscamos: Compreender como a pesca com o timbó se constitui como uma temática de ensino na área de Ciências da Natureza em uma escola indígena, apontando algumas potencialidades e alguns desafios a partir das perspectivas inter-cultural e decolonial. A seguir, trazemos os objetivos específicos que nortearam o estudo:

• Descrever como o timbó se constituiu e se constitui como uma temática de ensino nessa realidade escolar apontando algumas potencialidades e alguns limites;

• Refletir como a pesca com timbó se constitui como uma temática de ensino de Ciências da Natureza a partir dos enunciados dos sujeitos sobre as práticas pedagógicas nessa realidade escolar;

• Relacionar a partir da temática investigada as potencialidades e os desafios para o En-sino de Ciências da Natureza e a formação de professores indígenas colocados a partir do encontro entre os diferentes conhecimentos.

Esta investigação está ancorada nas bases que constituem a perspectiva intercultural e decolonial. Para Fleuri (2003), a educação nessa perspectiva passa a ser concebida como pro-cesso que é construído a partir da relação entre diferentes sujeitos, em que se criam contextos de interação. Nesses contextos de interação – ou espaço intersticiais, os “entre-lugares”, como denomina Bhabha (2013) –, há a aprendizagem não apenas dos conceitos e valores ligados à

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visão eurocêntrica de modernidade e progresso, mas, sobretudo, a aprendizagem dos contextos a partir dos quais esses conceitos e valores adquirem significados, e por vezes são ressignifica-dos quando traziressignifica-dos juntos e a partir de conhecimentos e valores locais. Nesse sentido, ao abor-dar os conceitos e valores sobre o universo natural e cósmico a partir do contexto local dessas comunidades indígenas e de seus universos explicativos pode ocorrer, a nosso ver, o processo de negociação de significados.

A perspectiva intercultural, conforme aponta Fleuri (2003, p. 17), configura-se enquanto uma proposta de “educação para a alteridade”, tratando-se de “[...] um novo ponto de vista baseado no respeito à diferença, que se concretiza no reconhecimento da paridade de direitos”, sendo, desse modo, a perspectiva intercultural concebida enquanto estratégia ética, política e epistêmica (CANDAU; RUSSO, 2010). E essa perspectiva, quando considerada em sua função crítica, aponta, necessariamente, para um projeto decolonial (FLEURI, 2012, 2014; WALSH, 2013) não apenas no sentido da decolonialidade do poder (GROSFOGUEL, 2009; QUIJANO, 2012), mas entendendo a interculturalidade como processo e projeto em direção à construção de “outras” formas de poder, saber, ser e viver (WALSH, 2013).

A seguir, será apresentada a organização estrutural da dissertação.

3 Apresentação da organização estrutural do texto

Este texto é composto por quatro capítulos, além das seções Introdução, Considerações e Referências. Na Introdução, apresentamos a aproximação com o objeto de estudo, a qual con-tribuiu com a problemática investigada, os objetivos e a problemática de investigação.

No primeiro capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos que norteiam o ensino de Ciências, como a pesquisa em ensino de Ciências a nível nacional, e uma breve aproximação dessa problemática com as diretrizes que norteiam o ensino dessa área do conhecimento na Educação Escolar Indígena. Além disso, são trazidos e discutidos alguns conceitos, tais como: conhecimento cotidiano, conhecimento científico escolar e senso comum; é apresentada, tam-bém, uma reflexão sobre a ciência enquanto linguagem.

No segundo capítulo, por sua vez, apresentamos uma breve descrição das principais normativas legais que norteiam a modalidade Educação Escolar Indígena. Tecemos uma breve discussão sobre a educação intercultural e a decolonialidade, além das contribuições da filosofia do Bem Viver para a construção de outros mundos, no sentido decolonial. Em seguida, descre-vemos o mapeamento realizado sobre as produções nacionais que abordam a Perspectiva Inter-cultural nas pesquisas científicas nacionais em Ensino de Ciências.

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O capítulo terceiro trata da metodologia desta investigação, e nele descrevemos a abor-dagem, os métodos de constituição dos dados e de análise e os sujeitos da pesquisa; apresenta-mos também o contexto da comunidade indígena investigada, o povo Kurâ-Bakairi, e as pers-pectivas para a pesca com o timbó.

Posteriormente, apresentamos e discutimos, no quarto capítulo, os resultados constitu-ídos durante os diálogos com os sujeitos da pesquisa. Durante as discussões nesses diálogos, trazemos à baila dados e reflexões acerca da identificação da temática na educação escolar na comunidade investigada, como, também, no contexto do ensino de Ciências, refletindo sobre as potencialidades e os desafios para essa temática numa perspectiva da educação intercultural e decolonial. Posteriormente, realizamos uma reflexão acerca de como o timbó se constitui e se constituiu como uma temática de ensino nessa realidade escolar, partindo da necessidade de diálogos sobre o encontro entre saberes.

Por fim, apresentamos as Considerações Finais, nas quais ressaltamos a importância desta investigação para o ensino de Ciências em escolas indígenas, especialmente no contexto escolar bakairi, na busca da efetivação de uma educação que seja bilíngue/multilíngue, especí-fica, diferenciada, comunitária e intercultural, mas que, além disso, proporcione a esses cida-dãos indígenas ferramentas que os libertem da opressão ocidental e que lhes possibilitem cons-truir práticas emancipatórias e o empoderamento e o protagonismo indígena. Ao final, são lis-tadas as referências bibliográficas utilizadas para fundamentar este texto.

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CAPÍTULO 1: CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS, CONHECIMENTOS TRADICIO-NAIS E LINGUAGEM NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Neste capítulo, são apresentadas e discutidas, brevemente, a Educação Científica no Brasil e as discussões sobre a importância de uma formação para a cidadania. No tópico se-guinte, são apresentados e discutidos alguns conceitos, tais como: cultura, senso comum, co-nhecimento cotidiano, coco-nhecimento tradicional e coco-nhecimento científico, de modo a estabe-lecer relações com nossas opções ideológicas e epistemológicas. Por fim, discutimos, a partir dos estudos sobre ciências e linguagem, os principais conceitos no campo do discurso, por meio de Bakhtin (2003).

1.1 Educação Científica no Brasil e formação para a cidadania: alguns apontamentos

Muitos têm sido os discursos sobre uma mudança na educação científica. Embora seja, por vezes, apontada e enfatizada tal mudança, o que se constata é que o ensino de Ciências, na maioria das ocasiões, não vai além de simples memorização de conceitos, fórmulas e procedi-mentos, seja por meio de um experimentalismo que não faz sentido para o estudante, seja por meio de resolução de problemas sem alguma contextualização, em que se valoriza a resolução por meio de fórmulas matemáticas e não se leva em consideração as formas como ela – a Ciên-cia – afeta nossas vidas e as formas de raciocínio científico que são empregadas na tomada de decisões, o que requer um mínimo de conhecimento científico (POZO; CRESPO, 2009).

Cachapuz e colaboradores (2011), em seus estudos, buscam entender o papel da educa-ção científica na sociedade atual. Essa educaeduca-ção científica, também nomeada por esses autores como alfabetização científica (AC)19, ou letramento científico (SANTOS, 2007), vem se tor-nando uma necessidade para todos ao pensarmos no exercício pleno da cidadania. Isso se deve ao fato de estarmos constantemente expostos a um mundo repleto de produtos com bases cien-tíficas acerca das quais só é possível expressar uma opinião, seja ela a favor ou contra, se pos-suirmos um mínimo de conhecimento de e sobre a Ciência, desde a compreensão de sua natu-reza (MATHEWS, 1995; CACHAPUZ et al., 2011; BASTOS, 2009; AIKENHEAD, 2009; KRASILCHICK, 2000; SANTOS, 2007). Santos (2007) afirma que foi no início do século XX

19 Optamos, nesta proposta, pela utilização do termo alfabetização científica e não letramento científico, embora

diversos autores apontem as diferenças existentes entre os termos, uma vez que consideram que o primeiro termo já está consolidado na prática social. Além disso, consideramos, a partir de Chassot (2003, 2007, 2014) e Santos (2007), que o termo letramento já está englobado no termo alfabetização.

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que a alfabetização científica, ou letramento científico, começou a ser debatida de forma mais contundente.

Dessa forma, a AC é definida, de modo geral, como sendo um movimento educativo que tem como objetivo a implantação do ensino de Ciências e da tecnologia, partindo da con-sideração da necessidade de se discutir a natureza da ciência, como, também, seus impactos e o da tecnologia na sociedade (CACHAPUZ et al., 2011), questionando uma visão de ciência supostamente neutra e a-histórica. Entretanto, refletimos que essa alfabetização científica está longe de romper com uma visão eurocêntrica e, portanto, ainda reflete efeitos de colonialidade do saber, do poder e do ser, especialmente quando contemplada no contexto das escolas indí-genas nacionais. Dentro dessa perspectiva da AC vem sendo apontado e ressaltado que, no decorrer da história, nem sempre a ciência foi vista como tendo uma relação social, ética, polí-tica e econômica.

Nesse sentido, parece haver um consenso entre pesquisadores da área (KRASILCHICK, 2000; CACHAPUZ et al., 2011) de que, na década de 50, por exemplo, a ciência era conside-rada uma atividade neutra; hoje, ao menos no meio acadêmico, sabemos que a ciência não é neutra como alguns a consideravam, até porque considerá-la nesse formato exigiria afirmar que a ciência não afeta a nossa vida. Nesse ínterim, em face do que sugerem esses autores, é per-ceptível que o ensino de Ciências passou por diversas transformações e reformas até chegar ao corpo estruturado que possui atualmente (KRASILCHICK, 2000). Ressaltamos que esse ensino não é definitivo e está em contínua transformação, por haver a necessidade de mudança de paradigmas no ensino de Ciências na busca de solucionar problemas envolvidos no ensino e na aprendizagem de seus conceitos e conhecimentos. Logo, a nosso ver, a perspectiva intercultural e a decolonialidade – as quais serão discutidas no próximo capítulo – apresentam-se como um novo paradigma no ensino e na pesquisa em Ensino de Ciências.

É diante da constatação da ciência enquanto uma produção humana não neutra que vem sendo discutida a necessidade de uma AC, no sentido de pensar e construir uma visão mais crítica da ciência, englobando sua natureza, suas aplicações, suas limitações e seus impactos na sociedade, e na qual sejam formados cidadãos que participem ativamente das decisões sociais que envolvem diversas questões científicas e tecnológicas, as quais refletem na sociedade, na economia, no ambiente, nas políticas (SANTOS; MORTIMER, 2001). Chassot (2016) apre-senta a ciência como uma produção cultural que é marcada, principalmente, por uma visão ocidental caracterizada pela nossa educação caracterizada pela tradição eurocêntrica. Segundo Santos (2007), nessa linha de raciocínio, é possível considerar que a sua origem cultural venha

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sendo apontada desde o século XVI, pois Francis Bacon (1561-1626), em suas proposições, já assinalava o papel da ciência a serviço da humanidade.

Nesse sentido, torna-se possível compreender a necessidade dessa alfabetização para todos os cidadãos, de modo que possam tomar decisões em assuntos que envolvem a ciência e a tecnologia de forma consciente (SANTOS; MORTIMER, 2001). As implicações do avanço da ciência e da tecnologia, por vezes, reafirmam a importância e a necessidade da alfabetização científica e tecnológica (ACT), a partir de uma formação mais crítica e libertadora do cidadão.

Nessa perspectiva, “[...] torna-se importante discutir os diferentes significados e funções que se têm atribuído à educação científica [...]”, de modo a verificar o papel dessa educação na formação cidadã (SANTOS, 2007, p. 475). A partir da necessidade de intervir na sociedade com a utilização de conhecimentos da ciência e, em especial, a partir da consideração de que a ciência possui uma relação intrínseca com a sociedade e a tecnologia, surgem movimentos que visam propostas curriculares para a Educação Básica, com ênfase nas inter-relações entre ciên-cia, tecnologia e sociedade (CTS), quando – para alguns autores – inclui-se o ambiente de forma explícita (CTSA), diversos autores têm se dedicado à investigações sobre essa abordagem (AULER; BAZZO, 2001; SANTOS; MORTIMER, 2001, 2002; AULER; DELIZOICOV, 2006; AIKENHEAD, 2009). Além disso, com os impactos causados pela utilização de conhe-cimentos da ciência na sociedade, surge a necessidade de discutir as questões éticas e morais envolvidas. Dessa forma, as questões sociocientíficas (QSC) vêm ganhando espaço nas inves-tigações em Educação em Ciências (ZEIDLER; BRYAN, 2009; SADLER, 2009; PÉREZ, 2012). De acordo com Pérez (2012), as QSC abrangem controvérsias de problemáticas sociais que estão relacionadas a conhecimentos científicos da contemporaneidade, além de poderem ser definidas por temas envolvendo questões e discussões científicas que geram impactos na sociedade.

No entanto, pensar um ensino de Ciências que promova a formação cidadã exige refor-mular a formação de professores no que tange às concepções e aos valores de ciência elucidados em sala de aula. Dessa forma, destacam-se diversos pesquisadores que procuram compreender as necessidades formativas dos professores, como também os saberes e as práticas envolvidos na profissão docente (TARDIF, 2012; NÓVOA, 2007), e a formação de professores, especifi-camente, de Ciências da Natureza (GIL-PÉREZ; CARVALHO, 2009; CARVALHO, 2002; KRASILCHICK; MARANDINO, 2007; CASSIANI; LINSINGEN, 2009).

De modo a considerar e legitimar a cultura e os saberes construídos por diversos povos tradicionais, particularmente os indígenas, faz-se necessário compreender as relações

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estabele-cidas por esses povos com os saberes culturais e com os saberes escolares, em especial os co-nhecimentos científicos escolares. Alguns autores têm estudado as relações entre ciências (edu-cação científica) e cultura, a saber: Lopes (2012) e El-Hani e Sepúlveda (2011).

Consideramos a Ciência como sendo uma das diversas formas de ver e interpretar a natureza. Nesse entendimento, apontamos que a natureza existe independentemente do que pen-samos sobre ela. A partir dessas reflexões, consideramos que existem diversas formas de ver, agir e explicar a natureza, a partir de outras lógicas que não somente a ocidental. Nesse sentido, os povos indígenas, os povos Africanos, os povos Orientais, entre outros, possuem outras for-mas e lógicas de pensamento, portanto outras linguagens e lentes na busca humana, “curiosa” por compreender o mundo natural.

A Ciência é uma criação do homem, por esse motivo podemos aponta-la como um lugar em que não se apresentam certezas absolutas, pois nossos conhecimentos nessa área são parciais e estão em constante transformação. Nesse mesmo contexto, afirma-se que a Ciência “[...] não é apenas uma fada benfazeja, mas, também, uma bruxa destruidora” (CHASSOT, 2001, p. 38).

Destarte, Chassot (2007, p. 30, grifos do autor) destaca que a “[...] Ciência pode ser considerada como uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural”; assim, compreender essa linguagem é como entendermos algo escrito numa língua que não conhecemos, em outras palavras, é sermos capazes de compreender a linguagem na qual a natureza está (sendo) escrita. Conforme refletimos anteriormente, consi-deramos a Ciência como sendo uma das lentes para ver e explicar a natureza; no entanto, exis-tem diversas outras sob outras lógicas que não somente ocidentais. Esse autor destaca que con-siderar a ciência como uma linguagem que visa facilitar nossa leitura do mundo natural e sabê-la como descrição do mundo natural ajuda a entendermos a nós mesmos e ao ambiente a nossa volta (CHASSOT, 2003, 2014). Logo,

A elaboração dessa explicação do mundo natural – diria que isso é fazer ciência, como elaboração de um conjunto de conhecimentos metodicamente adquirido – é descrever a natureza numa linguagem dita científica. Propiciar o entendimento ou a leitura dessa linguagem é fazer alfabetização científica (CHASSOT, 2003, p. 93).

Por sua vez, Mortimer (1998, p. 102) considera que a linguagem científica possui ca-racterísticas específicas que a diferem da linguagem comum. Assim, essas caca-racterísticas tor-nam a linguagem científica estranha e de difícil compreensão para os alunos. “Reconhecer essas diferenças implica em admitir que a aprendizagem da ciência é inseparável da aprendizagem da linguagem científica”. Dessa forma, é possível entender que, para Mortimer (1998) e Chassot

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(2003, 2007, 2014), a aprendizagem da ciência necessita da compreensão e do conhecimento da linguagem científica, a qual possui características próprias. Ainda nessa perspectiva, Vigo-tski (2008) considera a importância da linguagem, pois é a partir dela que pode ser possível a interação entre os sujeitos, de modo a facilitar a apropriação, em seus termos, o processo de internalização e construção de conhecimentos.

Nesse sentido, como expõe Mortimer (1996), o que é observado, de um modo geral, em muitas pesquisas da área é que elas parecem desconhecer que aprender ciências implica um processo de iniciação dos estudantes em um novo modo de pensar, ver e explicar o mundo natural, que constitui um outro universo explicativo, diferindo das formas disponíveis no senso-comum. De tal modo, aprender ciências

[...] envolve um processo de socialização das práticas da comunidade científica e de suas formas particulares de pensar e de ver o mundo, em última análise, um processo de ‘enculturação’. Sem as representações simbólicas próprias da cultura científica, o estudante muitas vezes se mostra incapaz de perceber, nos fenômenos, aquilo que o professor deseja que ele perceba (MORTIMER, 1996, p. 24).

Esse processo de enculturação a que Mortimer (2000, p. 65) se refere trata-se de um processo de entrada em uma nova cultura. Assim, para o estudioso, “[...] aprender ciências está muito mais relacionado a se entrar num mundo que é ontologicamente e epistemologicamente diferente do mundo cotidiano [...]”. Portanto, o ensino de Ciências passa a ser visto como um processo de entrada em uma nova cultura, chamado de processo de enculturação, por meio do qual as concepções prévias dos estudantes e sua cultura cotidiana não seriam substituídas pela cultura científica, por meio dos conceitos científicos. Assim sendo, considera-se ser possível a convivência de concepções epistemológicas distintas (MORTIMER, 2000).

No entanto, como pondera Santos (2007, p. 484), o que vem ocorrendo é que a escola tradicionalmente não vem ensinando os estudantes “[...] a fazer a leitura da linguagem científica e muito menos a fazer uso da argumentação científica”, tendo o ensino de Ciências se limitado a “[...] um processo de memorização de vocábulos, de sistemas classificatórios e de fórmulas por meio de estratégias didáticas em que os estudantes aprendem os termos científicos, mas não são capazes de extrair o significado de sua linguagem”. Nesse contexto, é necessário refletir sobre essas diferentes lógicas de produção de conhecimento, sobre o papel que a ciência e a tecnologia vêm exercendo em nossa sociedade, como também as suas consequências, e sobre a linguagem como processo de intermediação entre essas lógicas de pensamento.

A seguir, trazemos algumas discussões e definições sobre conceitos relacionados à cul-tura, ao senso comum, ao conhecimento cotidiano, ao conhecimento científico, entre outros.

Referências

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