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Conhecimentos narrativos e dramáticos

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 31-33)

1.2 O ROTEIRO

1.2.2 Conhecimentos narrativos e dramáticos

A grande maioria dos manuais de roteiro se preocupa em munir seu leitor com conhecimentos bastantes para se contar uma história, fazendo-o ver a estrutura necessária para sustentar a criação de um mundo ficcional, além de identificar as características dos personagens, seja na criação desse personagem, seja no caminho e provações que ele terá de percorrer para alcançar seu desejo, objetivo ou sossego. Como acontece com estudantes de literatura, nos primeiros anos dos cursos de letras, logo é dado a conhecer ao leitor a figura essencial de Aristóteles, e seus conceitos de nó e desenlace; a classificação entre épico, lírico e dramático; as três unidades da ação dramática: tempo, espaço e ação.

Outro conceito recorrente nos manuais é a divisão em três atos. Ela aparece em praticamente todos os livros: quando não é pregando seu uso, como estrutura clássica, é criticando-a (como acontece no Manuel de Saraiva e Cannito). Essa divisão é apresentada por Field, aparece em Comparato, Mabley e Howard, Campos e Chion. De forma simples, pode-se dizer que

o primeiro ato envolve o espectador com os personagens e com a história. O segundo ato o mantém envolvido e aumenta seu comprometimento emocional. O terceiro ato amarra o enredo e leva o envolvimento do espectador a um final satisfatório. Em outras palavras, uma história tem um começo, um meio e um fim (HOWARD E MABLEY, 2002, p. 54).

Ao apresentar a divisão em três atos, Field (2001) ressalta a característica que deve ter um roteiro em equivaler uma página a um minuto de projeção. Assim, ele estabelece um certo número de páginas (e, com isso, um certo tempo) para cada um dos atos. O primeiro ato, que é de apresentação, deveria conter trinta páginas.

O roteirista tem aproximadamente trinta páginas para apresentar a história, os personagens, a premissa dramática, a situação (as circunstâncias em torno da ação) e para estabelecer os relacionamentos entre o personagem principal e as outras pessoas que habitam os cenários de seu mundo (FIELD, 2001, p. 4) [grifo do autor].

Diz o autor, também, que são os primeiros dez minutos (e dez páginas de roteiro, portanto) os suficientes para que o espectador perceba se gosta ou não de um filme. Já o segundo ato tem o dobro do tamanho de páginas e minutos e é caracterizado como confrontação. Esse ato deve apresentar os obstáculos que impedem o protagonista de alcançar seus desejos. Segundo Field, “todo drama é conflito. Sem conflito, não há personagem; sem personagem, não há ação; sem ação, não há história; e sem história, não há roteiro” (2001, p. 5). Essa afirmação demonstra o pensamento pragmático e bastante prescritivo do autor.

O último ato, a resolução, traz o final da confrontação, o clímax e a resolução. Tem em torno de trinta páginas, pois Field está pensando em um filme de 120 minutos. Para passar de um ato ao outro, é preciso haver pontos de virada, que levam a ação em outra direção. Maciel (2003) destaca também a criação, por parte de Field, de mais duas viradas, o que caracteriza cinco pontos de viradas que, com os três atos, são chamados de paradigma de Field.

Além dos três atos, os manuais de roteiro se preocupam com a curva dramática, características dos personagens, conceituação de situação dramática, criação de diálogos, entre outros elementos. Destaco, nos parágrafos abaixo, alguns desses elementos para a criação da história.

Howard e Mabley (2002) apresentam três elementos importantes para a construção de uma história: o personagem; seu objetivo; e, como terceiro elemento, os obstáculos. “Sem empecilhos à realização do desejo do protagonista, não haveria conflito nem história” (HOWARD e MABLEY, 2002, p. 84).

O obstáculo, segundo os autores, pode ser um, dois, vários, inclusive vindos em sequência. Mas é preciso atentar, segundo os autores, para que o obstáculo não seja tão grandioso a ponto de o protagonista não ter oportunidade de vencê-lo, nem ser demasiadamente brando que possa ser facilmente transposto. Porém, é possível que seja sutil e complexo, com o quanto não se confunda contratempos com obstáculos. Se o fator não impede um objetivo, uma meta, então, não é um obstáculo. Este precisa impedir o objetivo de pelo menos um dos personagens.

Michel Chion (1989) dedica bom número de páginas para tratar o diálogo. Ressalta que o diálogo sempre foi importante no cinema, inclusive no cinema mudo. Além disso, para o autor, o diálogo deve ser dinâmico e não apenas composto por perguntas e respostas mecânicas. Outro ponto importante é o de refletir o personagem, ainda que o diálogo no cinema não deva ser realista, com seus tropeções e redundâncias, mas sim, breve, concentrado. Também não deverá se guiar pelo texto escrito. Portanto, “o equilíbrio do diálogo deveria ser encontrado, entre a concentração excessiva do texto escrito e o caráter demasiado diluído da verdadeira conversa realista” (CHION, 1989, p. 104)

Chion (1989) destaca, também, a importância de saber os nomes dos personagens, mas começa dizendo que, muitas vezes, seguimos um filme completo, ou lembramos dele depois, mesmo sem lembrar o nome dos personagens. O que interessa é que os nomes cumpram sua função durante o filme. Chion trata, então, do momento em que ficamos sabendo o nome dos personagens, e como se dá a escolha desses nomes.

Dei ênfase aos três elementos acima, pois eles são importantes na reflexão, que aqui apresento, sobre a construção de meu roteiro. Por isso, irão reaparecer quando eu tratar especificamente de minha criação. Pensei o obstáculo ao trabalhar com ressentimento. Discorro sobre o nome dos personagens quando pormenorizo a construção de Bernardo. Meu dilema com os

diálogos vai aparecer na segunda parte da reflexão, quando me aproveito das ressalvas dos leitores do primeiro tratamento do roteiro.

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 31-33)