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Esse roteiro, um roteiro

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 40-42)

1.2 O ROTEIRO

1.2.6 Esse roteiro, um roteiro

O roteiro tem sua função específica dentro de uma produção audiovisual. Pode ser o projeto solitário de um roteirista que, ao término de sua criação, partirá em busca de produtores e diretores. Pode ser, também, resultado das vontades e ideias de um grupo de gente, associados ou não, já prontos, ou ainda não, para gravar a história contida nele. De qualquer modo, o roteiro tem seu lugar numa etapa inicial da produção audiovisual, ainda que esteja sujeito a mudanças em etapas posteriores, como gravação, ou, mesmo, edição.

Os leitores dessa obra escrita são bem previsíveis, se não as pessoas, pelo menos as profissões e funções, pois quem lê um roteiro é, geralmente, o grupo de pessoas que irá transformá-lo em um filme: produtores, diretores, atores, técnicos, editores, executivos da indústria audiovisual. Roteiro não é filme, ou o filme. Roteiro é o filme em palavras. Mas o filme em palavras não é filme, é o roteiro.

A peculiaridade do roteiro, que agora apresento, e nesse documento em que agora apresento a tese reside no fato de que os leitores não são as pessoas que vão transformar as palavras escritas em imagem e som. Ainda que tivessem poder para fazer isso. Os leitores desse roteiro vão analisar o roteiro por si só. Alguns estarão mais focados na história, outros nas indicações visuais, ou na estrutura, ou nos diálogos, ou mesmo em tudo. Mas eles não vão analisar o roteiro em função do filme, comparando ou verificando sua atualização em imagens. Não há um filme, nesse momento, para isso. Ainda que possa haver uma preocupação com a possibilidade de realização do filme virtual no roteiro, nenhum desses leitores se preocupará se seu dinheiro ou tempo estarão bem empregados na realização audiovisual.

Esse roteiro é só um roteiro. Para a solenidade a que ele está destinado nesse momento, o roteiro se basta. Serve para ver se vou ser aprovado a partir de um requisito parcial e final, no Doutorado em Escrita Criativa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mesmo que hipoteticamente alguém da banca diga: Vai ser muito difícil conseguires esses atores ou São

cenas demais, em um tempo muito estendido, diversas estações do ano, teu filme iria sair muito caro, e isso é uma dificuldade grande na realidade do cinema brasileiro, não serão esses, acredito, os fatores que farãp com que eu deixe de ser aprovado no curso (mas bem poderia ser esses os fatores de o roteiro não ser aceito para ser filmado). O meu roteiro está inserido em uma etapa, e tem uma função, mas não são as mesmas (pelo menos, nesse momento) de outro roteiro cinematográfico de um longa- metragem qualquer.

Também o roteiro não é o requisito único desse instrumento final de avaliação do curso de Doutorado em Escrita Criativa da PUCRS. Faz parte vir acompanhado de reflexão teórico-

crítica do próprio autor (no caso, eu). E além da reflexão teórico-crítica, quem sabe seria bom vir indicado (e vem) o percurso de criação, a metodologia, os documentos do processo criativo. É um duplo labor.

Pode até parecer que esse não é um Doutorado em Escrita Criativa, mas um Doutorado em Teoria da Literatura, onde o pós-graduando pode escolher uma obra para analisar, ou criar a sua própria obra.

Retomando o percurso das ideias iniciais dessa seção, chego à afirmativa que diz: “Não interessa se esse roteiro vai virar filme ou não. Para a função que ele vai agora desempenhar, esse roteiro não é o processo inicial de um filme, o roteiro é algo com início, meio e fim. Ele sustenta a si mesmo, se basta. Esse roteiro não é etapa de um filme. Esse roteiro é só um roteiro”.

Agora, retomando o percurso das ideias seguintes dessa seção, chego a outra afirmativa:

“Esse roteiro deve ser analisado teórica e criticamente. A teoria deve estar de acordo com os

estudos literários, por fazer parte de Programa de Pós-Graduação em Letras, mas deve também conter teoria do cinema, pois faz parte de linha inserida em processo de realização de cinema. Ainda que não de um filme em particular. Então esse roteiro é a base para análise teórico-crítica”.

Se eu for (e vou) juntar as duas ideias afirmativas, chegarei à conclusão paradoxal de que

esse roteiro é só um roteiro e que esse roteiro não é só um roteiro. Para não me valer da ideia (surrada, de tanto uso) de Magritte, prefiro não dizer que ele não é (tentando fazer ver o que ele é), mas sim dizer o que ele é (ainda que não seja e eu o tenha reforçado anteriormente dizendo não ser): Esse

roteiro é um filme.

Mas por que eu diria que esse roteiro é um filme? De que me valeria?

Preciso, por obrigação acadêmica (o que, afortunadamente, não me impede de também querer), fazer a análise da minha criação. Poderia me valer de teoria apenas da escrita criativa, ou da teoria de estrutura da história, de elementos narrativos, literários ou de criação de personagem. Mas me apetece14 usar também teorias cinematográficas. Como analisar o som, se a palavra escrita não fala com voz audível ao ouvido humano? Ou como analisar a cor, se na folha branca a palavra em negro não pigmenta em vermelho? E como dissertar sobre os cortes e o campo, se a tela da página não separa os planos?

Para que eu consiga analisar o roteiro, usando a teoria do cinema, preciso que meu roteiro seja o meu filme. Então, meu roteiro também tem uma função dupla (como esta tese tem): ele é o roteiro do filme; e é o filme dado pelo roteiro.

Alguém poderá dizer: meu filho (ou tio, se a pessoa for mais nova do que eu), a teoria da

literatura estuda textos literários apontando neles som, cor e imagem, e nunca precisou dizer que o texto é um filme,

14 Peço perdão pela palavra culinária, mas me dá vergonha em usar, por exemplo, palavras de libido, como gozo e prazer,

ou uma música. Eu vou entender essa crítica, e muito provavelmente até aceitar e concordar com ela. Ainda assim, não vou deixar de dizer que esse roteiro é um filme.

No documento Uma canção para Ricardo (páginas 40-42)