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CONTEXTUALIZAÇÃO RURAL BRASILEIRA E A AGRICULTURA FAMILIAR

1.4 CONJUNTURA RURAL CONTEMPORÂNEA

A inserção da agricultura na lógica da modernidade deixou cicatrizes profundas no meio rural, sobretudo no modelo de agricultura familiar. Até a década de 1960, os pequenos produtores do Sul do Brasil produziam basicamente para a subsistência. Nos seus estabelecimentos, eles conseguiam quase todos os gêneros alimentícios necessários para a manutenção da família. A exclusão gerada pelas novas tecnologias e a sedução pelo consumo, típico da modernidade, ajudaram a alterar tal quadro.

Já na década de 1970, os efeitos das políticas agrícolas incentivadoras da produção em larga escala tinham deixado como resultado a valorização da terra, que estimulava a venda entre agricultores não incluídos no processo. Muitos migraram para as cidades, em busca de emprego. O resultado pode ser constatado nos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na década de 1960, 45% da população brasileira vivia nas cidades, 10 anos mais tarde já eram 56% dos brasileiros no meio urbano. Ferreira (1987) explica que tal opção de desenvolvimento foi responsável por uma profunda alteração na organização rural no Paraná. Entre 1960 e 1970, desapareceram 24,2% dos estabelecimentos com menos

de 20 hectares do Estado. No mesmo período, as propriedades com mais de 500 hectares apresentaram um crescimento quantitativo de 43,8%. O meio rural paranaense perdeu 1.268.565 habitantes em 10 anos. Ponta Grossa também registrou reflexos semelhantes, com a perda de mais da metade da sua população rural de 1960 a 2000, de acordo com o IBGE.

O quadro atual, resultante das políticas concentradoras do passado, é amplamente favorável à grande propriedade. O mais recente censo agropecuário do IBGE (1998), realizado nos anos 1995/1996, mostrou que o Brasil conta com 4.859.864 estabelecimentos rurais que ocupam 353,6 milhões de hectares de área. Do total registrado, a agricultura familiar tem 4.139.369 estabelecimentos, instalados em uma área que corresponde a menos de um terço do total, ou seja, 107,7 milhões de hectares. Ao mesmo tempo, a agricultura patronal soma 554.501 propriedades em 240 milhões de hectares, o que significa uma área quase 2,5 vezes maior do que aquela ocupada pela agricultura familiar. Percentualmente, as propriedades patronais representam 11,4% do total, mas ocupando 67,9% da área, enquanto que a agricultura familiar tem 85,2% das propriedades instaladas em 30,5% das terras rurais do Brasil. Existem ainda 165.994 estabelecimentos que pertencem a entidades públicas e instituições religiosas, não se enquadrando, portanto, nas categorias familiar ou patronal. Essas, entretanto, não são consideradas neste trabalho.

Ao se analisar apenas o Paraná, os números encontrados são melhores distribuídos, mas bem próximos do quadro nacional. O Estado teria, em números de 1996, 369.875 propriedades rurais, que ocupam 15,9 milhões de hectares de terra. Os estabelecimentos familiares somam 321.380, em 6,5 milhões de hectares. Na agricultura patronal são 44.273 propriedades instaladas em 9,2 milhões de hectares das terras rurais do Paraná. Assim, as grandes propriedades representam apenas 12% do total, mas ocupam 58,2% das terras, enquanto os agricultores familiares, que representam 88% das propriedades, estão em 41% da área. Na média, as propriedades da agricultura familiar têm 20 hectares no Estado, contra 210 hectares da patronal. Já no Brasil, a média da pequena propriedade é de 26 hectares e da grande, 433 hectares, de acordo com o Departamento de Estudos Sócios Econômicos Rurais (DESER, 2001).

É importante destacar, ainda, que 39,8% das propriedades rurais da agricultura familiar brasileira, de acordo com o IBGE, têm menos de 5 hectares.

Propriedades com tamanho entre 5 e 20 hectares representam 30% do total e 17% entre 20 e 50 hectares.

PROPRIEDADE

RURAL Nº de Propriedades % de Propriedades

TOTAL FAMILIAR PATRONAL FAMILIAR PATRONAL

BRASIL 4.859.864 4.139.369 554.501 85,2% 11,4%

PARANÁ 369.875 321.380 44.273 86,9% 12,0%

QUADRO 1: Total de propriedades existentes em 1996

Fonte: IBGE/1998 e Deser/2001

ÁREA RURAL (milhões de ha)

Área das Propriedades

(milhões de ha) % das Propriedades

TOTAL FAMILIAR PATRONAL FAMILIAR PATRONAL

BRASIL 353.611.24 6 107.768.45 0 240.042.12 2 30,5% 67,9% PARANÁ 15.946.632 6.541.584 9.275.501 41,0% 58,2%

QUADRO 2: Área total, em hectares, em 1996

Fonte: IBGE/1998 e Deser/2001.

Dados do Deser (2001) mostram ainda que a agricultura familiar, no Brasil, ocupa 77% da mão-de-obra do campo, ou seja, de cada 10 trabalhadores, quase oito atuam nesse modelo. São 17,9 milhões de pessoas ocupadas nas atividades rurais, entre proprietários e assalariados. Do total, 13,7 milhões atuam em atividades nas pequenas propriedades e 3,5 milhões nos grandes estabelecimentos empresariais. No Paraná, 1.272.188 pessoas estão ocupadas em atividades do meio rural, desses, 1.004.458 na agricultura familiar e 267.730 na propriedade empresarial. São, portanto, 79% trabalhando nas pequenas propriedades de base familiar.

Os levantamentos do Censo Agropecuário 1995/1996, do IBGE, mostram ainda que, em média, a agricultura familiar gera um posto de trabalho a cada oito hectares. Para render um emprego, a grande propriedade demanda 67 hectares, resultado da produção mecanizada e criação de animais de corte, que demandam pouca mão-de-obra.

Merece destaque o fato de que a agricultura familiar se ocupa principalmente da produção de alimentos, tanto para a subsistência como para o abastecimento dos centros urbanos. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a agricultura familiar é responsável por 84% da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos, 32% da soja, entre outros produtos. Tem, ainda, participação direta em 12 dos 15 produtos que têm impulsionado a atividade agrícola nacional nos últimos anos. O quadro abaixo mostra os principais produtos dos agricultores de base familiar no Brasil e no Paraná. Mas, além dessas em destaque, o modelo também responde pela maior parte da produção de hortifrutigranjeiros, que são produzidos principalmente nos chamados "cinturões verdes", ou seja, propriedades próximas aos centros urbanos.

BRASIL

PRODUTO Estabelecimento Área (ha) Renda (R$)

Pec. Leite 1,4 mi 61,9 mi 6,7 bi Galinhas 2,6 mi 72,6 mi 7,8 bi Pec. Corte 1,1 mi 55 mi 5,6 bi Milho 2,2 mi 57 mi 6,6 bi Soja 213 mil 5,9 mi 1,5 bi Suínos 1,2 mi 37,6 mi 5,0 bi Mandioca 1,0 mi 22 mi 3,4 bi Fumo 159 mil 2,3 mi 976 mi Feijão 1,8 mi 38,7 mi 4,5 bi Café 256 mil 7,2 mi 1,0 bi PARANÁ

PRODUTO Estabelecimento Área (ha) Renda (R$)

Soja 59,6 mil 1,7 mi 563,4 mi

Milho 208,3 mil 4,3 mi 1,0 bi

Galinhas 207 mil 4,1 mi 1,0 bi

Pec. Leite 152 mil 3,7 mi 899 mil

Suínos 139 mil 3,0 mi 759 mi

Feijão 142 mil 2,7 mi 579 mi

Fumo 17,5 mil 291 mil 109 mi

Mandioca 60,7 mil 1,1 mi 350 mi

Algodão 18,4 mil 281 mil 75 mi

QUADRO 3 - Principais produtos da agricultura familiar em 2000: Brasil e Paraná

Fonte: Deser/2001.

A análise conjuntural da agricultura familiar mostra que esse modelo apresenta grande importância no Brasil e também no Paraná, não só social, mas também econômica. Apesar de todas as dificuldades, presentes e históricas, que enfrenta. Por isso merece ser observada com melhor atenção, tanto pelas políticas públicas como pela comunicação formal. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a agricultura familiar é responsável por 28% da produção de alimentos do País. No caso do Paraná, tal contribuição chega a 43% do total.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (1999) também apresenta dados significativos, pelos quais 75% dos estabelecimentos agrícolas do Brasil são de pequenos produtores de base familiar, mas ocupam somente 25% de todas as terras cultivadas. Mesmo com uma área bem menor do que aquela ocupada pela agricultura patronal, o modelo responde por 35% de tudo que é produzido na agropecuária nacional.

O grande produtor tem um ganho maior com a produção, respondendo com 61% do Valor Bruto da Produção (VBP), mesmo com um número menor de propriedades, segundo levantamentos do Deser (2001). Mas no Paraná a agricultura familiar é mais representativa, com quase metade do VBP, ou 48,2%. Em reais, significa R$ 2,6 bilhões, no período, contra R$ 2,8 bilhões da agricultura empresarial, conforme quadro abaixo.

VBP (em R$) TOTAL DO VBP (em R$) % DO VBP

TOTAL FAMILIAR PATRONAL FAMILIAR PATRONAL

BRASIL 47, 7 bi 18,1 bi 29,1 bi 37,90% 61,00%

Paraná 5,5 bi 2,6 bi 2,8 bi 48,20% 51,30%

QUADRO 4 - Valor bruto de produção total (Familiar e Patronal)

Se for considerada a região Sul do Brasil, a agricultura familiar leva vantagem, respondendo por 57,1% do VBP, contra 42,9% do grande produtor, conforme dados do Deser (2001).

De acordo com o IBGE, a renda média anual da agricultura familiar brasileira é de R$ 2.717,00 e da propriedade empresarial de R$ 19.085,00, o que significa sete vezes mais o que ganha esta em comparação com aquela. No Paraná, a diferença é de 5,5 vezes. Enquanto a média anual da pequena propriedade é de R$ 4.658,00, o ganho médio da grande propriedade chega a R$ 26.043,00. A diferença, provavelmente, ocorre pelas técnicas e opções de produção da agricultura empresarial, que pratica cultivo extensivo, usa agrotóxicos e tecnologia de ponta. Mas a agricultura familiar apresenta melhores resultados na comparação da renda total por hectare cultivado. Os números são de praticamente o dobro no Paraná, em favor da pequena propriedade, e quase 250% maior no Brasil, conforme o quadro abaixo:

Renda Total por Estabelecimento (R$)

Renda Total Por Hectare (R$)

FAMILIAR PATRONAL FAMILIAR PATRONAL Brasil

2.717 19.085 104 44

Paraná

4.658 26.043 229 124

QUADRO 5 - Renda total (Familiar e patronal) em 1996

Fonte: IBGE/1998 e Deser/2001.

A situação em que se encontra a agricultura familiar brasileira, atualmente, pode ser representada por números nada animadores. A Embrapa mostra, em estudo de 1999, que 3,1 milhões de propriedades de base familiar apresentam algum tipo de dificuldade por falta de recursos econômicos. Apenas 1,1 milhão mostram uma certa consolidação de fluxos de capital e do uso de tecnologias adequadas. Entre os problemas enfrentados, especialmente por aqueles 3,1 milhões com maiores dificuldades, estão uma participação reduzida no mercado, posse precária da terra, falta de assistência técnica, de organização produtiva e acesso ao crédito (EMBRAPA, 1999).