1.2 O ROTEIRO
1.2.2 Conhecimentos narrativos e dramáticos
A grande maioria dos manuais de roteiro se preocupa em munir seu leitor com conhecimentos bastantes para se contar uma história, fazendo-o ver a estrutura necessária para sustentar a criação de um mundo ficcional, além de identificar as características dos personagens, seja na criação desse personagem, seja no caminho e provações que ele terá de percorrer para alcançar seu desejo, objetivo ou sossego. Como acontece com estudantes de literatura, nos primeiros anos dos cursos de letras, logo é dado a conhecer ao leitor a figura essencial de Aristóteles, e seus conceitos de nó e desenlace; a classificação entre épico, lírico e dramático; as três unidades da ação dramática: tempo, espaço e ação.
Outro conceito recorrente nos manuais é a divisão em três atos. Ela aparece em praticamente todos os livros: quando não é pregando seu uso, como estrutura clássica, é criticando-a (como acontece no Manuel de Saraiva e Cannito). Essa divisão é apresentada por Field, aparece em Comparato, Mabley e Howard, Campos e Chion. De forma simples, pode-se dizer que
o primeiro ato envolve o espectador com os personagens e com a história. O segundo ato o mantém envolvido e aumenta seu comprometimento emocional. O terceiro ato amarra o enredo e leva o envolvimento do espectador a um final satisfatório. Em outras palavras, uma história tem um começo, um meio e um fim (HOWARD E MABLEY, 2002, p. 54).
Ao apresentar a divisão em três atos, Field (2001) ressalta a característica que deve ter um roteiro em equivaler uma página a um minuto de projeção. Assim, ele estabelece um certo número de páginas (e, com isso, um certo tempo) para cada um dos atos. O primeiro ato, que é de apresentação, deveria conter trinta páginas.
O roteirista tem aproximadamente trinta páginas para apresentar a história, os personagens, a premissa dramática, a situação (as circunstâncias em torno da ação) e para estabelecer os relacionamentos entre o personagem principal e as outras pessoas que habitam os cenários de seu mundo (FIELD, 2001, p. 4) [grifo do autor].
Diz o autor, também, que são os primeiros dez minutos (e dez páginas de roteiro, portanto) os suficientes para que o espectador perceba se gosta ou não de um filme. Já o segundo ato tem o dobro do tamanho de páginas e minutos e é caracterizado como confrontação. Esse ato deve apresentar os obstáculos que impedem o protagonista de alcançar seus desejos. Segundo Field, “todo drama é conflito. Sem conflito, não há personagem; sem personagem, não há ação; sem ação, não há história; e sem história, não há roteiro” (2001, p. 5). Essa afirmação demonstra o pensamento pragmático e bastante prescritivo do autor.
O último ato, a resolução, traz o final da confrontação, o clímax e a resolução. Tem em torno de trinta páginas, pois Field está pensando em um filme de 120 minutos. Para passar de um ato ao outro, é preciso haver pontos de virada, que levam a ação em outra direção. Maciel (2003) destaca também a criação, por parte de Field, de mais duas viradas, o que caracteriza cinco pontos de viradas que, com os três atos, são chamados de paradigma de Field.
Além dos três atos, os manuais de roteiro se preocupam com a curva dramática, características dos personagens, conceituação de situação dramática, criação de diálogos, entre outros elementos. Destaco, nos parágrafos abaixo, alguns desses elementos para a criação da história.
Howard e Mabley (2002) apresentam três elementos importantes para a construção de uma história: o personagem; seu objetivo; e, como terceiro elemento, os obstáculos. “Sem empecilhos à realização do desejo do protagonista, não haveria conflito nem história” (HOWARD e MABLEY, 2002, p. 84).
O obstáculo, segundo os autores, pode ser um, dois, vários, inclusive vindos em sequência. Mas é preciso atentar, segundo os autores, para que o obstáculo não seja tão grandioso a ponto de o protagonista não ter oportunidade de vencê-lo, nem ser demasiadamente brando que possa ser facilmente transposto. Porém, é possível que seja sutil e complexo, com o quanto não se confunda contratempos com obstáculos. Se o fator não impede um objetivo, uma meta, então, não é um obstáculo. Este precisa impedir o objetivo de pelo menos um dos personagens.
Michel Chion (1989) dedica bom número de páginas para tratar o diálogo. Ressalta que o diálogo sempre foi importante no cinema, inclusive no cinema mudo. Além disso, para o autor, o diálogo deve ser dinâmico e não apenas composto por perguntas e respostas mecânicas. Outro ponto importante é o de refletir o personagem, ainda que o diálogo no cinema não deva ser realista, com seus tropeções e redundâncias, mas sim, breve, concentrado. Também não deverá se guiar pelo texto escrito. Portanto, “o equilíbrio do diálogo deveria ser encontrado, entre a concentração excessiva do texto escrito e o caráter demasiado diluído da verdadeira conversa realista” (CHION, 1989, p. 104)
Chion (1989) destaca, também, a importância de saber os nomes dos personagens, mas começa dizendo que, muitas vezes, seguimos um filme completo, ou lembramos dele depois, mesmo sem lembrar o nome dos personagens. O que interessa é que os nomes cumpram sua função durante o filme. Chion trata, então, do momento em que ficamos sabendo o nome dos personagens, e como se dá a escolha desses nomes.
Dei ênfase aos três elementos acima, pois eles são importantes na reflexão, que aqui apresento, sobre a construção de meu roteiro. Por isso, irão reaparecer quando eu tratar especificamente de minha criação. Pensei o obstáculo ao trabalhar com ressentimento. Discorro sobre o nome dos personagens quando pormenorizo a construção de Bernardo. Meu dilema com os
diálogos vai aparecer na segunda parte da reflexão, quando me aproveito das ressalvas dos leitores do primeiro tratamento do roteiro.