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3. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E ÓRGÃOS DE CONTROLE E BOAS

3.1 Estrutura organizacional das EFPCs

3.1.1 Conselho deliberativo

Na estrutura da EFPC, o conselho deliberativo ocupa o papel mais importante, pois concentra as principais decisões sobre a definição da política de

investimento e o planejamento atuarial. De acordo com o art. 10 da LC n. 108/2001, o conselho deliberativo é responsável pela “definição da política geral da administração da entidade e de seus planos de benefícios”. Seus integrantes têm a tarefa de concentrar a tomada de decisões importantes sobre o futuro da entidade previdenciária e, principalmente, a gestão de investimentos. Se ocorre falha por parte do conselho deliberativo nesse papel, milhares de pessoas podem ser prejudicadas, inclusive os próprios integrantes do conselho ao responderem administrativa, civil e criminalmente.

Dependendo das escolhas do conselho deliberativo, suas consequências podem causar prejuízo à coletividade ou colocar em risco a saúde financeira da EFPC, bem como podem repercutir com prejuízo ao patrocinador e participantes. Estes, estando ativos, com a majoração da contribuição previdenciária, e para quem já for aposentado, ter o benefício reduzido ou pagar contribuição extraordinária destinadas ao custeio do déficit.

Tamanha a importância do conselho deliberativo, a legislação determina fatores importantes a seu respeito, como a sua composição, representatividade, qualificação técnica dos membros, atribuições e gestão. Neste item, serão estudados tais aspectos e também a atuação do conselho deliberativo perante a necessidade de investir cotas de fundo de investimento em participação (FIP).

O conselho deliberativo é órgão colegiado formado por seis integrantes, sendo três indicados pelos patrocinadores e outros três pelos participantes ou assistidos. Há equilíbrio de forças, pela previsão legal, na formação do principal grupo deliberativo, com o limite mínimo de pessoas que o devem compor. O estatuto deverá prever representação dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal, assegurando, no mínimo, um terço das vagas (art. 35, § 1º, da LC n. 109/2001), o que proporciona transparência para a parte hipossuficiente da relação jurídica. A escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por eleição direta entre seus pares. Todavia, embora tenha a paridade dos representantes dos participantes e assistidos e dos

patrocinadores, cabe a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto149 de qualidade (art. 11 da LC n. 108/2001).

Daniel Pulino entende como indispensável a transparência na gestão, principalmente sob a perspectiva de o participante poder se inteirar com clareza sobre as decisões que repercutam sobre o patrimônio amealhado com esforço e que irá subsidiar o futuro dos planos de aposentadoria:

Mas, além disso, é também fundamental conferir total visibilidade ao participante dos planos de previdência complementar na medida em que a contratação desses planos (e, assim, o desenvolvimento do sistema e o atingimento dos objetivos que justificam sua existência no ordenamento e na prática das relações sociais) depende justamente da facultativa vinculação dos sujeitos.

Afinal, quem voluntariamente entrega parte das economias reunidas a outrem – muitas vezes com esforço e sempre com sacrifício do consumo presente de si próprio e de seus familiares – na esperança de que deste receba maior proteção em situações futuras de necessidade deve, no mínimo, ter condições de, querendo, poder acompanhar o tratamento que está sendo dado aos seus recursos.150

O art. 35, § 2º, da LC n. 109/2001 estabelece que, na composição dos conselhos deliberativo e fiscal das entidades multipatrocinadas, deverão ser considerados o número de participantes vinculados a cada patrocinador ou instituidor e o montante dos respectivos patrimônios. Celebrada a eleição, o mandato dos membros do conselho deliberativo será de quatro anos, com garantia de estabilidade, permitida uma recondução.

Devido à responsabilidade do cargo e dos recursos de terceiros que estes administram, há requisito técnico de qualidade curricular das pessoas que integram o conselho deliberativo e o conselho fiscal. A ocupação de assento nesses órgãos depende da aprovação de requisitos técnicos e mínimos,

149 Voto de qualidade é a possibilidade conferida pela lei para determinada pessoa fazer o

desempate de um julgamento, permitindo que vote duas vezes. Seu voto tem o valor em dobro dos demais. É diferente do voto de minerva, cujo presidente só vota uma vez para fazer o desempate. No caso da EFPC, o voto de qualidade é tomado pelo membro presidente, que necessariamente é indicado pelo patrocinador na composição do conselho deliberativo e do conselho fiscal.

150 PULINO, Daniel. Previdência complementar: natureza jurídico-constitucional e seu

explicitados na forma a seguir (art. 20 da LC n. 108/2001 e art. 35, § 3º, da LC n. 109/2001):

a) comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria;

b) não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado; e

c) não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como servidor público.

Cada membro do conselho deliberativo deve exercer seu ofício com qualidade técnica e atendendo a valores como independência, transparência, ética, qualidade técnica e gerencial. Nem sempre isso é possível. O rigor exigido pela lei na formação do conselho deliberativo e no requisito técnico de cada integrante é uma maneira de atenuar erros na gestão do patrimônio previdenciário, mas não representa garantia contra má gestão ou mesmo a ocorrência de fraudes. A quantidade de casos de ilícitos151 envolvendo as

entidades revela que em algum momento o conselho deliberativo pode não funcionar a contento, tampouco a ética ou capacidade técnica de seus membros em evitar investimento desaconselhável.

Na estrutura das EFPCs, o conselho deliberativo assume notável importância em relação ao destino do patrimônio coletivo. Os membros do conselho deliberativo têm como principal objetivo de atuação definir a política geral de administração da entidade e de seus planos de benefício, além do que está preceituado expressamente no art. 13 da LC n. 108/2001:

Art. 13. Ao conselho deliberativo compete a definição das seguintes matérias:

I – política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios;

151 As medidas mitigadoras da corrupção nos fundos de pensão, principalmente nos casos de

superestimação de FIP, não se resumem a uma providência isolada, pois dependem de uma série de precauções, medidas, fiscalização e controle da estrutura organizacional interna da EFPC e dos órgãos de controle externos. É importante a adequada avaliação de risco conforme as diretrizes do Comissão de Valores Mobiliários, bem como o monitoramento do risco até a realização do investimento.

II – alteração de estatuto e regulamentos dos planos de benefícios, bem como a implantação e a extinção deles e a retirada de patrocinador;

III – gestão de investimentos e plano de aplicação de recursos; IV – autorizar investimentos que envolvam valores iguais ou superiores a cinco por cento dos recursos garantidores;

V – contratação de auditor independente atuário e avaliador de gestão, observadas as disposições regulamentares aplicáveis; VI – nomeação e exoneração dos membros da diretoria-executiva; e

VII – exame, em grau de recurso, das decisões da diretoria- executiva.

Parágrafo único. A definição das matérias previstas no inciso II deverá ser aprovada pelo patrocinador.

Quando a EFPC resolve investir em FIP, e evitar que ele seja superestimado, pelo menos três aspectos previstos no art. 13 da LC n. 109/2001 demandam que os integrantes do conselho deliberativo tenham maior responsabilidade durante esse processo. A gestão de investimentos e plano de aplicação de recursos (inciso III), a autorização de investimentos que envolvam valores iguais ou superiores a cinco por cento dos recursos garantidores (inciso IV) e a contratação de auditor independente atuário e avaliador de gestão (inciso V) são alguns dos atributos do conselho deliberativo que interferem na decisão da Entidade Fechada de Previdência Complementar de aprovar o investimento em fundo de participação.

Convém relembrar que o processo de investimento do FIP compreende as etapas de avaliação (valuation) por especialistas, aprovação pelos integrantes da EFPC, fiscalização ou monitoramento do risco e a concretização dos resultados ou da lucratividade.

Portanto, como o conselho deliberativo assume essas incumbências, se acontecer de a Entidade Fechada de Previdência Complementar adquirir cotas de FIP sobreprecificado, os membros do referido conselho podem ser responsabilizados por terem falhado nas prerrogativas suprailustradas.

O conselheiro deve exercer seu ofício de forma diligente, para propor investimentos ou outra transação à diretoria executiva, a exemplo da aprovação ou não de aportes no fundo de investimento em participação (FIP). A degeneração das atividades e do papel do conselheiro ocorre quando este se desvirtua de sua principal tarefa institucional, permitindo que se façam

investimentos ou se tomem medidas que venham a causar prejuízo a Entidade Fechada de Previdência Complementar.

Quando o conselho deliberativo não atende sua finalidade legal, gerando malversação dos recursos garantidores das reservas técnicas e benefícios, os membros – individualmente ou coletivamente – respondem por esses atos. Decisão colegiada do conselho deliberativo não exime a responsabilidade individual de cada diretor. Pelo contrário, é a opinião independente e autônoma de cada dirigente que qualifica a decisão colegiada. São a formação e o conhecimento técnico que dão a desejada autonomia. O conhecimento técnico e a formação de cada diretor para se manifestarem autonomamente sobre o investimento são precisamente uns dos pilares para individualizar a responsabilidade de uma decisão coletiva.

O Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC),152 por

meio da Resolução CGPC n. 13, de 1º.10.2004, prevê, no art. 4º, § 2º, que a responsabilidade pode ser individualizada de modo específico, mesmo no caso de terceirização da gestão:

Art. 4º É imprescindível a competência técnica e gerencial, compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções exercidas, em todos os níveis da administração da EFPC, mantendo-se os conselheiros, diretores e empregados permanentemente atualizados em todas as matérias pertinentes às suas responsabilidades.

§ 1º Sem prejuízo das atribuições ordinárias da diretoria executiva, o estatuto ou o regimento interno poderá prever que o conselho deliberativo e o conselho fiscal contratem serviços especializados de terceiros, em caráter eventual.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior não exime os conselheiros e diretores de atenderem aos requisitos de comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, atuarial, de fiscalização ou de auditoria.

A responsabilidade civil por escolhas erradas pode atingir qualquer membro do conselho deliberativo, bem como outra pessoa física ou jurídica que participe da administração da entidade ou apenas lhe preste serviço

152 O CGPC era o órgão do Ministério da Previdência Social responsável por normatizar e

coordenar as atividades das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC). Embora alguns atos normativos do CGPC ainda tenham vigência, o órgão foi extinto pelo Decreto n. 7.123/2010, para dar lugar ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC).

profissional,153 a exemplo de consultores, auditores independentes, avaliadores

de gestão, atuários e advogados.

Se ocorrer desvio de finalidade ou fraude, o membro do conselho deliberativo somente perderá o mandato em razão de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.154 O

processo administrativo para apuração de irregularidades na atuação do conselho deliberativo da entidade fechada poderá determinar afastamento de conselheiro até sua conclusão, conforme o art. 12 da LC n. 108/2001.

Se funcionar consoante o previsto pela legislação, o conselho deliberativo tem atributo de independência eficaz para prevenção de fraudes, má gestão e gestão fraudulenta, como apregoa seu objetivo no art. 13 da LC n. 108/2001. Operações fraudulentas, porém, podem subverter todo o raciocínio sobre o real objetivo do conselho deliberativo. Este acaba sendo ignorado para tomada de decisões que resultem em atividade ilícita.

Ao se analisar as grandes fraudes brasileiras, constata-se vulnerabilidade dos conselhos deliberativos, mesmo com formação colegiada e com representantes dos participantes e patrocinador. Seus integrantes podem ser cooptados a se corromperem, agirem em erro com base em assessoramento ou

valuation equivocada ou agirem por vontade própria, participando ativamente de

153 “Art. 63. Os administradores de entidade, os procuradores com poderes de gestão, os

membros de conselhos estatutários, o interventor e o liquidante responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades de previdência complementar. Parágrafo único. São também responsáveis, na forma do caput, os administradores dos patrocinadores ou instituidores, os atuários, os auditores independentes, os avaliadores de gestão e outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada”. BRASIL. Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp109.htm. Acesso em: 10 abr. 2019.

154 Na fase do processo administrativo, o membro do conselho administrativo poderá sofrer as

penalidades de advertência; suspensão do exercício de atividades em EFPC pelo prazo de até 180 dias; inabilitação, pelo prazo de dois a 10 anos, para o exercício de cargo ou função em EFPC, seguradoras, instituições financeiras e no serviço público; e multa, na pessoa física, de R$ 2.000,00 a R$ 1.000.000,00, embora, de acordo com a legislação aplicável, o valor da maior parte das multas varie entre R$ 10.000,00 e R$ 25.000,00. Na fase judicial, poderá ocorrer penalidades, como suspensão ou afastamento das atividades, por meio de requerimento liminar ou definitivo para afastamento das atividades do membro que venha a cometer alguma irregularidade. O membro do Conselho Deliberativo somente perderá o mandato em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar.

atos delituosos, mediante postura omissa ou ilegal na tomada de decisões inidôneas.

Por ocasião da CPI dos Fundos de Pensão, ficou evidenciado que a liberação do patrimônio da EFPC se deu com crivo do conselho deliberativo, o que depois acabou se desdobrando em fraude e prejuízo para o fundo. Conselhos deliberativos foram omissos155 em seu papel, o que facilitou a ocorrência dos

delitos. Na denúncia do Ministério Público Federal, no caso da operação

Greenfield, fica bem claro que o conselho deliberativo é órgão estratégico para

exercício de pressões externas, que pode redundar em atividade delituosa por parte dos seus membros, conselheiros e diretores:

Assim como nos casos dos investimentos antes narrados, nesse caso concreto, também se suspeita de que pressões políticas e lobbies realizados por grupos econômicos próximos ao Governo Federal tenham pressionado as diretorias executivas e os conselhos deliberativos de FUNCEF, PREVI e PETROS para a realização e aprovação da participação acionária na INVEPAR. Suspeita-se, outrossim, de corrupção de diretores. Assim, por exemplo, segundo noticiou a imprensa escrita, Sérgio Ricardo Silva Rosa, ex-presidente da PREVI (de 2003 a 2010), recebeu da OAS, entre 2012 e 2014, por meio da empresa R. S. Consultoria e Planejamento Empresarial, o total de R$ 600.000,00, dividido em 10 parcelas, a título de “consultoria”. As notas fiscais teriam sido encontradas pela Polícia Federal na sede da OAS em São Paulo, em busca e apreensão vinculada à Operação Lava Jato.156

155 Cabe ao integrante do conselho deliberativo garantir condições para gerenciamento dos

recursos de terceiros e ter imunidade contra qualquer ingerência e pressão econômica, política, administrativa ou patronal. Todavia, na CPI dos Fundos de Pensão constatou-se que várias medidas que causaram prejuízo à entidade poderiam ter sido vetadas se o conselho deliberativo tivesse sido mais ativo e fiscalizador em relação ao desaparecimento de quantias vultosas. Eis trecho da CPI: “No período em que o Sr. Hélio Afonso Pereira assumiu a diretoria financeira do Postalis, detectou-se concentração de ajustes negativos em operações no mercado futuro com algumas corretoras, das quais valem ser destacadas Cinco Corretora, Socopa, SLW e Stock Maxima. Entretanto, o principal evento que chama a atenção na gestão do Sr. Hélio Afonso Pereira, foram as perdas de R$ 36 milhões auferidas pelo Postalis, em aplicações no Banco Santos. Pode-se afirmar que literalmente evaporaram R$ 36 milhões dos cofres do Postalis com a intervenção no Banco Santos [...]”. BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório da CPI dos Fundos de Pensão, p. 1361. Disponível em: https://www2. camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/ 55a-legislatura/cpi-fundos-de-pensao/documentos/outros-documentos-1/relatorio-final-

apresentado-em-12-04-16. Acesso em: 24 mar. 2019.

156 BRASIL. Ministério Público Federal. Denúncia da Operação Greenfield do Processo n. 35352- 77.2016.4.01.3400, p. 122. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/ docs/greenfield-doc-11. Acesso em: 24 mar. 2019.

A estrutura interna dos fundos de pensão e seus membros são passíveis de sofrerem influência fraudulenta em sua estrutura interna, principalmente num país com acentuada percepção de impunidade,157 no qual o risco de os

envolvidos serem punidos nem sempre é ameaçador, o que pode ser perigoso para a integridade financeira da entidade e também da adimplência dos benefícios previdenciários. Como visto anteriormente, as entidades previdenciárias podem ser vítimas de organizações criminosas, e estas, por sua vez, são viabilizadas a partir de atitudes comissivas ou omissivas de membros do conselho deliberativo no desenvolvimento da gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e benefícios. As atribuições legais dos integrantes do conselho são estratégicas, pois respondem pela autorização e gestão de investimento e contratam auditores para avaliação de risco (art. 13, incisos III a V, LC n. 109/2001), além de guardarem responsabilidades de tomar decisões que repercutam diretamente no futuro da Entidade Fechada de Previdência Complementar. Quando a fraude previdenciária acomete esse importante órgão na estrutura da EFPC, o prejuízo ocasionado por ações delituosas pode ser amplificado potencialmente.

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