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Tribunal de Contas da União

3. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E ÓRGÃOS DE CONTROLE E BOAS

3.2 Órgãos de controle

3.2.5 Tribunal de Contas da União

Com a ampliação da máquina administrativa e sua complexidade, em 1890 foi criado o Tribunal de Contas da União por meio do Decreto n. 966-A, assinado por Rui Barbosa, Ministro da Fazenda que preocupava-se num controle intermediário de fiscalização, julgamento e vigilância entre a legislatura e a Administração Pública, bem como exercendo o acompanhamento de receitas e despesas dos cofres públicos e punição aos gestores que malversarem os recursos da União. Essa incumbência se mantém até os dias atuais e foi fortalecida na Constituição Federal (art. 70), mas recentemente o Tribunal de Contas da União tem ampliado seu rol de atribuições para ter atenção aos recursos garantidores das reservas técnicas e benefícios nas entidades fechadas de previdência complementar.

O combate à fraude e à corrupção se dá a partir da atuação de diversos órgãos. Nem sempre há harmonização entre eles, embora todos tenham objetivos convergentes nesse campo. Ao lado do Banco Central, da Previc, da CVM e do CMN, o Tribunal de Contas da União incorpora-se nessa rede para combater ilicitude por meio de controle externo.

A fiscalização e o acompanhamento que o Tribunal de Contas da União desenvolve abrangem os três regimes da previdência: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o Regime Próprio da Previdência Social da União (RPPS) e as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs). Entre os objetivos da Corte de Contas, o principal é o papel de controlar e fiscalizar a gestão pública, por meio do combate à fraude e à corrupção, frequentes na área previdenciária.

As constantes auditorias e fiscalizações têm melhorado a identificação precoce de ações delituosas no poder público, o que tem servido para fazer gerar interação com outros órgãos, num cruzamento de dados. Essa sinergia fomenta a cooperação entre instituições, como Advocacia-Geral da União, Ministério Público Federal e Polícia Federal.

A incidência de situações de fraude avolumou-se tanto que o TCU se especializou em combater a corrupção,190 a ponto de em 2016 criar a Secretaria

Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura (SeinfraOperações). No ano seguinte foi criada outra secretaria específica para esse fim, chamada de Secretaria de Relações Institucionais de Controle no Combate à Fraude e Corrupção (Seccor).

O Tribunal chegou a editar o manual Referencial de combate à fraude e

à corrupção,191 prevendo que toda organização está sujeita a riscos de fraude e

corrupção, com informações relevantes para uma gestão de riscos essencial ao controle dessas ações delituosas.

Na área dos fundos de pensão, o Tribunal de Contas da União desenvolve auditorias e produz relatórios supervisionando entidades de previdência com patrocínio público, como os mencionados a seguir:

Acórdão 2.860/2018-TCU Plenário, relator Min. Augusto Sherman: condenou os ex-dirigentes do Postalis Alexej Predtechensky, Adilson Florêncio e Ricardo Azevedo a ressarcirem o valor de R$ 60,5 milhões e a cada um pagarem multa de R$ 3 milhões;

Acórdão 2.059/2012-TCU-Plenário, relator Min. José Múcio Monteiro: risco de insustentabilidade dos gastos previdenciários;

Acórdão 3.414/2014-TCU-Plenário, relator Min. Aroldo Cedraz: situação financeira e atuarial do sistema previdenciário brasileiro; e

190 “Desde janeiro de 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) possui uma secretaria para

acompanhar operações especiais e combater fraudes em projetos de infraestrutura, em especial os processos ligados à Operação Lava Jato. A proposta da chamada Seinfra Operações é prevenir, detectar e apurar responsabilidades em fraudes ligadas à infraestrutura do país, por meio da obtenção e tratamento de informações”. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processos da Lava Jato têm secretaria exclusiva no TCU. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/processos-da-lava-jato-tem-secretaria-exclusiva-no- tcu.htm. Acesso em: 30 mar. 2019.

191 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial de combate a fraude e corrupção: aplicável a órgãos e entidades da Administração Pública. 2. ed. Brasília: TCU, Coordenação-Geral de Controle Externo dos Serviços Essenciais ao Estado e das Regiões Sul e Centro-Oeste (Coestado), Secretaria de Métodos e Suporte ao Controle Externo (Semec), 2018. p. 26. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/referencial-de-combate-a-fraude-e- corrupcao.htm. Acesso em: 30 mar. 2019.

Acórdão 864/2016-TCU-Plenário, relator Ministro Vital do Rêgo: sugestão de aprimorar a legislação referente às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), a fim de dotar o regime de previdência de maior segurança jurídica e diminuir riscos identificados na supervisão da Previc.

A partir da criação das secretarias especiais de combate à corrupção, o TCU intensificou sua atenção em fiscalizar EFPC, já que têm sido frequentes os enfrentamentos de casos envolvendo fraude em fundos de pensão. Em 5 de dezembro de 2018, os Ministros Raimundo Carreiro, Augusto Sherman e Benjamin Zymler proferiram o Acórdão 2.860/2018 sobre a auditoria realizada na Previc, nos Correios e no Postalis, com o objetivo de apurar prejuízos em diversos investimentos efetuados pela entidade, inclusive o que envolveu compra de debêntures emitidas pela Galileo SPE Gestora de Recebíveis S/A. O Tribunal condenou os ex-diretores Alexej Predtechensky, Adilson Florêncio e Ricardo Azevedo e os ex-gestores Mônica Caldeira e José Carlos Rodrigues a ressarcir, no prazo de 15 dias, solidariamente, os cofres do Postalis, em valores que ultrapassam R$ 60,5 milhões, além de aplicar multas de R$ 3 milhões a cada um deles.

Essas medidas fortalecem o papel do Tribunal de Contas da União, evitando ou diminuindo prejuízos sofridos pelos fundos de pensão em razão de fraudes. Medidas de prevenção à corrupção e até a expectativa de controle gerada pela atuação do tribunal ajudam a coibir ilícitos.

Essa fiscalização não é exclusiva. Não recai apenas sobre a Entidade Fechada de Previdência Complementar, mas sobre outras instituições. Embora o TCU desempenhe papel fiscalizador e sancionador para contribuir com os gestores e prevenir os desvios, sua atuação em relação ao mercado de previdência complementar é questionável, em razão da interpretação da competência de fiscalizar. A principal justificativa da atuação do Tribunal de Contas da União é apurar possíveis danos ao erário gerados pelo mau emprego de recursos quando o patrocinador público verter contribuições à EFPC, a exemplo de Postalis, Petros e Funcef.

A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) já se manifestou publicamente diversas vezes,

questionando que a instituição não teria competência legal e técnica para auditar fundos de pensão. Na Revista Fundos de Pensão, de produção da Abrapp, Nelson Machado escreve artigo e pontua que

a recente interferência do Tribunal de Contas da União (TCU) na disputa entre fundos de pensão e um banco de investimentos suscitou a discussão sobre a competência do órgão na fiscalização das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Ações semelhantes tramitam em tribunais de contas estaduais. Especialistas do setor afirmam que a ingerência dos TC vai de encontro às regras do sistema.192

Afinal, se o órgão regulador Previc fiscaliza os fundos de pensão, essa tarefa esvazia ou afasta a atuação concomitante do TCU na apuração de fraudes ou vulnerabilidades no processo de investimento?

A ponderação é intrigante e remete à competência constitucional e infraconstitucional da Corte de Contas. O controle externo do TCU é derivado da competência dada ao Congresso Nacional (art. 49, X, da CF), órgão da União e, portanto, ente da Administração Pública Direta. Para que o Congresso Nacional atinja esse objetivo, vale-se do Tribunal de Contas da União, na forma do art. 70 da carta política, cuja competência alcança: a) qualquer pessoa jurídica ou física; b) que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre; c) dinheiro, bens e valores públicos; e d) ou pessoas que, em nome da União, respondam por compromissos ou assumam obrigações de natureza pecuniária.

O art. 1º, em seus incisos I e II, da Lei n. 8.443/1996 define a competência do TCU, segundo a qual lhe compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos Poderes da União e das entidades da Administração Indireta e por irregularidade de que resulte dano ao erário. Também compete à instituição a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União.

A competência e atuação do Tribunal de Contas da União decorrem principalmente de sua fundamentação prevista na Constituição Federal. Sem

192 MACHADO, Nelson. Vamos melhorar o atendimento e atacar as fraudes. Revista Fundos de Pensão, São Paulo: Abrapp, n. 310, p. 5, nov. 2005.

ignorar esse embasamento, ocorre que a legislação dispôs de modo específico que a fiscalização e o julgamento das irregularidades cometidas por EFPC seriam feitos, primordialmente, pela Secretaria de Previdência Complementar (Previc), na forma do art. 28 da LC n. 108/2001193 e do art. 74 da LC n. 109/2001,194 sem fazer

referência ao controle externo do TCU.

E, por conta dessa restrição, os defensores de que a Previc não deve concorrer com o TCU na fiscalização dos fundos de pensão argumentam que essa particularização do legislador foi intencional e monopolizadora, não dando espaço para a concomitância de exercício de controle externo.

No artigo Os limites da competência do Tribunal de Contas da União sobre as atividades das EPFC, Rosália Agati Camello defende que o sistema de previdência complementar está estruturado sem a necessidade de intervenção do TCU:

Sob qualquer dos aspectos que por seja examinada a questão, não se identificam os pressupostos para a atuação do Tribunal de Contas da União, sobre as entidades fechadas de previdência complementar, firmados no parágrafo único, do artigo 70, da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece que prestará contas: (i) qualquer pessoa física ou jurídica, (ii) pública ou privada, que (iii) utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre (iv) dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a (v) União responda, ou que, (vi) em nome desta, assuma

obrigações de natureza pecuniária.

Não se aplica nenhuma das hipóteses acima grafadas. Assim, é de se esperar que mesmo diante das recentes decisões proferidas por aquela Corte, declarando o alargamento da competência do Tribunal de Contas da União, a fim de atuar como órgão

193 “Art. 28. A infração de qualquer disposição desta Lei Complementar ou de seu regulamento,

para a qual não haja penalidade expressamente cominada, sujeita a pessoa física ou jurídica responsável, conforme o caso e a gravidade da infração, às penalidades administrativas previstas na Lei Complementar que disciplina o caput do art. 202 da Constituição Federal”. BRASIL. Lei Complementar n. 108, de 29 de maio de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp108.htm. Acesso em: 26 mar. 2019.

194 “Art. 74. Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5º desta Lei Complementar, as funções

do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), relativamente às entidades fechadas, e pelo Ministério da Fazenda, por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep), em relação, respectivamente, à regulação e fiscalização das entidades abertas”.

fiscalizador dessas entidades, há de prevalecer a soberania da nossa Lei Maior.195

O assunto é controverso. Em 2012, Garibaldi Alves Filho, então Ministro da Previdência Social, formulou consulta ao TCU para que este opinasse sobre conflito de competência causado entre sua atuação, a da Previc e outros órgãos na fiscalização dos fundos de pensão. Eis o posicionamento do Tribunal de Contas:

[...] a competência constitucional do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos pelas EFPC, direta ou indiretamente, não ilide nem se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico, como o realizado pelos entes patrocinadores, pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar e por outros órgãos a quem lei ou Constituição

Federal atribui competência;

[...] não cabe ao TCU impor parâmetros/metas de rentabilidade/eficiência aos fundos de pensão, a seus patrocinadores e aos órgãos de fiscalização, não se podendo olvidar que o TCU é competente para verificar a legalidade, a legitimidade, a eficiência e a eficácia da aplicação dos recursos públicos, nos termos do arts. 37 e71 da Constituição Federal, da Lei n. 8.4433/92, bem como do seu Regimento Interno;196

Salienta que a referida consulta não foi construída como um opinativo unilateral do Tribunal de Contas da União sobre a matéria, a qual detinha interesse na conclusão final, já que defendia sua inusitada ampliação de competência. O parecer foi dado considerando as manifestações jurídicas da Procuradoria Federal junto à Previc e da consultoria jurídica do extinto Ministério da Previdência Social, que contextualizam seus pontos relevantes justificando a necessidade de declaração do Tribunal sobre o tema.

As principais razões para justificar a atuação do Tribunal de Contas da União na fiscalização dos recursos dos fundos de pensão perpassam pelo cabimento da competência residual e concorrente entre os órgãos de controle

195 CAMELLO, Rosalia M. T. S. Agati. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São

Paulo: ICSS Sindapp, 2006. p. 126 – sem destaques no original.

196 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo TC n. 012.517/2012-7. Acórdão n. 3.133

Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes. Brasília, 21 de novembro de 2012. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 nov. 2012. Fonte: https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.contas.uniao;plenario:acordao:2012-11-

externo, a natureza jurídica dos recursos públicos enquanto geridos pela EFPC e o exercício hermenêutico da legislação que define a competência de cada órgão.

Embora as Leis Complementares n. 108 e 109/2001 sejam silentes em apontarem o TCU como responsável por fiscalizar os recursos das EFPCs, a base legal que justifica a competência do Tribunal de Contas deflui principalmente dos arts. 70 e 71 da Constituição Federal de 1988, esta normatizada pela Lei Orgânica do TCU (Lei n. 8.443/1992) e pelo Regimento Interno do TCU (Resolução TCU 246/2011).

Cabe salientar que a atuação do Tribunal de Contas da União na área previdenciária não se resume apenas aos patrocinadores públicos e incidentalmente fundos que recebam recursos públicos, mas fiscalizará a própria Previc. Se alguma decisão da autarquia resultar em prejuízo ao Erário, ou se a fiscalização for insuficiente para assegurar que a União e/ou suas entidades não tenham que realizar aportes adicionais de valores no futuro, o Tribunal de Contas determinará medidas corretivas.

No julgamento do MS 25.181-6/DF, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal foi de que os recursos transmitidos por empresas estatais na condição de patrocinadores são, em essência, de índole pública, o que ratifica a existência de jurisdição do TCU nesses casos.

O custeio de empresa estatal federal gera – mesmo que de modo indireto – interesse público, levando em consideração que o acionista majoritário é a União e que a previdência complementar dessa empresa recebe dinheiro público. Portanto, as EFPCs que lidam com recurso público de participantes vinculados a empresas estatais, com base no julgamento do Supremo, atrairiam competência do TCU. Por essa ótica, a fiscalização desses ativos não seria irrestrita, mas limitada ao patrimônio de entidades ligadas ao Poder Público.

Sendo assim, a contribuição realizada por empregados e empresa de natureza jurídica de direito privado não entraria no escopo de controle externo do Tribunal de Contas?

Na consulta realizada pelo Ministro da Previdência Social, que gerou o Acórdão n. 3.133/2012, firmou-se o entendimento de que os recursos que integram as contas individuais dos participantes das EFPC, quer oriundos do

patrocínio de órgãos públicos ou de entidade de natureza jurídica de direito privado, quer das contribuições individuais dos participantes, enquanto administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), são considerados de caráter público.

O argumento que justifica a atuação do Tribunal de Contas da União em Entidade Fechada de Previdência Complementar de natureza jurídica de direito privado é a contextualização de que a entidade previdenciária está inserida dentro do Sistema de Seguridade Social e daí se encontra o interesse público. A Seguridade Social, área em que se insere a Previdência Social e as EFPCs, é norteada pela solidariedade e o Poder Publico participa do financiamento do benefício. Os recursos públicos e privados, vertidos para o custeio desse macrossistema, misturam-se e exsurge o interesse público e a participação de valores públicos, justificando a fiscalização desses recursos pelo Tribunal de Contas da União.

Além do critério da natureza jurídica dos recursos, o outro argumento que evidencia o exercício do Tribunal de Contas em previdência complementar é, primeiramente, o exercício hermenêutico da legislação que define a competência de cada órgão e este, por consequência, ampara a atuação exclusiva da Previc ou concorrente por parte do Tribunal de Contas da União.

A interpretação abrangente do texto constitucional e das Leis Complementares n. 108/2001 (art. 24) e n. 109/2001 (art. 74) deve ser feita no sentido de aferir se a redação do art. 70 autoriza o Tribunal de Contas da União a fiscalizar operações voltadas a investimentos em previdência e se há exclusividade da Previc na execução do seu papel.

Em sede de controle externo, a competência do Tribunal de Contas da União deriva diretamente do Constituinte Originário, hierarquicamente superior às LCs n. 108 e 109/2001, ao exercer tanto por iniciativa própria quanto em auxílio ao Congresso Nacional, conforme os arts. 70 e 71 e da Carta Magna e da Lei n. 8.443/1992. Partindo da premissa de que os ativos circulantes nas EFPCs são de participação e de interesse público, como órgão de controle externo, é inegável que o Tribunal de Contas deve fiscalizar tais recursos.

Embora o art. 74 da LC n. 109/2001 demonstre clareza quando aborda o poder fiscalizador apenas pela SPC, o antecessor da Previc, se fôssemos considerá-lo preponderante, não haveria espaço para atuação também fiscalizatória das Comissões Parlamentares de Inquérito (a exemplo da CPI dos Fundos de Pensão e dos Correios) nem para a atuação da CVM. Cabe falar também em interpretação sistemática, porque o escopo das diferentes normas não é antagônico, mas complementar. A lei complementar, embora eleja a Previc como órgão fiscalizador, não exclui ou veda a possibilidade de uma atuação complementar por meio do Tribunal de Contas da União. A teleologia do referido artigo não é a de eleger fiscalizador único por meio de enumeração exaustiva, mas apenas de modo exemplificativo.

Até porque a Previc não atua em exclusividade no que toca ao papel de fiscalizar a exatidão e o cumprimento das regras prudenciais envolvendo ativos previdenciários. Além da Previc, ainda há a fiscalização da CMN (art. 9º da LC n. 109/2001) e do próprio Banco Central do Brasil em auxiliarem no combate a desconformidades de investimentos envolvendo o patrimônio previdenciário, ainda que indiretamente.

A ocorrência de fraudes nos fundos de pensão é uma ameaça que exige um monitoramento permanente dos órgãos de controle. São milhares de operações diárias de investimento e desinvestimento no mercado financeiro com recursos garantidores das reservas técnicas e benefícios. E esses órgãos de controle estão suscetíveis a falhas, como de fato já ocorreram, a fim de evitar que fraudes, a exemplo da supervalorização de FIP, passem despercebidas ou demorem a ser detectadas, pois em ambos os casos podem propiciar evasão de ativos previdenciários de modo irreversível.

A atividade fiscalizatória do Tribunal de Contas da União serve para somar forças, o que, em princípio, seria saudável no combate aos ilícitos que pairam nos fundos de pensão, além de ser mais uma camada de proteção para salvaguardar a aposentadoria supletiva de milhares de participantes. Ao contrário, o que se visualiza atualmente é ferrenha discussão sobre aspectos formais e legais da competência institucional do Tribunal de Contas da União, deixando de lado a efetividade de o controle externo poder inibir a fraude com dinheiro dos fundos de pensão.

Entendemos que o papel do Tribunal de Contas da União é de atuar em complementaridade, sem o objetivo de ilidir ou sobrepor, aos demais órgãos de controle que fiscalizam direta ou indiretamente as EFPCs. A atuação do TCU deve se pautar nas especificidades legais, isto é, verificar o cumprimento dos dispositivos das Leis Complementares ns. 108/2001 e 109/2001, bem como de regulações expedidas pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e pelo Conselho Monetário Nacional e outras leis e normas infralegais aplicadas, adotando parâmetros próprios apenas quando houver situação que não esteja prevista nesses normativos, a fim de evitar conflito de atuação por diferentes órgãos de controle.

A competência constitucional do Tribunal de Contas da União para fiscalizar, direta ou indiretamente, os recursos administrados pelas EFPCs não afasta ou impede as atribuições específicas estabelecidas em lei para os entes patrocinadores, no seu controle interno, e para a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).

O Tribunal de Contas não substitui a Previc, nem o CNPC ou demais órgãos de controle. Mas se for provocado pelo Congresso Nacional ou por outros órgãos e pessoas legitimadas a fazer denúncia, ou resolva agir por iniciativa própria, pode fazê-lo nos casos de malferimento de aplicações dos recursos públicos geridos pelas EFPC, de fiscalização da própria Previc.

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