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O Ipês e a Aliança para o Progresso: O alinhamento com a política externa dos Estados

CAPÍTULO 3 – O Boletim Mensal Ipês durante a ditadura militar

4. O Ipês e a Aliança para o Progresso: O alinhamento com a política externa dos Estados

A incorporação das concepções da Aliança para o Progresso por parte do Ipês significou a defesa do alinhamento externo incondicional do Brasil com as políticas estratégicas dos Estados Unidos a partir da lógica da Guerra Fria. A aproximação brasileira em relação ao “grande irmão” seria coerente com o ideário liberal do Ipês, fortemente influenciado pelas concepções da ESG, que também defendia enfaticamente a mesma posição de subordinação do Brasil a essa política externa como estratégia para combater a União Soviética. Durante o governo João Goulart, o Ipês distribuiu folhetos da Aliança para o Progresso através de jornais. Tratava-se do encarte para divulgar a Aliança para o Progresso intitulado Cartilha para o

Progresso: como se faz uma Revolução sem Sangue, que teve uma distribuição de 1 milhão de

exemplares em todo Brasil, de acordo com o material divulgado pelo Ipês (Cartilha para o Progresso: como se faz uma Revolução sem Sangue [Suplemento Especial]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 de mar. 1962).

Como Dreifuss (2008, p. 213) ressalta, o Ipês fez seus os ideários da Aliança para o

Progresso. O documento possui fotos elaboradas por fotógrafos da revista Fatos e Fotos.

Divulga com estardalhaço a ajuda externa de 20 bilhões de dólares, além de afirmar que os pressupostos da Aliança são, entre outros, erradicar o analfabetismo, realizar a reforma agrária e acelerar o desenvolvimento econômico. Ao final, há um texto de autoria do Ipês intitulado

Uma Advertência, no qual, além de defender a Aliança para o Progresso como responsável

pela “revolução sem sangue”, faz uma advertência ao governo, às elites dirigentes e ao governo dos Estados Unidos. A justiça social é apresentada como solução para evitar uma revolução sangrenta:

Trata-se, pois, de uma revolução na estrutura econômica e social, capaz de solucionar os nossos maiores problemas dentro dos princípios da nossa tradição cristã e democrática. Trata-se de um plano destinado a satisfazer os anseios de "trabalho, teto, terra, escola e saúde" dos povos latino-americanos, o que vale dizer, superar o subdesenvolvimento e conquistar a justiça social.

Uma revolução sem sangue é o que produzirá Aliança Para o Progresso, se a opinião pública, a grande mandatária do poder nas democracias, mobilizar-se. Para provocar o começo desta mobilização, fazemos essa publicação em todo o País. É nossa convicção que, conhecido o texto da Aliança para o Progresso e compreendido, principalmente o espirito e a realidade que ela representa, os nossos moços, os nossos operários, os nossos camponeses, a ela se aliarão, num movimento indestrutível, que fará capitular os que a ela se opõem por ideologias estranhas e por interesses contrariados (Cartilha para o Progresso: como se faz uma Revolução sem Sangue [Suplemento Especial]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 de mar. 1962).

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Ao final, o documento se dirige aos grupos dirigentes, alertando o governo da necessidade do aproveitamento urgente da Aliança para Progresso que não pode ser obstaculizada por omissão ou atos que se dirijam contra sua implementação. O documento se dirige às elites, advertindo que cabe a elas a compreensão para eliminar condições que beneficiam poucos em detrimento de muitos, e adverte aos Estados Unidos de que cabe ao país a viabilização dos recursos da Aliança para o Progresso:

[...] Advertimos o Governo e os políticos. A um e os outros só cabe uma atitude para o aproveitamento urgente e total da Aliança Para o Progresso. É aquela mesma posição proclamada por Bevan, o grande líder trabalhista inglês quando foi anunciado o Plano Marshall: “Arregacemos as duas mangas e aproveitemos este plano com as duas mãos”.

O povo jamais perdoará aqueles políticos que, por razões demagógicas, por negligência, por omissão, por palavras, por atos, criarem obstáculos a está que será em breve, a sua grande e real esperança de um futuro melhor – A Aliança para o Progresso.

Advertimos as elites: a elas cabe o dever indeclinável de compreender a necessidade de arcar com o ônus que lhes são devidos, pela compreensão, pelo altruísmo, pela concordância em “eliminar condições que beneficiam poucos em detrimento das necessidades e dignidades de muitos”.

Advertimos, por fim, o governo e os políticos norte americano, já que aos Estados Unidos cabe a maior responsabilidade nos recursos materiais para a Aliança para o Progresso: a chama da Aliança está acesa no Brasil. É uma chama de confiança e de esperança que se pode tornar em labaredas capazes de destruir as próprias instituições, se a burocracia, a tergiversação, a incompreensão e as delongas desnecessárias comprometerem a pronta execução do plano [...] (Cartilha para o Progresso: como se faz uma Revolução sem Sangue [Suplemento Especial]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 mar. 1962).

O documento acima evidencia o tipo de discurso do Ipês que pode se classificar como elitista, apresentando como soluções aos problemas brasileiros a adoção acrítica da Aliança

para o Progresso, além de acreditar que cabe a uma elite dirigente resolver os problemas do

país. O documento evoca a suposta ameaça comunista ao fazer um alerta sobre a necessidade de fazer reformas para frear aqueles que poderiam se aproveitar das desgraças como a miséria, isto é, os comunistas.

Nos Boletins Mensais Ipês, o ideário da Aliança para o Progresso é fortemente defendido, tanto no período anterior quanto no período posterior ao golpe. Já na ditadura, um dos textos que assume essa característica de defesa incondicional da Aliança para o Progresso é a conferência intitulada com o mesmo nome, pronunciada por Francisco Assis Grieco para o 2º Curso de Atualidades do Ipês. Durante o encontro, Grieco responsabiliza o governo deposto pelas dificuldades na implementação da Aliança para o Progresso no Brasil.

O tom da conferência é defender o programa como uma necessidade para a integração dos países latino-americanos. Ela representaria, na concepção do expositor, um ideal de

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liberalismo que estaria presente nos países da América Latina. A conferência não expõe as intervenções armadas dos Estados Unidos nessa região, silencia sobre as ditaduras presentes no Cone Sul apoiadas pelos EUA, e omite o fato de que o Brasil é uma ditadura.

A Aliança é apresentada como instrumento de integração latino-americana, integrada inclusive com a ALALC, mas não apenas isso. Utilizando o jargão típico da Guerra Fria por parte dos defensores do alinhamento com os Estados Unidos, Grieco defende que a Aliança

para o Progresso seria uma forma de associação entre países do ‘’mundo livre’’, ou seja, países

capitalistas. Seria também uma Aliança multilateral que teria alcance no Mercado Comum Europeu em nome do liberalismo.

Os objetivos da Carta Punta del Este são claros. A grosso modo, eles cobrem toda a infraestrutura econômica; requisitos do desenvolvimento industrial; equilíbrio de balanço de pagamentos; termos de intercambio; valorização dos recursos humanos, educação, saúde; e transportes. É uma vasta gama creio de uns doze ou catorze itens que constituem o texto da Carta de Punta del Este (GRIECO, 1964, p.10).

A conferência faz referência às motivações que levaram à criação da Aliança e traça um breve histórico, apresentando o contexto em que ela foi criada, marcada pelo repúdio à Revolução Cubana. Os objetivos do documento são apresentados como se fossem claros. Porém, ocultam-se, nessa fala, os usos político e militar dos recursos financeiros da Aliança para práticas políticas, como financiar governadores opositores de João Goulart. O expositor reconhece que a Aliança para o Progresso tem um caráter político e diz compartilhar dos ideais dela aos quais classifica como democráticos. Isso em plena ditadura. Além disso, Grieco a apresenta como revolucionária dentro da estrutura social latino-americana. Fazendo referência ao aspecto bilateral, o autor defende que:

A Aliança é, contudo, bem mais que isso. Antes da aplicação maciça e total dos seus recursos, exige o cumprimento de pré-requisitos. Nisso ela foi realmente revolucionária do ponto de vista político, exigindo reformas de planejamento, reformas tributárias, reformas administrativas, fiscais e a nossa conhecida e famosa reforma agrária. Portanto, há um conteúdo político liberal muito grande na Aliança, que é mesmo quase revolucionário, dentro da estrutura social de todos os países latino- americanos (GRIECO, 1964, p.10).

Apesar de reconhecer o seu caráter político, oculta-se a ingerência dos Estados Unidos nos governos latino-americanos através da Aliança. Por isso, o expositor se esforça em negar que ela fosse uma iniciativa puramente dos Estados Unidos, argumentando que a participação daquele país em sua concepção foi de apenas dez por cento.

Outro aspecto dessa palestra é apresentar a Aliança para o Progresso como herança da Operação Pan Americana de Juscelino Kubitschek, e afirmar que ela surgiu como iniciativa dos

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Estados Unidos, que, por sua vez, converteu-se numa Aliança Multilateral. Procura-se apresentá-la como um instrumento vantajoso em termos financeiros para o Brasil e defende-se a necessidade de reformas internas para que seus recursos possam ser utilizados.

Outro ponto defendido pelo autor é que, com base na Aliança, os países latino- americanos devem fazer reformas tributária, administrativa, fiscal e agrária. A Aliança para o

Progresso teria horizontes rumo à integração com o Mercado Comum Europeu, com o Tesouro

Americano, o Banco Centro Americano. Seria, assim, a Aliança para o Progresso uma verdadeira aliança com os países do chamado “mundo livre’’ (capitalista).

De acordo com o expositor, a Aliança no Brasil possui três aspectos:

A atuação da Aliança para o Progresso possui três aspectos: ela é econômica, financeira e técnica, excluindo-se, para um estudo posterior, os chamados programas assistenciais. A cooperação econômica é feita por intermédio do Fundo do Trigo a cujo respeito os Senhores já devem ter lido muito nos jornais. O Fundo do Trigo corresponde à contrapartida em cruzeiros, de importações de trigo feitas nos Estados Unidos da América. Digamos, durante um ano e meio, importamos 200 milhões de dólares; não pagaremos em dólares, pagaremos em cruzeiros depositados em fundo especial e aplicamos esses cruzeiros em diferentes empreendimentos conjuntamente aprovados. Vinte por cento, desses cruzeiros depositados no fundo especial e aplicamos esses cruzeiros depositados no fundo especial e aplicamos esses cruzeiros em diferentes empreendimentos conjuntamente aprovado. Vinte por cento desses cruzeiros são reservados à Embaixada Americana, portanto saem do circuito econômico. Outros vinte por cento são aplicados em doações administrativas conjuntamente com preferência ao Nordeste em caráter de donativo feito por convênios, não havendo reposição, nem devolução. E por fim, sessenta por cento são aplicados em empréstimos de caráter rentável e reprodutivo através de diferentes agencias brasileira (GRIECO, 1994, p. 11).

O expositor aponta também problemas na Aliança, tais como a necessidade de maior multilateralização, o surgimento de uma burocracia, e a necessidade de um órgão de comando. Com relação aos problemas brasileiros, são apontadas a falta de planejamento e uma implantação precária durante o governo João Goulart. Entre os problemas dos Estados Unidos estariam a exiguidade de recursos e o custo do transporte.