• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – CAPITALISMO E A LUTA TRABALHADORES

3.3 A CONJUNTURA ECONÔMICA DE UMA CIDADE EM

TRABALHADORES ASSALARIADOS

Como já mencionamos neste estudo, em pesquisa anterior22, procuramos compreender o processo produtivo da maçã, na cidade de Fraiburgo no estado de Santa Catarina e suas implicações para a vida do trabalhador. Por aproximadamente cinquenta anos a predominância da mercadoria maçã constituiu a base econômica principal da região, sendo a sobrevivência dos trabalhadores suprida somente pela venda da força de trabalho nesse processo produtivo. Todas as esferas da vida do trabalhador, sejam elas jurídicas, políticas, sociais, religiosas, educacionais, etc. vinculavam-se para atender a esse processo de produção.

A cidade de Fraiburgo em si é um campo de pesquisa muito interessante, já que toda a trajetória da região, e em específico do município em foco, está afetada pelas modificações histórico-sociais do Brasil, evidenciadas nos períodos históricos desse pequeno município. Fraiburgo é composto por aproximadamente 34.553 de habitantes e possui uma área territorial de 546 km2, conforme dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Importante destacar que a questão histórica-social de transformações inicia desde as primeiras populações aborígenes que habitavam a região, povo kaingang, eram nômades que viviam da caça, pesca e coleta. Com a chegada dos primeiros imigrantes, remanescentes de conflitos, como a Revolução Farroupilha (1835-1845), Guerra do Paraguai (1864-1870) e Revolução Federalista (1893-1895), a vida dos aborígenes torna-se conturbada e eles deslocam-se para outras regiões. A região de Fraiburgo também é marcada pelo conflito do Contestado

22 Dissertação de mestrado: A educação e a reprodução da classe trabalhadora

da pomicultura de Fraiburgo SC e o Programa de Aprendizagem "Cultivo da Macieira-Jovem Aprendiz Cotista", defendida em 2011 no PPGE – UFSC.

(1912/1916) e, devido à luta pela terra, muitos caboclos (descendentes de indígenas e imigrantes) resistem às tropas do governo federal; entretanto, muitos são mortos, e a dominação do capital internacional adentra a região para o grande empreendimento da construção da estrada de ferro e posse das terras dos povos caboclos.

Alguns anos após este conflito ou Guerra do Contestado, a região onde hoje é Fraiburgo passou a ser dominada pela família Frey, em 1937, que inicialmente exploraram na região a mata nativa, instalando grandes serrarias. E é com estas que se inicia a povoação do local onde hoje está localizado o município de Fraiburgo. Finalizada a exploração da mata nativa, na década de 1960, iniciaram-se estudos para a produção de frutas de clima temperado nas terras que outrora compunham vasta mata nativa.

Por esse fato, muitos trabalhadores de regiões do Brasil direcionaram-se para residir na cidade de Fraiburgo, outros deixaram as atividades no campo e foram viver na cidade, para encontrar melhores condições de vida e de salário, para sustentar a família. As agroindústrias de maçã tornaram-se uma alternativa de trabalho e de garantias futuras para muitas famílias de trabalhadores. No início de 2010, ocorre o enfraquecimento desse processo produtivo e modifica a vida de muitos trabalhadores que vivem na cidade, e a própria produção, a mercadoria, modifica-se, e a vida do trabalhador altera-se, o que antes era promissor deixa de ser.

Entretanto, como muitos intelectuais já elencaram e explicam, a sociabilidade capitalista é insaciável e incontrolável, destrutiva e tanto outros sinônimos e adjetivações, mais negativas do que positivas, que causam grande prejuízo ao ser humano. Nessa lógica, encontra-se, como sabemos, aquela em que o que importa é o ter e não o ser do trabalho, o “ter condições” para permitir a valorização do capital. O “ter condições” de produzir mercadorias atrativas que garantam a lucratividade para um mínimo grupo de grandes proprietários de meios de produção. Nessa realidade, encontra-se a grande maioria dos trabalhadores tendo que se adequar às incansáveis alterações no processo de produção para vender sua força de trabalho, que mal permite alcançar as condições suficientes para a sobrevivência.

A imposição da propriedade privada dos meios de produção na região de Fraiburgo/SC distribuiu milhares de hectares de terras nas mãos de poucos grandes produtores; e, quando finalizou a exploração da mata nativa, iniciaram-se os grandes empreendimentos agroindustriais. Em Fraiburgo, a maçã destacou-se como a mercadoria que permitiu a

subsistência dos trabalhadores assalariados e ainda hoje em proporção cada vez menor.

Dados do Diário Catarinense (2013)23 afirmam que de 6 mil hectares plantados de maçã diminuíram para 4 mil nos últimos cinco anos, contando a partir da data dessa publicação. Na mesma notícia, encontra-se a fala do presidente da ABPM24 justificando que a produção diminuiu na região por dois motivos principais: a renovação dos pomares, pois são pés de maçã muito antigos, e além disso devido à instabilidade do mercado. O que se encontra nas pesquisas do IBGE é que houve redução na área plantada e redução na produção da fruta, como podemos observar na Tabela 1.

Tabela 1 – Produção Agrícola Municipal Lavoura Permanente – Maçã:

Fonte: resultados elaborados com base em pesquisa do IBGE 2004, 2009 e 2013.

Esses dados apresentados pela notícia e pelo instituto possibilitam-nos entender as alterações na conjuntura econômica do município de Fraiburgo/SC, relativamente à sua principal fonte de produção, a maçã. Algumas compreensões acerca das modificações no processo de produção da mercadoria são necessárias para analisar tal fenômeno. Sabemos que, para o capital, a produção permanece caso a mercadoria seja lucrativa, quando não mais garante esse desenvolvimento produtivo, vira cadáver e precisa ser enterrado o mais rápido possível.

23 Acessado em 29 de julho de 2013.

24 Associação Brasileira de Produtores de Maçãs (ABPM). Ano Área destinada à

colheita Quantidade produzida Valor da produçã o 2004 5.834 hectares 227.526 - toneladas 109.212 - mil reais 2009 4.106 hectares 140.506 - toneladas 112.405 - mil reais 2013 2.172 hectares 65.160 toneladas 81.450 - mil reais

Se o pinus, a soja, o milho, a especulação imobiliária são mais atrativos economicamente, então se altera a produção, sem ao menos considerar o ser humano que sobrevive dessa produção, que prepara mediante qualificação sua força de trabalho para determinado processo produtivo específico. Para melhor entender esse fenômeno, vejamos nas tabelas dois e três, como se altera e é substituída a produção de maçã por outros produtos agrícolas ao longo dos anos em evidência.

Tabela 2 – Produção Agrícola Municipal Lavoura Permanente –Milho: Ano Área destinada à

colheita

Quantidade produzida

Valor da produção 2004 3.000 hectares 9.000 toneladas 2.880 mil reais 2009 4.200 hectares 27.720 toneladas 8.316 mil reais 2013 8.000 hectares 67.200 toneladas 26.813 mil reais

Fonte: resultados elaborados com base em pesquisa do IBGE 2004, 2009 e 2013.

Tabela 3 – Produção Agrícola Municipal Lavoura Permanente – Soja: Ano Área destinada à

colheita

Quantidade produzida

Valor da produção 2004 Não há áreas destinadas a

esta produção

2009 300 hectares 660 toneladas 198 mil

reais 2013 3.750 hectares 11.250 toneladas 10.688 mil reais

Fonte: resultados elaborados com base em pesquisa o IBGE 2004, 2009 e 2013

É possível observar que em 2004 aproximadamente 6 mil hectares de terra servem para a produção de maçã. Nesse período, se for considerada a produção de soja e milho, percebemos um número muito reduzido, a soja nem é mencionada como um produto agrícola plantado na região. Em 2009 (Tabela 1), percebe-se uma redução significativa na área plantada de maçã, porém já aparecem indícios da produção de soja e um aumento significativo na produção de milho (Tabela 2 e 3). Esse dado estatístico vem ao encontro com as análises desta tese no que é relativo à queda na quantidade produzida de maçã. Essa diminuição se

explica em virtude do aumento da produção de grãos, milho e soja, entre 2009 a 2013, desta forma a área plantada de maçã nesse período diminui pela metade. E, ao analisar os números, é perceptível para qual produção o município se volta, de uma cidade da fruticultura passa para uma cidade agrícola produtora de grãos.

Outro produto que se destaca na região é a madeira (reflorestamento), conforme podemos observar na Tabela 4.

Tabela 4 – Produtos da Silvicultura – madeira: Ano Produtos da Silvicultura – madeira em tora para papel e celulose Produtos da Silvicultura – madeira em tora para outras finalidades Produtos da Silvicultura – madeira em tora 2004 60.000 250.000 310.000 - metros cúbicos 2009 76.000 180.000 256.000 - metros cúbicos 2012 268.000 394.000 662.000 - metros cúbicos

Fonte: resultados elaborados com base em pesquisa o IBGE 2004, 2009 e 2012.

De 2004 a 2012, a produção duplica, se considerarmos a redução das áreas plantadas de maçã, e, ao observar a Tabela 4, percebemos como o capitalista configura a produção de acordo com seus interesses. Sempre reutilizando a terra para a produção em escala de alguma mercadoria em um sistema de monocultura seja em plantações de grãos, madeira (reflorestamento pinus e eucalipto) ou de frutas de clima temperado (maçã). A maçã empregava muitos trabalhadores, desde a adolescência já se esperava pelo momento de estar preparado para vender a força de trabalho nessa produção. Com os grãos e madeira, a situação de vender a força de trabalho altera-se e torna-se necessário pensar quais estratégias poderiam se opor ao projeto agroindustrial.

Outro aspecto sobre a produção cada vez menor de maçã refere- se a um acordo realizado pela ministra da Agricultura, Katia Abreu, no final de 2015, na China. Pelo acordo feito, o Brasil passará a exportar a fruta dos chineses. Conforme dados de notícias vinculadas na mídia, o valor da força de trabalho barata influencia no valor da maçã: uma caixa de 20 quilos de maçã chinesa pode chegar a R$ 34,00; podendo na

produção brasileira, a caixa do fruto alcançar R$ 60,0025. Sendo assim, o barateamento da força de trabalho em outro país influencia de forma direta as características da força de trabalho brasileira.

A realidade concreta do município em estudo, exposta nos dados aqui apresentados e nas aproximações teóricas por meio de Marx, Lukács entre outros autores, esclarece-nos que a situação da classe trabalhadora só será possível de transformações significativas, com uma modificação na estrutura econômica da sociedade na forma capital. O conhecimento sobre a realidade social da vida do trabalhador na forma capital é um aspecto que necessita ser avaliado. As informações fundamentadas nos dados levantados para esta tese sobre a realidade econômica no município permite-nos uma aproximação de como se encontra a vida do trabalhador.

A classe burguesa vive do lucro e da exploração dos meios naturais e da força de trabalho. O dono da propriedade privada – da área de monocultura – explora referida área com plantações de milho, soja ou pinus. Essa produção de grãos emprega poucos trabalhadores, ao contrário da produção de maçã. Portanto, os trabalhadores que vivem da produção de maçã encontram dificuldades de permanecer vendendo a força de trabalho nessa área. Outro fator da inserção da produção de maçã chinesa no Brasil, ao mesmo tempo em que intensifica a exploração dos trabalhadores naquele país, também contribui para a derrota dos trabalhadores brasileiros diante da produção capitalista.

Mesmo com todos os problemas causados pela transformação dos processos produtivos, a busca em qualificar a força de trabalho tem sido uma alternativa. No que diz respeito à qualificação da força de trabalho para a produção de maçã ou produção de milho, soja, pinus, o nível de escolarização é reduzido. Essa produção agroindustrial, quando muito, exige um curso técnico e com vagas limitadas. No próximo item, apresentaremos alguns apontamentos considerando essa conjuntura histórico-social, quanto à relação do jovem trabalhador e a qualificação da força de trabalho.

25 Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2016/01/abertura-do-

mercado-para-a-maca-chinesa-ameaca-producao-em-santa-catarina- 4944266.html. Acesso em 12 de fev. de 2016.

3.4 A LUTA DO JOVEM TRABALHADOR PARA PERMANECER