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CONTEXTUALIZAÇÃO RURAL BRASILEIRA E A AGRICULTURA FAMILIAR

2.3 MERCADO DA COMUNICAÇÃO RURAL

Mas os estudos mostram que a comunicação midiática de informações para o meio rural ainda é muito mais voltada para a agricultura empresarial e mais utilizada por grandes produtores. Boteon (2004) estudou o mercado das comunicações no meio rural. Embora tenha abordado apenas a informação digital, através da internet, é ilustrativo o exemplo da autora como demonstração de que é na agricultura empresarial que mais se utiliza a informação formal. O novo meio corre o risco de apresentar mais uma forma de exclusão da agricultura familiar, a se manter o quadro atual. Para Boteon (2004), a informação é muito importante hoje para as tomadas de decisão do setor agropecuário. Para analisar como a informação via internet vem sendo usada, a autora parte da teoria econômica, que apresenta um perfil mais objetivo do estudo do objeto. Usa ainda um método quantitativo para avaliar a oferta e demanda no setor, mas nem por isso merece ser descartada nas Ciências Sociais, já que seus dados são reveladores.

Boteon (2004) destaca que, em 2003, apenas 4% do meio rural nacional tinha acesso a informações agropecuárias via internet. Do total, 92% eram produtores ou administradores da propriedade, com curso superior. Apenas 21% tinham receita bruta anual abaixo de R$ 100 mil, o que revela que são grandes produtores que utilizam a ferramenta. Boteon (2004) diz que resultados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2001 mostrou que só 6% dos proprietários rurais tinham no mínimo faculdade e 99,38% dos produtores apresentavam uma renda abaixo de R$ 100 mil. São esses 6% os principais usuários dos sites de informação agroeconômica, segundo a autora.

Para aqueles agentes que têm acesso à internet, as informações chegam por sites públicos (que trazem informações mais gerais), entidades (que destacam culturas do seu foco) e agências/consultorias que focam em cadeias de grande importância econômica.

De certa forma, a internet facilitou a distribuição da informação, ampliando a atuação de intermediários. Antes, o trabalho era feito basicamente por meios impressos, TV ou rádio, agora ocorre também digitalmente, com mais agilidade e baixo custo. Boteon (2004) destaca, porém, que o conteúdo da informação, em si, não sofreu alteração. As mensagens só mudaram de canal. O principal papel da internet, no agronegócio brasileiro, para a autora, é a ampliação ao acesso à informação para os tomadores de decisão. Segundo Boteon (2004), a internet propiciou uma redução nos custos de distribuição, só que ainda é um fenômeno muito recente, que mostra certa instabilidade.

Uma questão que merece ser destacada, que o estudo não discute, é a exclusão digital, que se mostra bastante forte nesse meio. Mas os próprios números indicam que só 4% dos produtores têm acesso à mídia digital, mostrando o que ocorre. Além disso, são os produtores mais capitalizados, agentes de comércio, indústria e prestadores de serviços do meio agropecuário que utilizam a internet.

Miguel de Moragas Spa, citado por Martín-Barbero (2002, p. 45), destaca que as novas tecnologias de comunicação estão reforçando a divisão entre a informação e a cultura dirigidas para quem toma decisões na sociedade e outro tipo voltado para as grandes massas. Martín-Barbero cita como exemplo a televisão paga, que permite aos intelectuais, executivos e yuppies, escolher o que assistir. “Eles não vêem mais uma televisão, uma informação comum. Eles se inscrevem numa informação que lhes diz aquilo que realmente lhes interessa para os seus negócios, seus trabalhos ou suas investigações” (2002, p. 45). Para o autor,

Nesse sentido, essa fragmentação do hábitat cultural vem reforçar a mais velha e mais estrutural das divisões sociais, que é a divisão entre os que ascendem de alguma forma ao poder, ou seja, os que têm informações para tomar decisões – e sabemos que hoje o poder passa cada vez mais pela informação – e a imensa maioria da população, para a qual os meios de comunicação se dirigem. (...) Os meios de comunicação trabalham fundamentalmente para essa imensa massa de gente cansada, estressada (trabalhadores que voltam para casa), enquanto outro tipo de comunicação e informação vai por outro lado, para poder realmente dirigir, orientar essa sociedade para tomar decisões.(MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 46)

Outra fragmentação apontada por Martín-Barbero (2002) diz respeito ao conhecimento das novas tecnologias. Para os mais jovens, a utilização das novas ferramentas tecnológicas, como o computador, é mais facilmente assimilada do que para as pessoas mais velhas. Assim, é possível que a

"modernidade" no campo possa ser absorvida de forma mais eficaz pelos filhos do que pela geração de “chefes de família” da agricultura familiar atual.

De acordo com Bordenave (1985), em grande medida o desenvolvimento rural gira ao redor da comunicação, visto que os agricultores necessitam dela para tomar suas decisões de produção e convivência. O autor lembra que a comunicação rural é um processo mais amplo do que a mera informação agrícola. O que se observa no meio, entre agricultores familiares, é uma quase total incomunicação mediada que, para Bordenave (1985), não vem apenas do isolamento geográfico, ocasionado pelas longas distâncias entre uma propriedade e outra, ou difícil acesso às cidades. A incomunicação é um fator causado pelo analfabetismo e baixo nível de instrução. Soma-se a isso, segundo o autor, o trabalho pesado no campo, que deixa o produtor exausto após as atividades, sem condições físicas de buscar comunicar-se, mesmo em conversas com vizinhos.

A tomada de decisões na agricultura, na avaliação de Bordenave (1985), é de grande importância. O sistema de produção na atividade é formado por terra, capital, trabalho e administração. "Cada agricultor tem um sistema de produção diferente porque cada um combina à sua maneira os fatores disponíveis" (1985, p. 20 - 21). Com base no exposto, o produtor, conforme lembra Bordenave (1985), deve constantemente tomar decisões próprias sobre o uso da terra, tipos de culturas que serão adotadas, emprego de mão-de-obra, utilização de tecnologia, investimento de capital e venda de produtos. E a agricultura não depende apenas das suas decisões, mas também de medidas de outras empresas, que apóiam o sistema de produção ou se utilizam seus produtos. Segundo Bordenave,

A decisão baseia-se em três fatores: querer, saber e poder. A comunicação influi decisivamente sobre os três fatores da decisão. Os agricultores vão querer adotar uma inovação se sabem que ela existe e quais são suas conseqüências; poderão executá-la se aprendem como fazer, isto é, os procedimentos correspondentes. A incerteza que rodeia o agricultor só pode ser reduzida usando seu antídoto fundamental: a informação. A função básica da informação é reduzir ao mínimo possível o caráter aleatório da agricultura, fornecendo ao produtor guias seguros e confiáveis para as suas decisões. A informação vem de várias fontes, como consulta a família e discussão com vizinhos. A comunicação torna possível o diálogo e a consulta, facilitando a tomada de decisões; além da assistência técnica e associações. (1985, p.20 - 21)

A conclusão que se pode tirar do pensamento de Bordenave (1985) é de que o agricultor, além de contar com fatores de produção, pode ter a seu favor um outro fator muito importante, que é a informação. Ele considera que sem ela, suas decisões estariam sujeitas à incerteza e à improvisação. Assim, o autor reforça o pensamento defendido, neste trabalho, de que o agricultor familiar necessita de esclarecimentos, incluindo os midiáticos no seu cotidiano.