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CONHECIMENTO DO CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS TEMAS GERADORES

No documento Educação Ambiental. Prof.a Eliane Dalmora (páginas 51-61)

TÓPICO 4 – FORMAÇÃO DO SUJEITO ECOLÓGICO CRÍTICO

3.1 CONHECIMENTO DO CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS TEMAS GERADORES

Paulo Freire apresenta uma grande contribuição para o paradigma da educação popular no Brasil e no mundo. Seus pressupostos de ensino- aprendizagem têm por base o diálogo, a articulação da escola com a sociedade e o desenvolvimento da consciência crítica através da abordagem histórica. O educador sugere que a aprendizagem se constitui mais facilmente caso seja utilizado o próprio universo vocabular do contexto do educando. Uma primeira tarefa do educador é compreender esse universo, identificando temas geradores e, assim, aproximar os conteúdos de ensino ao mundo vivido pelo educando.

Na tematização, busca-se a representação de um aspecto da realidade, de uma situação existencial construída pelo educando, que o interpreta e lhe atribui significado. O ponto de partida para o desencadeamento do aprendizado do educando requer o estudo da sua realidade, de como ele a percebe e a sente, o que vai além de um simples levantamento da situação local. Consiste num processo contínuo de problematização da realidade, englobando as dimensões política, econômica, social, cultural e ecológica como forma de busca de uma visão não fragmentada do mundo. Nesta maneira de conhecer a realidade, as questões ambientais podem ser identificadas sem cair no erro da simplificação.

Os problemas ambientais são originados pela maneira como a sociedade vem se desenvolvendo, priorizando o crescimento econômico à custa da exploração predatória dos recursos naturais. Portanto, as disciplinas diretamente associadas às questões ambientais, como a Biologia e a Geografia, ao tomar para si a responsabilidade de fazer Educação Ambiental, não poderão trazer uma compreensão mais ampla da questão ambiental.

Além disso, quando os conteúdos tratam de ecossistemas ou situações em que o educando não se identifica, não há o chamado para a responsabilidade e, portanto, se distancia de uma educação para a cidadania. Esse deslocamento de realidade resulta no desinteresse do educando pelo espaço escolar ou no descolamento dos conteúdos de ensino das aplicações do fazer cotidiano, o que é um dos grandes motivadores da evasão escolar. Ao se dissociar o conteúdo da realidade social e do mundo do trabalho, o aprender perde o sentido para as classes populares, que apresentam muitas necessidades imediatas a serem satisfeitas.

Os conteúdos contextualizados dão sentido à caminhada do educando, ou seja, uma educação em que o sentimento, a intuição, a emoção, a vivência e a experiência constituem o móvel da formação do cidadão ativo e corresponsável, como destacam Gutiérrez e Prado (1999, p. 63):

Caminhar com sentido significa, antes de tudo, dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem-sentido de muitas outras práticas que aberta ou sorrateiramente tentam se impor.

A expressão “educar é caminhar com sentido” foi desenvolvida por Gutiérrez e Prado (1999, p. 63) e, posteriormente, é reconfigurada no contexto da sociopoética desenvolvida por Jacques Gauther. (CARVALHO, 2004).

Ao trazer para os conteúdos de aprendizagem temas do contexto ou situações que fazem parte do universo de preocupações do educando, coloca- se a própria complexidade da realidade em debate, o que não se encaixa nas abordagens cartesianas que tendem a compartimentalizar, fragmentar e afastar o conteúdo a ser apreendido da realidade de vida de quem apreende.

Estão enumeradas, na sequência, algumas premissas fundamentais a serem consideradas no processo educativo que visa à emancipação do sujeito: • Promover a vida a partir do cotidiano do sujeito consiste em partir do que se

sabe para poder saber melhor, e não partir do que sabemos ou pensamos que sabemos.

• Somente com a escuta é possível identificar os desejos, as representações sociais e as necessidades. Busca-se um educando que seja o sujeito do saber e não alguém que está em unção do desejo de saber dos outros.

• O cotidiano é o instrumental de leitura da realidade para que o indivíduo a compreenda e possa interferir sobre ela.

• A leitura do cotidiano é o início da abertura para a reflexão. Após seu reconhecimento, é preciso realizar um exercício de reflexão, como destaca Freire (1978, p. 110): “qualquer lugar em que tomamos distância do contexto concreto, exercemos uma reflexão crítica sobre a prática, temos nele um contexto teórico, uma escola no sentido radical que a palavra deve ter”. • Ao abrir-se para o universo do conhecimento, o sujeito começa a vislumbrar

outras possibilidades e sempre novas necessidades de conhecer. O resultado é a construção da cidadania, coberta de uma nova consciência e um novo saber, que o insere num contexto social mais amplo, assumindo uma consciência planetária de ser e de estar no mundo.

Para melhor entender este processo pedagógico é preciso ter clareza dos princípios que constituem o método Paulo Freire. Primeiro é relativo à forma de se promover a ampliação da visão de mundo que só acontece quando a relação professor/aluno é mediatizada pelo diálogo, assim rompendo com a postura da comunicação unidirecional onde o professor realiza um monólogo daquele que, achando-se saber mais, deposita o conhecimento, como algo quantificável, mensurável naquele que pensa saber menos ou nada saber [...]. “A atitude dialógica é, antes de tudo, uma atitude de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar”. (FREIRE, 1987, p. 81).

Para que a relação dialógica se estabeleça é preciso primeiro definir o conteúdo programático a ser apresentado visando a proximidade entre os universos de conhecimento, assim evitando relações sujeito/objeto, no qual o educador define o que ensinar e como aprender. Nesta posição, o professor não é simplesmente o detentor do saber, mas o animador que precisa gerar o questionamento e o debate problematiza as discussões e faz emergir as diferenças e experiências, as suas leituras do mundo e sua bagagem cultural assim buscando conhecer o universo vocabular dos educandos, o seu saber traduzido através de sua oralidade.

LEITURA COMPLEMENTAR

CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE AO PENSAMENTO PEDAGÓGICO MUNDIAL

Moacir Gadotti As teorias de Paulo Freire cruzaram as fronteiras das disciplinas, das ciências, para além da América Latina. Ao mesmo tempo, as suas reflexões foram aprofundando o tema que ele perseguiu por toda a vida – a educação como prática da liberdade –, suas abordagens transbordaram para outros campos do conhecimento, criando raízes nos mais variados solos – desde os mocambos do Recife às comunidades burakunins do Japão -, fortalecendo teorias e práticas educacionais, bem como auxiliando reflexões, não só de educadores, mas também de médicos, terapeutas, cientistas sociais, filósofos, antropólogos e outros profissionais. Seu pensamento é considerado um modelo de transdisciplinaridade.

Não podemos ver Freire apenas como um educador de adultos ou como um acadêmico, ou reduzir sua obra a uma técnica ou metodologia. Ela deve ser lida dentro do contexto da “natureza profundamente radical de sua teoria e prática anticolonial e de seu discurso pós-colonial”, como nos diz Henry Giroux (in Peter Maclaren and Peter Leonard, organizadores, Paulo Freire: a Critical Encounter, Routledge, 1993, p. 177). Isso nos vai mostrar que Freire assumiu o risco de cruzar fronteiras para poder ler melhor o mundo e facilitar novas posições, sem sacrificar seus compromissos e princípios. As barreiras e fronteiras estão sempre à nossa volta. Os intelectuais e educadores que ocupam fronteiras muito estreitas não percebem que elas também têm a capacidade de aprisioná-los. Nesse sentido, é preciso relevar a importância da obra de Paulo Freire em termos mais globais. Seria ingênuo considerar a sua pedagogia como uma pedagogia só aplicável no chamado “Terceiro Mundo”.

As primeiras experiências de Paulo Freire com a educação de adultos datam da década de 50, no Nordeste brasileiro, aplicando o método que leva o seu nome, passando pelo Chile, na década de 60, e auxiliando a reconstrução pós-colonial de novos sistemas educacionais, em diversos países da África, na década de 70. Voltando ao Brasil, depois de dezesseis anos de exílio, envolveu- se, na década de 80, na construção democrática da escola pública popular na América Latina.

A última grande experimentação prática de suas ideias deu-se, no início da década de noventa, em São Paulo (Brasil), onde foi Secretário de Educação, promovendo a formação crítica do professor, a educação de adultos, a reestruturação curricular e a interdisciplinaridade.

O que oferecia ele de tão original para tornar-se conhecido internacionalmente? Numa época de educação burocrática, formal e impositiva, ele se contrapôs a ela, levando em conta as necessidades e problemas da comunidade e as diferenças étnico-culturais, sociais, de gênero, e os diferentes contextos. Ele procurava favorecer, com vistas ao poder, as pessoas mais necessitadas para que elas mesmas pudessem tomar suas próprias decisões, autonomamente. Seu método pedagógico aumentava a participação ativa e consciente.

O pensamento de Paulo Freire pode ser relacionado com o de muitos educadores contemporâneos. Podemos encontrar, por exemplo, grande afinidade entre Paulo Freire e o revolucionário educador francês Célestin Freinet (1896- 1966), na medida em que ambos acreditam na capacidade de o aluno organizar sua própria aprendizagem. Freinet deu enorme importância ao que chamou de “texto livre”. Como Paulo Freire, utilizava-se do chamado método global de alfabetização, associando a leitura da palavra leitura do mundo. Insistia na necessidade, tanto da criança quanto do adulto, de ler o texto, entendendo-o. Como Paulo Freire, preocupou-se com a educação das classes populares. Seu método de trabalho incluía a imprensa, o desenho livre, o diálogo e o contato com a realidade do aluno. Embora Paulo Freire não defenda o princípio da não diretividade na educação, como faz o psicoterapeuta Carl Rogers (1912-1987), não resta dúvida de que existem muitos pontos comuns nas pedagogias que eles defendem, sobretudo no que diz respeito à liberdade de expressão individual, à crença na possibilidade dos homens resolverem, eles próprios, seus problemas, desde que motivados interiormente para isso. Para Rogers, assim como para Paulo Freire, a responsabilidade da educação está no próprio estudante, possuidor das forças de crescimento e autoavaliação. A educação deve estar centrada nele, ao invés de centrar-se no professor ou no ensino; o aluno deve ser senhor de sua própria aprendizagem. E a aula não é o momento em que se deve despejar conhecimentos no aluno, nem as provas e exames são os instrumentos que permitirão verificar se o conhecimento continua na cabeça do aluno e se este o guarda do jeito que o professor o ensinou. A educação deve ter uma visão do aluno como pessoa inteira, com sentimentos e emoções. O que tem em comum Paulo Freire com Ivan Illich (1926), o filósofo austríaco? Nos dois podemos encontrar a crítica da escola tradicional. Entre a burocratização da instituição escolar atual, os dois demandaram que os educadores buscassem seu desenvolvimento próprio e a libertação coletiva para combater a alienação das escolas, propondo o redescobrimento da autonomia criadora. Apesar destes pontos em comum, existem consideráveis divergências. No trabalho de Ivan Illich, pode-se encontrar certo pessimismo em relação à escola. Ele não acredita que a escola tradicional tenha futuro. Por isso, seria necessário “desescolarizar” a sociedade. Em Paulo Freire encontramos otimismo. A escola pode mudar e deve ser mudada, pois joga um papel importante na transformação social. O que une Illich e Freire é sua crença profunda em revolucionar os conteúdos e a pedagogia da escola atual. Os dois acreditam que essa mudança é, ao mesmo tempo, política e pedagógica e que a crítica da escola é parte de uma crítica mais ampla à civilização contemporânea.

Desde a tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação da Universidade de Pernambuco, Paulo Freire faz referências a John Dewey (1859-1952), citando-lhe a obra Democracia e educação, publicada no Brasil em 1936. Essa referência não podia deixar de existir, pois Paulo Freire era um grande admirador da pedagogia de Anísio Teixeira (1900-1971), de quem se considera discípulo e com o qual concordava na denúncia do excessivo centralismo, ligado ao autoritarismo e ao elitismo da educação brasileira. Foi Anísio Teixeira quem introduziu o pensamento de Dewey no Brasil.

Como John Dewey (1859-1952), o conhecido filósofo e educador norte- americano, Paulo Freire insiste no conhecimento da vida e da comunidade local. Porém, podemos encontrar uma diferença na noção de cultura. Em Dewey, ela é simplificada, pois não envolve a problemática social, racial e étnica, ao passo que, em Paulo Freire, ela adquire uma conotação antropológica, já que a ação educativa é sempre situada na cultura do aluno. O que a pedagogia de Paulo Freire aproveita do pensamento de John Dewey é a ideia de “aprender fazendo”, o trabalho cooperativo, a relação entre teoria e prática, o método de iniciar o trabalho educativo pela fala (linguagem) dos alunos.

Também podemos evidenciar a semelhança de pontos de vista de Paulo Freire e Lev Vygotsky (1896-1934), o pedagogo russo, e o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980). A teoria da escrita de Vygotsky contém uma descrição dos processos internos que caracterizam a produção das palavras escritas. Diz ele que a fonte mental de recursos da escrita é o “discurso interno”, que evolui a partir do discurso egocentrado da criança. Vygotsky reconhece que, em todos os discursos humanos, o indivíduo muda e desenvolve o discurso interno com a idade e a experiência. A linguagem é tão extraordinariamente importante na sofisticação cognitiva crescente das crianças quanto no aumento de sua afetividade social, pois ela é o meio pelo qual a criança e os adultos sistematizam suas percepções. Embora Vygotsky e Freire tenham vivido em tempos e hemisférios diferentes, a abordagem de ambos enfatiza aspectos fundamentais, relativos a mudanças sociais e educacionais que se interpenetram. Enquanto Vygotsky enfoca a dinâmica psicológica, Freire se concentra no desenvolvimento de estratégias pedagógicas e na análise da linguagem.

Para Piaget, o papel da ação é fundamental para o desenvolvimento da criança, porque é a característica essencial do pensamento lógico para ser operativo. Piaget sustenta que aprendemos somente quando queremos e somente quando o que aprendemos é significativo para nós mesmos. Paulo Freire estava de acordo com essa tese de Piaget e insistia: necessitamos desenvolver a “curiosidade” do aprendiz para poder desenvolver o ato de aprendizagem. Quando separamos a produção do conhecimento do descobrimento do conhecimento que já existe, as escolas podem ser facilmente transformadas em lojas de venda de conhecimento.

Marxismo (Antonio Gramsci e Jürgen Habermas). Em todo caso, não se pode dizer que Paulo Freire tenha sido eclético. Ele integra os elementos fundamentais destas doutrinas filosóficas sem repeti-las de uma forma mecânica ou preconceituosa.

A pedagogia de Paulo Freire adquiriu sentido universal a partir da relação entre oprimido e opressor, demonstrando que isso ocorre em todo o mundo. Suas teorias, por outro lado, têm sido enriquecidas por muitas e variadas experiências em muitos países. Além dos países em que o próprio Paulo Freire trabalhou diretamente, muitos outros têm “aplicado” suas ideias e seu método com resultados muito positivos.

FONTE: GADOTTI, Moacir. Contribuição de Paulo Freire ao pensamento pedagógico mundial. San José, Costa Rica: Universidade Nacional da Costa Rica/ Cátedra Paulo Freire, 2001. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues>. Acesso em: 26 abr. 2011.

RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você viu que:

• A Educação Ambiental toma como base, para os seus pressupostos pedagógicos, a Teoria Crítica da Educação, especialmente nas obras de Paulo Freire e Moacir Gadotti.

• A teoria crítica inclui a pedagogia do cotidiano, que está voltada para a formação para cidadania, autonomia e reflexão-ação.

• A ecopedagogia está voltada para a reflexão-ação de cidadãos corresponsáveis pela sustentabilidade e a consciência planetária.

• Como método de abordagem, sugere a sociopoética, que consiste no resgate à dimensão subjetiva dos valores, dos desejos e da afetividade nas relações dos sujeitos que se relacionam com respeito à natureza (dinâmica e autônoma). • No método freireano, a realidade do educando é que dá sentido à sua própria

busca pela aprendizagem.

• A Educação Ambiental é uma educação política, de formação para reflexão- ação; é a educação do pensar que se opõe à educação bancária.

• A aprendizagem baseia-se no diálogo, na articulação da escola com a sociedade e no desenvolvimento da consciência crítica através da abordagem histórica. • A aprendizagem processa-se com o levantamento do universo vocabular

e a forma de constituição da realidade do educando, originando os temas geradores. Estes permitem aproximar os conteúdos de ensino ao mundo vivido do educando.

• A realidade não é disciplinar, engloba as dimensões política, econômica, social, cultural e ecológica. Portanto, os educadores têm o desafio de conhecer a realidade no diálogo dos diversos saberes que fazem a escola, rompendo com a visão fragmentada de mundo e o trabalho isolado na sua disciplina.

• A tematização, como um momento coletivo de conhecimento da realidade complexa, permite abordar com profundidade e merecimento a questão ambiental.

AUTOATIVIDADE

1 Comente a afirmativa: “Na educação de adultos, a realidade do educando é o ponto de partida para se estruturar o processo de aprendizagem”.

2 Como diagnosticar a realidade do educando para compor seus conteúdos de ensino?

3 Explique como deveria ser a definição dos temas geradores para desencadear um trabalho de educação ambiental nas comunidades.

4 Tendo como base a expressão de Simon Rodriguez (apud GUTIÉRREZ; PRADO, 1999), o que não se faz sentir, não se entende, e o que não se entende, não interessa, reflita sobre os teus momentos de maior entusiasmo de aprendizagem. Qual é a base teórica que destaca a importância do significado dos conteúdos trabalhados para o aprendizado?

5 Faça uma síntese das abordagens pedagógicas que influenciaram a obra de Paulo Freire.

6 Comente acerca da maneira como a escola e a comunidade podem promover a aprendizagem para que o cotidiano de cada um seja transformado.

UNIDADE 2

No documento Educação Ambiental. Prof.a Eliane Dalmora (páginas 51-61)

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