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CAPÍTULO 3 SEMIÓTICA: A TEORIA DE TODAS AS LINGUAGENS

3.2 Consciência

Em Peirce, a noção de consciência é ampla, dinâmica. Santaella (1996, p. 93) esclarece que consciência “não é por ele tomado como o espaço metafísico ou mítico da ‘alma individual’, ‘psique interna fluida’ ou ‘espírito difuso’, mas como uma espécie de aparelhamento complexo, operador da matéria sígnica”. A consciência é uma “miríade de formas”, não estando restrita à razão. Por isso, não se deve, todavia, considerar como sendo uma espécie de alma ou espírito etéreo.

Em uma longa citação apresentada por Santaella (1996, p. 97), encontramos definição de consciência como um locativo onde interagem as formas de pensamento, estabelecidas por ele como formas sígnicas não exclusivamente verbais. Nessa interação, há,

no entanto, determinadas circunstâncias que favorecem a dominância de uma das modalidades (primeiridade, secundidade, terceiridade) em um modo de consciência, ou seja, uma dessas categorias torna-se proeminente, definindo o estado de consciência naquele momento. As categorias são, portanto, as distintas e mais gerais modalidades da consciência. “A consciência não é o homem, mas está no homem”. (PEIRCE, 2003, p. 304).

Peirce (CP 7.547) compara a consciência a um lago sem fundo. Nesta consciência há uma camada superficial que representa a consciência reflexiva ou autoconsciência. Abaixo dessa superfície existem tantas outras camadas em diferentes profundidades. Cada uma delas com um grau de vividez diferenciado que, para Peirce, são as experiências passadas e que, o tempo todo, estão na consciência, contudo, submersas numa grande profundidade de obscurecimento. Essas camadas estão em constante movimento e podem emergir a qualquer momento, desde que atraídas por um esforço moderado de atenção ou, mesmo, um esforço intenso.

Dependendo do grau de esforço, aumentam as possibilidades de fazer subir mais ou menos idéias à superfície, ou seja, à camada da consciência reflexiva. Idéias não devem ser tomadas como entidades ou dados fixos. “Uma idéia não é outra coisa senão uma porção da consciência e não tem em si mesma limites definidos, exceto na medida em que pode ser de uma qualidade diferente daquela das idéias contíguas”, segundo Peirce (apud SANTAELLA, 1996, p.101). Os pensamentos que se movem para cima em busca da superfície, atraídos por idéias que já estão lá, podem influenciar outros pensamentos que ainda estão submersos nas profundezas da consciência. O que possibilita essa movimentação são as associações entre os pensamentos que estão na superfície e os pensamentos que estão nas outras camadas da consciência. No momento em que essas associações são estabelecidas, a semiose se efetiva.

Peirce exemplifica o movimento da consciência com uma queda contínua de chuva sobre esse lago. A chuva que cai pode ser comparada aos estímulos externos que, o tempo todo, passam através dos sentidos. As idéias tendem a gravitar em direção do esquecimento. Considerando a força da gravitação, elas têm um trabalho maior para atingir a superfície. A profundidade representa o grau de esforço, de atenção requisitada para trazer discernimento a uma idéia que se encontra na profundidade. A idéia só é trazida à superfície da consciência no momento em que há discernimento. Trazer uma idéia à superfície ainda não discernida, é produzir uma alucinação, segundo Peirce.

Nesta medida, a idéia que atraiu, impulsionou a outra que estava submersa em camadas profundas, perde a sua vividez, e submerge para a consciência obscura. A idéia originalmente obscura torna-se mais vívida do que aquela que a trouxe para cima. Esta, portanto, separa-se das outras e segue seu desenvolvimento (a primeira espécie de sentido- mediado – abstração). Peirce (CP 7.547) acrescenta que a mente tem uma área finita em cada nível. Com isso, a ascendência de um número de idéias, inevitavelmente, compreende na descendência de outras.

Perto da superfície as idéias são mais controláveis, podendo ser afetadas pelos propósitos presentes. O propósito de manter os pensamentos na camada superficial da consciência, onde podem ser investigados, é obtido pelo controle que exercemos sobre nossos pensamentos, ao raciocinar.

Como as idéias formam conjuntos, Peirce considera que as associações são de formas e conjuntos de idéias. Estabelece três formas de “medisense” (espécie de sentido mediado). A primeira espécie é aquela que rompe uma idéia da outra. Num conjunto, no qual as idéias estão conectadas entre si, ocorre um processo separativo. Uma idéia, ao seguir seu próprio desenvolvimento, por seu vigor e espontaneidade, separa-se das outras. Essa variedade de “medisense” é chamada de Abstração (CP 7.548).

A segunda espécie, em contrapartida, quando uma idéia tem sua vividez intensificada, ela impulsiona outras idéias desse conjunto, formando com elas um novo conjunto. Essa variedade recebe o nome de Sugestão (CP 7.549). Isto quer dizer que as idéias pertencentes ao mesmo conjunto podem ser impulsionadas pela idéia que aflorou, que emergiu.

A terceira espécie de “medisense” é a que Peirce (CP 7.550) chama de conjunto de idéias, ou seja, denomina de Associação. A maioria dessas associações é herdada, outras surgem espontaneamente, enquanto que o restante está incluso no princípio de que idéias produzidas juntas num mesmo conjunto, tendem a permanecer no mesmo conjunto. Ainda há possibilidades de que muitas associações possam vir a ser acidentais. A primeira associação se dá por abstração, isto é, há um rompimento entre uma idéia e as outras com as quais estava conectada. A segunda dá-se por sugestão, ou seja, é a idéia com poder para atrair outras idéias, formando, assim, um novo conjunto. A terceira compreende à associação propriamente dita (CP 7.351). São idéias que se associam para formar uma idéia única. São essas idéias que constituem o “médium” na consciência.

Retomando a metáfora do lago, as idéias imersas na profundidade da consciência reagem umas sobre as outras por atração seletiva. É quando ocorrem as associações propriamente ditas (terceira espécie de sentido-mediado - associação) entre idéias que se juntam e formam idéias únicas. Para que essas idéias únicas, que estão mais profundas sejam discernidas, é preciso um esforço muito grande e, para que sejam controladas, um esforço muito maior. Já as idéias que estão no “medium” da consciência, ou antes, são atraídas (segunda espécie de sentido-mediado – sugestão) umas às outras por hábitos associacionais e disposições -, aqueles em associações por contigüidade, estas em associações por semelhança (CP 7.554).

Considerando que é na consciência que se processam as idéias e estas, por sua vez, não estão demarcadas por limites fronteiriços, podendo abstrair-se do conjunto, juntar-se umas às outras, mover-se para outras direções, torna-se compreensível a divisão estabelecida por Peirce dos três estados da consciência. Esses três estados estão inteiramente atados às categorias fenomenológicas. Como já vimos, há estados de consciência em que predomina uma determinada categoria, primeiridade, secundidade e terceiridade, o que vem a definir aquele estado de consciência.

Exemplificando: quando o nosso olhar é capturado pelos elementos visuais, que pode ser de um anúncio publicitário ou qualquer outra imagem gráfica, no instante em que folheamos as páginas de uma revista, há, inegavelmente, a ocorrência desses três estados da consciência. Nesta experiência, a primeira delas é, factualmente, a da percepção. Direcionar o olhar para algo já é perceber. O capítulo que se segue tratará sobre a percepção e os níveis perceptivos. Note-se que, ao perceber, está-se diante de uma polaridade: a sensação dos dois lados daquele instante. A percepção, em si, está inscrita no nível da secundidade, por ser um instante de choque, do encontro entre duas coisas.

É no ato perceptivo que se descortina uma parte significativa do processo semiótico. Os fenômenos invadem os sentidos humanos, solicitando serem interpretados. As apreensões ocorrem em nível variável, os estados da consciência – médium - nos quais se processam as associações. Peirce (CP 7.388) afirma que “Há uma lei nas associações de idéias. Nós podemos, grosseiramente, dizer que é a lei do hábito. É a grande ‘Lei das Associações de Idéias,’ – uma lei de todas as ações físicas”.

O tipo mais elevado de síntese é aquele que a mente é compelida a realizar não pelas atrações interiores dos sentimentos ou representações, nem por uma força transcendental de necessidade, mas sim no interesse da inteligibilidade, isto é sensibilidade, no interesse do próprio “Eu penso” sintetizador, e isto a mente faz através da introdução de uma idéia que não está contida nos dados e que produz conexões que estes dados, de outro modo, não teriam. Este tipo de síntese não tem sido suficientemente estudado, e de modo especial o relacionamento íntimo de suas variedades não tem sido devidamente considerado (PEIRCE, 2003, p. 17).

Peirce trabalhou esse conceito de associação, o qual vem ao encontro do que se pretende demonstrar nesta investigação. Na comunicação publicitária, o conteúdo vai se entretecendo e acamando-se nos vários níveis da mensagem, uns apreensíveis mais claramente, outros nem tanto e, outros ainda, minimamente, e tantos outros se instalam na obscuridade. Mas, são as associações (a junção daquela apreensão a outras camadas já dispostas na consciência) que determinarão tal nível. No conceito peirceano, as associações são inferências as quais se desencadeiam de dois modos: por similaridade e por contigüidade (VALENTE; BROSSO, 1999, p. 97).