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A Conjuntura nacional e o Anticomunismo no Brasil nos anos 1960

CAPÍTULO 1 – Ipês: Um modelo de liberalismo alinhado com os princípios da Aliança

1. As raízes do Ipês

1.2. A Conjuntura nacional e o Anticomunismo no Brasil nos anos 1960

A criação do Ipês está relacionada à conjuntura de instabilidade política provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros41 em agosto de 1961. O vice-presidente da República João Goulart42, que deveria tomar posse e estava em visita oficial à República Popular da China, foi vetado pelos ministros militares de Jânio, que, por sua vez, formaram uma junta militar e ameaçaram prendê-lo. A ameaça de uma guerra civil era iminente. Somente uma campanha em defesa da legalidade da posse de João Goulart, liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola, e a adoção da emenda parlamentarista possibilitaram seu retorno ao país e sua posse como presidente com poderes limitados, em 07 de setembro do mesmo ano, dividindo o poder com o primeiro ministro Tancredo Neves (FICO, 2014b, pp. 13-24; FERREIRA, 2005, pp. 279-315; FERREIRA e GOMES, 2014, pp.31-62; TOLEDO, 2004, pp. 11-21).

Tratou-se de um governo marcado pela instabilidade política e econômica43. Em termos

políticos, o parlamentarismo brasileiro revelou-se instável. Houve, durante o mandato de Jango, três gabinetes parlamentares. Com o fracasso do sistema parlamentarista, houve uma intensa campanha para a antecipação do plebiscito para o retorno do presidencialismo, apoiada até mesmo por opositores do governo. A tese presidencialista venceu por uma margem ampla, mas

41Jânio Quadros foi eleito pelo PTN por 48% dos votos, com apoio da UDN. Representava a primeira vitória da

oposição de direita desde a redemocratização em 1946, após uma série de tentativas de golpes de Estado de segmentos oposicionistas. Prometendo austeridade, Jânio Quadros desagradou esquerda e direita: contrariou a direita pela política externa independente, como no caso da condecoração a Che Guevara; e descontentou a esquerda pela sua política econômica ortodoxa, pelo seu moralismo policialesco (FERREIRA e GOMES, 2014, pp. 21-30).

42 João Goulart era alvo de execração por parte de segmentos conservadores desde o período em que assumiu o

Ministério do Trabalho e fez a proposição do aumento do salário mínimo em 100%, o que motivou o Manifesto dos Coronéis, que criticava o aumento salarial com os argumentos de que seria inflacionário e desprestigioso para as Forças Armadas porque provocava a equiparação entre salários de oficiais e prejuízos para a corporação. Goulart sofreu intensa oposição da UDN, que o acusou de ser um peronista brasileiro responsável pela implantação de uma República Sindicalista. Associado a lideranças sindicais, era classificado como pelego, demagogo, corrupto. Com o suicídio de Vargas, tornou-se herdeiro político do legado varguista e foi eleito vice-presidente em 1955, com meio milhão de votos a mais que Juscelino Kubistchek, apesar da intensa oposição de Carlos Lacerda, que utilizou uma carta falsa (a Carta Brandi) que continha um suposto plano de coordenação sindical entre Brasil e Argentina. João Goulart foi reeleito vice-presidente em 1960, enquanto o seu companheiro de chapa, Lott, perdeu a eleição. O apoio do PCB, como mostra Motta (2002, p.234), nessas duas ocasiões, provocava ainda mais ódio (MONIZ BANDEIRA, 2010, pp.135- 139).

43 Apesar do cenário de instabilidade política, é importante lembrar, conforme mostram as diferentes interpretações

sobre esse período, que o governo João Goulart contou com o apoio de segmentos empresariais e de parte da imprensa, que foi mais significativo logo após sua posse e também após a vitória no plebiscito de 1963. Jornais como O Globo apoiaram o Plano Trienal, assim como a FIESP teve uma postura favorável ao governo até o período em que Carvalho Pinto foi ministro da Fazenda. Além disso, o PCB, por um bom tempo, fez oposição ao governo João Goulart. De acordo com a interpretação de Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, a perda do apoio do segmento empresarial ocorre com a demissão de Carvalho Pinto. Isso fortaleceu os segmentos golpistas naquele momento, atraindo setores que até então apoiavam o governo ou que eram indiferentes (FERREIRA e GOMES, 2014, p. 127; pp. 229-313).

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a instabilidade política não diminuiu. Um dos indicadores disso foi a rotatividade de ministros da Fazenda que passaram pela pasta: San Tiago Dantas, Carvalho Pinto e Nei Galvão.

Em termos econômicos, conforme mostra Daniel Aarão Reis, havia uma herança da política desenvolvimentista de Juscelino que ampliou o processo de industrialização tendo como consequências o aumento da inflação e da concentração populacional nas grandes cidades, gerando bolsões de miséria. Nesse contexto, a candidatura de Jânio Quadros apoiou- se na pregação da austeridade, com o seu símbolo da vassoura que varreria a corrupção e os gastos desenfreados do período anterior. Nesse contexto, a renúncia de Jânio gerou uma grande frustração. A perspectiva de um governo associado ao legado varguista e aos sindicatos gerou uma forte oposição de setores conservadores (REIS FILHO, 2014b, pp. 25-46). Um possível governo João Goulart gerava, nos segmentos conservadores, horror e receio do nacionalismo, de possíveis estatizações e do comunismo.

A crise econômica, caracterizada pela inflação, arrocho e carestia, provocou mobilizações de massa reivindicando reformas agrária, urbana, tributária, educacional. De acordo com Moniz Bandeira (2010, pp. 163-171), o governo João Goulart foi marcado por intensas mobilizações sociais nas cidades e no campo, onde trabalhadores se mobilizaram para reivindicar direitos. O surgimento de organizações desse porte estava relacionado à expansão capitalista que, segundo Moniz Bandeira (2010, p. 163), desintegrava a economia rural provocando desemprego. Isso indicava a necessidade de reforma agrária, mas os empresários ligados a grandes grupos econômicos e a latifundiários rechaçavam qualquer possibilidade de mudança na estrutura agrária. Já nas cidades, as lideranças sindicais formaram a CGT e o Pacto de Unidade e Ação para unificar o movimento operário e influir nas decisões do governo (MONIZ BANDEIRA, 2010, p. 167).

Tais mobilizações fizeram com que o governo João Goulart se comprometesse em viabilizar as reformas de base, assumindo o compromisso de realizar reformas agrária, urbana, educacional, tributária. Mas a condição para a aplicação de tais reformas era difícil num sistema que restringia os poderes do presidente (no período parlamentarista), num contexto em que predominava a oposição de setores de direita e extrema direita e o temor de que as reformas distributivas gerassem caos e desordem. Por outro lado, alguns grupos de esquerda avaliavam as reformas como tímidas (REIS FILHO, pp. 33-37).

Após a vitória da tese do presidencialismo no plebiscito de 1963, João Goulart, com plenos poderes, aplicou um plano econômico conhecido como Plano Trienal, conduzido por

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San Tiago Dantas e Celso Furtado44, que apontava como principal problema do país a inflação

(ABREU, 1990, p. 206). O plano pressupunha limites para a expansão de crédito por meio de um programa de estabilização e contenção de gastos públicos. Além disso, o plano pressupunha a ajuda dos Estados Unidos e do FMI, e envolvia a negociação das empresas nacionalizadas pelo governador Leonel Brizola em 1959 (MONIZ BANDEIRA, 2010, pp. 206-235). De acordo com Abreu (1990, pp. 206-209), o Plano Trienal fracassou, provocando recessão, e a missão liderada por San Tiago Dantas nos Estados Unidos não obteve sucesso, tendo conseguido a liberação de um empréstimo do FMI abaixo do esperado, de US$ 60 milhões. O plano sofreu também intensa oposição do PCB e de outros setores de esquerda.

Em relação aos agrupamentos de esquerda, os anos 1960 foram marcados, em primeiro lugar, pela influência do PCB na luta política, sindical e nas políticas públicas do governo federal, apesar de sua ilegalidade45. Segundo Marcelo Ridenti, as propostas do Partido eram

nacional-reformistas e influenciavam diversos setores sociais, inclusive os que não militavam no partido. As diretrizes do partido procuravam realizar a “revolução burguesa” no Brasil, pois o país apresentaria características feudais e semifeudais (RIDENTI, 2010, p. 25). Essa revolução realizara-se com uma aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo.

Dentre os setores influenciados pelo PCB, estavam os Centros Populares de Cultura46 e as propostas de Paulo Freire para a educação. De acordo com Heloisa Buarque de Hollanda e Gonçalves, os CPCs tinham como pressuposto a formação de uma cultura nacional, popular e democrática. Desenvolviam por todo país uma atividade de conscientização junto às classes populares, atuando em fábricas, favelas e sindicatos. Numa proposta similar, surgia o Método Paulo Freire, que, insurgindo-se contra cartilhas infantilizantes e tradicionais, contrapunha um

44 Dentre as diretrizes apontadas por Celso Furtado (1989, pp. 157-158) para o Plano Trienal, destacamos,

resumidamente: 1) Assegurar uma taxa de crescimento compatível com as expectativas de melhores condições de vida; 2) Reduzir a Pressão Inflacionária; 3) Criar condições para que os frutos do desenvolvimento econômico se distribuíssem de maneira cada vez mais ampla para a população; 4) Intensificar substancialmente a ação do governo no campo da pesquisa cientifica e tecnológica; 5) Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização da atividade econômica, visando desenvolver as distintas áreas do país; 6) Eliminar de forma progressiva os entraves responsáveis pelo desgaste dos fatores de produção e pela lenta assimilação de novas técnicas em determinados setores produtivos; 7) Encaminhar soluções visando refinanciar adequadamente a dívida externa; 8) Assegurar ao governo uma crescente unidade de comando dentro de uma própria esfera de ação.

45 O registro legal do PCB foi cassado em 1947 durante o governo Eurico Gaspar Dutra, e, desde então, o partido

passou a viver na clandestinidade.

46 Centros Populares de Cultura: Tinham como objetivo a criação e divulgação de uma “arte popular

revolucionária”. Foram fundados por Oduvaldo Viana Filho, pelo cineasta Leon Hirszman e pelo sociólogo Carlos Estevam Martins, junto com a União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1962, no Estado da Guanabara, espalhando-se por outros estados. Destaca-se a participação no CPC de Ferreira Gullar, Francisco de Assis, Paulo Pontes, Armando Costa, Carlos Lira e João das Neves (CALICCHIO, 2010, s/p).

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aprendizado que despertasse a consciência da situação social das populações analfabetas e marginalizadas (HOLLANDA; GONÇALVES, pp. 10-11).

Porém, os anos 1960 foram marcados por dissidências no PCB. Para Daniel Aarão Reis e Ferreira Sá (1985), o ano de 1961 é o marco para a nova esquerda. E o evento que representou essa ruptura foi o 1º Congresso da Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (ORM - POLOP). Tal marco representaria a quebra do monopólio da representação política do PCB. Segundo Gorender (2003, p. 40), a POLOP nasce do jornal Política Operária, que reunia jovens intelectuais e jornalistas, criticando o nacionalismo, a postura reformista do PCB, defendendo a luta armada como opção. Era influenciada pelas vertentes trotskistas, mas com inspirações em Rosa Luxemburgo, Bukarin e Thalheimer47 (REIS FILHO & FERREIRA DE

SÁ, 1985, pp. 12-13; GORENDER, 2003, p. 40; RIDENTI 2010, p. 26).

Um dos frutos da cisão foi o surgimento do PC do B, de orientação maoísta, criado em fevereiro de 1962, proclamando ser o mesmo partido fundado em 1922. Tinha como objetivo um governo popular revolucionário, repelia a luta pelas reformas de base. Sua tarefa imediata seria a instauração de um regime anti-imperialista, contra o latifúndio e antimonopolista (REIS FILHO & FERREIRA DE SÁ, 1985, pp. 12-13; GORENDER, 2003, p. 38).

A Ação Popular – AP, surgida do interior da Juventude Universitária Católica em junho de 1962, defendia uma linha que não era nem capitalista, nem comunista, inspirada num humanismo cristão (RIDENTI, 2010, p. 26). Em 1963, no seu segundo Congresso, a AP aprova em seu documento a opção pelo socialismo que não se dava pela inspiração marxista, mas pela influência da doutrina católica. A AP reunia também uma vertente protestante e outra de pessoas sem confissão religiosa, o que incluía pessoas de formação marxista (GORENDER, 2003, p. 41).

No campo legal, o PTB começou a efetuar uma “guinada à esquerda”. Nos anos 1960, o partido cresce e passa a ocupar os espaços institucionais com mais força. Novas lideranças como Leonel Brizola e Sergio Magalhães lideram a ala esquerda do partido. Brizola critica a conciliação do governo João Goulart, sendo, por isso, rotulado como “esquerda negativa” por San Tiago Dantas. Liderou um agrupamento conhecido como Frente de Mobilização Popular que abrangia as Ligas Camponesas, o CGT, a AP e a POLOP. De acordo com Gomes e Ferreira (2014, p. 85), havia cada vez mais proximidade entre o PTB e o PCB (FERREIRA e GOMES,

47 August Thalheimer – militante comunista alemão que participou de diversas organizações, como o Partido

Social Democrata Alemão, foi fundador da Liga Spartacus e membro do Partido Comunista Alemão, com o qual rompeu, passando a participar da Oposição Comunista Alemã – que defendia uma frente única da classe operária contra o nazismo. Com a ascensão do nazismo, migra para a França e posteriormente para Cuba, onde falece (LINEKER, 2015, p. 84).

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2014, pp. 75-85). O que unificava esses movimentos organizados era a luta pelas reformas de base. Não havia um programa único, mas havia pontos de consenso (GORENDER, 2003, p. 55).

No parlamento, ocorre a criação de frentes extraparlamentares, como a Frente Parlamentar Nacionalista (formada por deputados de vários partidos), a Ala Moça do PSD e o grupo de parlamentares da Bossa Nova da UDN, que tinham tendências reformistas (GORENDER, 2003, p. 56). Em oposição a esses grupos, surge um bloco conservador denominado como Ação Democrática Parlamentar, liderado pelo deputado João Calmon, do qual fizemos referência anteriormente48.

A guinada à esquerda do PTB e o surgimento de dissidências no PCB e das frentes parlamentares foram fatores que trouxeram mais pressão ao presidente João Goulart, que procurava fazer uma composição governamental que atraísse setores conservadores. Essa política era rechaçada por outros segmentos que não estavam dispostos a aceitar pactos com setores conservadores. Defendiam reformas mais rápidas e radicais. Não à toa, um dos expoentes desse setor classificado como mais radical era Leonel Brizola, que tinha como lema “reformas na lei ou na marra”. Isso atraia a ira de setores conservadores que passaram a denominar Brizola como “Fidel Castro brasileiro” (MOTTA, 2002, p.253).

Havia também a pressão contra uma possível aproximação de João Goulart com setores à esquerda, feita por parte de grupos conservadores que era vista como uma ameaça, porque, nessa aliança, João Goulart poderia ser manipulado pelos comunistas. O reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética; a posição contrária da diplomacia brasileira à punição de Cuba; as pressões por melhorias salariais, por meio das greves que aumentaram com a crise econômica; e o fato de essas manifestações não serem reprimidas eram outros fatores que alimentavam a ira dos setores mais conservadores.

Por isso, o anticomunismo no Brasil ganha uma dimensão mais acentuada nos anos 1960, explorando as greves e a influência dos setores de esquerda no governo Jango como ameaças de levar o país ao comunismo. A Revolução Cubana, em pleno continente americano, é outro acontecimento que irá trazer preocupações aos setores conservadores, além dos desdobramentos da Revolução Comunista na China, bem como do nacionalismo, que influenciavam esquerdistas latino-americanos.

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As transformações sociais e políticas que ocorriam nos anos 1960 influenciam uma mudança de retórica dos setores anticomunistas, que não usam mais a representação do líder revolucionário como agente estrangeiro. O comunismo49 continuava a ser classificado como

uma “planta exótica”, mas agora o alvo das críticas é o imperialismo soviético. Outro recurso era mostrar que o modelo comunista era frágil, no aspecto econômico, e deficiente, no plano social. Questionava-se a pobreza existente, a falta de conforto (MOTTA, 2002, p. 244).

O anticomunismo dos anos 1960 no Brasil caracterizou-se, segundo Motta (2002), pela utilização da retórica da defesa da democracia, do modo de vida cristão, e baseou-se nas críticas ao modelo comunista de desenvolvimento. Tal modelo é entendido por setores anticomunistas como totalitário e ineficiente. A defesa de reformas institucionais passa a ser vista como contraponto ao modelo comunista. Passou-se a utilizar como recurso retórico a oposição entre comunismo e democracia, e a defesa de reformas democráticas em lugar das reformas “comunistas” do governo João Goulart. Porém, a defesa da democracia seria um rótulo vazio, no entendimento de Motta, por parte dos grupos anticomunistas. A falta de comprometimento teria se expressado no apoio ao golpe de 1964 (MOTTA, 2002, pp. 247- 248).

A Igreja Católica, antes dos anos 1960, manifestava um forte anticomunismo que, de acordo com Rodrigo Motta Sá, era caracterizado pelo fortalecimento da ortodoxia católica que, de maneira maniqueísta, apresentava a Igreja Católica como representação do bem em contraposição com o comunismo, que seria o mal. Motta argumenta que, naquele período, cultos e “seitas”, como espiritismo e maçonaria, eram perseguidos (MOTTA, 2002, p. 245).

Nos anos 1960, o anticomunismo típico da Igreja Católica se expressou num ecumenismo que unia outras denominações cristãs contrárias ao governo João Goulart. As críticas ao comunismo passaram a ser relacionadas a uma ameaça às denominações religiosas, argumentando que se tratava de uma doutrina que pregava o ateísmo. O propósito era atrair fiéis de todos os credos numa frente anticomunista. Um dos exemplos dessa atração foi a organização da Marcha por Deus, Pela Família e Pela Liberdade, que contou com a participação na organização de pastores e rabinos (MOTTA, 2002, p. 246).

Outra característica do anticomunismo católico nos anos 1960, de acordo com Rodeghero (2002, p. 480), dava-se pela atuação da Igreja no processo de sindicalização de

49O anticomunismo brasileiro surge em 1917 e, como Mota Sá ressalta, a criação do PCB, em 1922, intensifica-o

ainda mais. A Intentona Comunista, episódio em que o PCB tenta tomar o poder e onde ocorrem mortes de militares, animou esse sentimento e contribuiu para justificar a instalação do Estado Novo em 1937. Nos anos 1930 e 1940, as representações dos comunistas revelavam orientações antissemitas e de associação do comunismo ao diabo (MOTTA, 2002, pp. 1-12; 90-108).

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trabalhadores rurais que, temerosa em relação à atuação das Ligas Camponesas, criou a Frente Agraria Gaúcha (FAG), que, por sua vez, resultou na organização de sindicatos de trabalhadores rurais (RODEGHERO, 2002, p. 480).

O anticomunismo foi um fator importante também entre as Forças Armadas para aderirem ao golpe de Estado em 1964. Como mostra José Roberto Ferreira, nos anos 1930, o anticomunismo era fortemente presente entre esse segmento e se intensificou com a Intentona

Comunista50. Mortos pela insurreição de 1935, os soldados do governo eram anualmente

lembrados como heróis em cerimônias com caráter fortemente anticomunista, enquanto os militares e civis que se sublevaram eram retratados como traidores, comunistas e assassinos covardes, apesar de o governo ter exercido forte violência contra seus opositores naquela época. O anticomunismo se convertia, assim, num forte fator de coesão interna das Forças Armadas. O comunismo é delimitado como inimigo a ser combatido e, em nome da união das Forças Armadas, associado à violência e à traição (FERREIRA, 2006, p. 16).

Nos anos 1960, o anticomunismo da Escola Superior de Guerra irá exercer forte influência entre os militares, com sua concepção de combate ao inimigo interno a partir da concepção de que seria necessário defender a segurança nacional (ALVES, 2005; STEPAN, 1974). As concepções da ESG também irão influenciar partidos políticos como a UDN, tradicionalmente anticomunista, que passa a utilizar o vocabulário “esguiano”, isto é, as teses da guerra revolucionária, que teriam como resultado transformar o Brasil numa nova Cuba. Bilac Pinto, líder da oposição, afirmava que o Brasil vivia uma crise de autoridade, moralidade e administração (BENEVIDES, 1981, p. 124).

Em relação ao governo João Goulart, desde sua posse, veículos de comunicação e partidos utilizaram com grande impacto a retórica anticomunista. Porém, João Goulart não era o alvo preferencial da campanha anticomunista enquanto manteve uma política pendular, ora sendo acusado de agradar ora a esquerda, ora a direita. Abandona tal política ao demitir Carvalho Pinto e aproximar-se de setores de esquerda como Brizola. A propaganda

50 A Intentona Comunista foi uma sublevação ocorrida em 1935 nos quartéis de militares simpáticos à Aliança

Nacional Libertadora; iniciou-se em Natal, com o levante do 21º Batalhão de Caçadores, que toma a cidade. A revolta espalha-se por outras cidades. No Recife, ocorre o motim da Vila Militar e, no Rio de Janeiro, ocorre a sublevação do 3º Batalhão de Infantaria da Praia Vermelha e da Escola de Aviação do Campo dos Afonsos. A rebelião foi violentamente reprimida, e vários dirigentes do PCB, deputados e senadores vinculados à Aliança Nacional Libertadora foram presos. O governo Getúlio Vargas, naquele momento, explorou o anticomunismo com a retórica de que teria sido uma rebelião feita por comunistas, e que teria sido violenta, apesar da participação significativa de pessoas que não eram comunistas entre os membros da ANL e da extrema violência perpetrada pela polícia. Uma das denúncias foi que, na Praia Vermelha, os amotinados mataram, covardemente, soldados que estavam dormindo. Essa acusação era utilizada como argumento para retratar os responsáveis pela revolta como comunistas violentos e covardes.

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anticomunista se intensifica, a tensão se eleva e o anticomunismo se torna um movimento forte, envolvendo expressivos segmentos do mundo social.

Quando ocorre o Comício da Central do Brasil, é formada uma frente anticomunista, unindo setores expressivos da elite brasileira e, ainda, setores de classe média que consideram o Comício como uma profissão de fé subversiva (MOTTA, 2002, pp. 251-267). Tal reunião contribuiu para a formação de uma base social para o golpe. (FICO, 2014b; AARÃO, 2014).