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A consagração do Livro do Apocalipse

2. O florescer de uma nova entidade: O Diabo no Vetero e no Novo Testamentos

2.18 A consagração do Livro do Apocalipse

A datação deste livro remete para o período do domínio do imperador Domiciano, entre 81 e 96 da era cristã. No Apocalipse, as interpretações e alusões relativas ao imperador Nero (13, 11-18 e 17, 1-18) apontam para um período histórico conturbado para a comunidade cristã. Essas deverão ser, no entanto, referências metafóricas e encriptadas, pois o Livro de Apocalipse não deverá ter sido escrito antes do principado de Vespasiano (69-79 d.C.). Embora a data precisa da elaboração do Apocalipse não seja necessariamente fundamental para compreender a riqueza dos seus simbolismos, ela ajuda-nos a enquadrar a época em que a doutrina cristã se foi consolidando e instituindo (Bauckham, 2007: 1288).

O autor do Livro de Apocalipse é conhecido como um profeta cristão de nome João (Ap 1,1,4; 22,8). Sabemos apenas que este autor estava familiarizado com as comunidades cristãs de Roma e que terá redigido o Apocalipse numa pequena ilha do Mar Egeu, chamada de Patmos, onde estaria desterrado por causa da sua fé (Ap 1, 9). A tradição identificou este João com o Apóstolo João. No entanto, não existem factos evidentes que possam comprovar tal identificação (Alves, 2008: 2026).

O Livro do Apocalipse é profundamente teológico e profético, apresentando uma narrativa cheia de simbolismos. Nenhum texto do Novo Testamento prepara o leitor para tal estilo ou género literário, composto por um leque abrangente de símbolos e descrições imagéticas. “Apocalipse” é um termo grego que traduzido para português

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significa “Revelação”. O livro pertence a um género antigo de literatura judaica e cristã – a apocalíptica – a que pertence também o Livro de Daniel, sendo este o único exemplo apocalíptico pertencente ao cânone judaico, na Bíblia (Bauckham, 2007: 1287).

Revelação é, de facto, um livro bíblico que partilha traços importantes com os restantes apocalipses, tais como: a divulgação da verdade celeste a um vidente; a preocupação suscitada pela oposição entre o governo de Deus e o domínio do Mal no mundo; a esperança de que, no final da História, Deus trará o bem eterno em detrimento de todos os males deste mundo, restaurando assim, a sua criação. E, tal como os restantes apocalipses, este livro retrata também uma realidade histórica. Se atentarmos ao recurso constante a visões simbólicas e à utilização do imaginário fantástico, como forma de encontrar percepções alternativas do mundo e do futuro da humanidade, temos uma noção abrangente do estilo apocalíptico.

O Apocalipse reflecte um género de literatura que posiciona a imaginação teológica de forma a conduzir os seus leitores a diferentes modos de ver e entender as coisas. O sentido mais importante deste livro denota precisamente o desvendar de uma suposta verdade, sendo os assuntos “escondidos” aos seus leitores, revelados através de uma mensagem divina.

Esta é uma literatura própria de épocas de crise e de perseguição, em que se procura “revelar” os caminhos de Deus sobre o futuro, com o objectivo de consolar e encorajar os justos perseguidos, dando-lhes a certeza da vitória final. De facto, estes temas são muito idênticos no fim do AT e mesmo no tempo em que foi escrito o NT, pois quer nas descrições das narrativas do AT quer do NT vivia-se um ambiente apocalíptico. Isto é nas narrativas biblícas anteriores ao Apocalipse antevia-se uma mudança radical no modo de ser e de viver. Para isso, de facto muito contribuiu a decadência do Império Romano e as guerras sofridas na Palestina, que levaram à destruição do Templo e de Jerusalém (Alves, 2008: 2025).

O próprio conceito de Messianismo ajuda-nos a compreender a rede de relações entre as diferentes dimensões vividas pela comunidade cristã. A concepção judaica de um mundo sonhado, ou seja, um mundo que promete ser melhor do que aquele em que vivemos, foi aceite na cultura ocidental cristã para representar ou retratar a necessidade de mundança. No Antigo Testamento, o Messianismo baseia-se nos modelos e fórmulas institucionais da época. Tanto que, na cultura hebraica, a figura de David representa um

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modelo de messianismo que correspondia aos desígnios de Deus. David era o rei que Deus elegera para representar seu povo e sua vontade. No Novo Testamento, o conceito de Messianismo tem maior expressão, pois inscreve-se numa dimensão futura, em que o Messias é Jesus Cristo, o Filho de Deus, aquele que deu a vida pelos homens e, por sua vez, vai voltar para instaurar a ordem no mundo desses homens.

Para o tempo presente, o conceito de messianismo transporta sobretudo esta difícil tarefa de saber como gerir agora uma tão complexa metáfora. O próprio tempo presente fica, desta maneira, incumbido de uma tarefa difícil e empolgante como é a de definir a que tipo de messianismo, isto é a que desejos se deve dar expressão e procurar realização. É no tempo presente que as modalidades configuradas no passado e projectadas para o futuro assentam a sua dinâmica, a sua dialéctica e a sua exigência (Ramos, 2006: 251-252).

Claramente, o Livro do Apocalipse culmina toda a tradição profética da Bíblia. Este livro é uma narrativa que recupera alusões do AT para construir os seus textos, com base em factos e histórias anteriores. Se não estivesse organizado desta forma, provavelmente as histórias do AT seriam dispensáveis para o último livro do NT. O importante é frisar que no Livro do Apocalipse houve uma preocupação contínua de criar uma ligação de carácter intertextual entre o Antigo e Novo Testamentos (Bauckham, 2007:1288).

O simbolismo, por vezes irracional, de que o autor se serve para transmitir esta esperança aos perseguidos, assegura os cristãos que o Reino de Deus ultrapassa a História que eles estão a viver, e ao mesmo tempo é uma linguagem secreta para os perseguidores (Alves, 2008: 2026).

No Livro de Apocalipse, o simbolismo é um factor determinante. É através da linguagem simbólica que se dá a conhecer o sacerdócio de Cristo e o culto cristão. Pois, é pela morte e sua glorificação que Jesus é, nesta narrativa, a entidade máxima das forças de Deus. Aqui, Ele é o mediador entre Deus e os homens. Cristo concretiza, com a sua morte, o perdão dos pecados, uma vez que estabelece uma aliança nova e eterna com a humanidade, inaugurado assim um novo culto. A sua imagem representa todo o

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culto celeste, sendo mais significativa do que todos os outros servos de Deus, como Moisés, o rei David e todos aqueles que pela sua fê foram contribuindo para a doutrina cristã.