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Tela Global e as Idades No Cinema

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 45-47)

1.3 FÁBULA

1.3.2 Tela Global e as Idades No Cinema

Começo esse capítulo citando Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2011). Os autores enfatizam o início de novo capítulo da história cultural, marcado com a entrada da modernidade em sua era industrial. Elencam diversas invenções (como estrada de ferro, automóvel, avião) que transformaram a maneira como o homem se apropriava do espaço. Também falam daquelas invenções que ampliaram o campo da informação e da comunicação (fotografia, telégrafo, telefone, rádio, televisão). Porém, os autores acrescentam que,

sem dúvida, nenhuma dessas novas técnicas se estabeleceu de maneira tão forte quanto a que criou um dispositivo que viria a se tornar aquele sobre o qual hoje se baseia amplamente a hipermodernidade – a tela – e que se impôs, na virada do século, como a linguagem representativa dos tempos modernos: o cinema (LIPOVETSKY e SERROY, 2011, p. 73-4).

O cinema seria, então, o início do que Lipovestky e Serroy chamam de cultura-mundo, e isso se dá facilitado pela linguagem de fácil compreensão do cinema, e também porque os filmes norte-americanos são exportados para todos os continentes. Outro ponto importante reside na criação da estrela de cinema, que provocará o sonho de mulheres e homens de todos os lugares. Os autores dizem que Hollywood “molda e difunde a imagem da estrela no mundo todo como o primeiro grande produto cultural planetário” (2011, p. 74).

Lipovetsky e Serroy afirmam que o cinema fez sucesso como cultura globalizada, alternando-se com a indústria do disco e da televisão, mas a partir das décadas de 1980-90, houve a proliferação das telas, e assim o mundo tornou-se um hipermundo. A tela do cinema havia sido substituída pela tela da televisão, e nesse momento surgia a tela do computador que, junto com todas as possibilidades e inovações, tornou-se suporte para a interlocução entre as pessoas: a internet.

A linguagem digital passou a ser uma linguagem planetária, segundo os autores e, no século XXI, a cada ano, a cada mês descobre-se, uma inacreditável progressão.

Daí em diante, as telas estão em toda parte: das telas de bolso às telas gigantes, do GPS ao Blackberry, do console de jogos à tela de vigilância e à tela médica, do

porta-retratos digital ao telefone celular, que adquire ele próprio uma tela de multifunções, possibilitando tanto o acesso à internet quanto a projeção de filmes, o acesso tanto ao GPS quanto à agenda digital. Um mundo de telas, transformado em

web-mundo pela Rede.

A cultura que aqui se estabelece impõe o reino do virtual. Ora, esse virtual modela a nova realidade (LIPOVETSKY e SERROY, 2011, p. 77).

Os autores franceses dizem que o homo sapiens tornou-se o homo ecranis. Mesmo antes do nascimento, com a imagem do feto no ultrassom, e depois, no envelhecimento, podendo escolher, via internet, até mesmo caixão e tipo de túmulo. A economia, a sociedade, a cultura, enfim, são remodeladas pelas novas tecnologias de informação e comunicação.

No roteiro de Uma canção para Ricardo, fiz questão que os personagens Bernardo, Lucas e Camila acessassem os vídeos de Antônio e os seus próprios, em diversos tipos de suportes: computador, notebook, tablet e, até mesmo, celular.

Inicialmente, a ideia de Antônio, ao realizar os vídeos, era a vontade de mostrar ao neto atividades que poderiam estar fazendo juntos. Porém, logo aspectos de sua memória começam a aparecer. No presente subcapítulo, porém, não vou tratar os textos dos vídeos como escrita de si, que abordarei a seguir, mas vou encarar a lembrança nos textos e na própria produção dos vídeos, refletindo sobre o que há de importante e de preocupação com a memória, no simples fato de realizar o vídeo e postá-lo na internet, com a intenção de que uma pessoa determinada possa assistir.

Antônio resolve tentar a comunicação através da internet. Cria um blog, onde coloca seus vídeos e, inclusive, comenta sobre eles. Não é ideia incomum existir um avô que se insira nas novas tecnologias para poder se comunicar com o neto. Aliás, hoje em dia, é algo bem trivial, pessoas mais velhas aprendem a usar mensagem de texto e softwares de comunicação em vídeo via internet, com esse fim.

Lipovetsky e Serroy (2010) afirmam que, no período hipermoderno, o cinema abrange todos os ciclos, todas as etapas da existência e todas as gerações têm direito de cidadania: “são auscultadas e colocadas em cena (...), já não é o homem e a mulher medianos que interessam, mas o ser singular, cuja primeira singularidade é a da sua idade, em todas as idades” (2010, p. 102). Dessa maneira, os idosos querem viver a sua idade, seja a terceira ou a quarta. Lipovetsky e Serroy dizem ainda que,

nas sociedades antigas, o ideal associado a este momento da vida era preparação para a morte. Já não é mais assim. Doravante o velho é um indivíduo que se recusa a suportar passivamente o peso da idade. Se ele já não é objetivamente jovem, pelo menos assume como seus os valores juvenis da atividade, do dinamismo, da forma física. Antes a velhice era o momento, pelo menos idealmente, da aceitação das coisas e do destino. Hoje, a terceira idade recusa que o futuro lhe seja obstruído, que as coisas estejam decididas. Mesmo em idade avançada, o indivíduo quer continuar a poder construir, a inventar ou mesma a refazer sua vida (LIPOVETSKY e SERROY , 2010, p. 107).

Antônio pensa exatamente em refazer sua vida. Se hoje vive afastado da primeira família que construiu, a comunicação com o neto pode vir a ser a possibilidade de reatar com a própria filha, mesmo que não tome essa meta de forma explícita.

Os vídeos que cria são forma de escrever sobre si mesmo, de dar-se a conhecer. Essa é a questão que apresento a seguir.

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 45-47)