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2.Conceito de qualidade de vida: evolução histórica e definições

5. Consequências da apneia obstrutiva do sono na qualidade de vida

Depois de termos apresentado uma breve reflexão psicológica sobre a qualidade de vida nas doenças crónica, verificámos que a apneia do sono é uma doença resultante de longos períodos de mudanças biológicas, cuja evolução é progressiva e contínua, que apresenta uma sintomatologia permanente e progressiva e aumenta gradualmente de severidade. Provocando graus variados de incapacidade física, psicológica e social, cujo prognóstico é reservado e que exige um tratamento permanente, bem como a adopção de um novo estilo de vida. Seguidamente abordaremos as repercussões que a apneia sono têm na percepção que os pacientes têm da sua qualidade de vida, com base na concepção biopsicossocial do ser humano, a qual veicula o pressuposto de que, se uma parte do corpo sofre alguma alteração todo o corpo (biológico, psíquico e social) reage e não apenas uma das partes

A apneia do sono é uma doença crónica, que pelas suas característica fisiopatologicas e clínicas, apresenta um conjunto de sintomas incapacitantes, sendo os mais relevantes e com profundos reflexos a nível psicológico, familiar, profissional e social: a sonolência diurna excessiva e o ressonar nocturno. A par destes sintomas e de outros, como por exemplo, a intensa actividade motora (sendo frequente estes doentes caírem da cama e/ou "baterem" involuntariamente nos seus parceiros durante o sono), os episódios enuréticos, a sensação de asfixia nocturna, as cefaleias matinais, as alucinações hipnagógicas, a impotência sexual, que interferem na funcionalidade diária "normal", surgem alterações psicopatológicas, com repercussões negativas na qualidade de vida destes pacientes (Lee e Chiu,1989; Wright, 1997 e Yang, 2000). Geralmente a grande maioria dos doentes não se apercebe que sofre de uma doença respiratória do sono, avaliando subjectivamente o seu sono como "normal", atribuindo assim, a outras causas os seus sintomas.

Frequentemente estas pessoas são rotuladas como tendo uma doença psiquiátrica primária, por apresentarem sintomas secundários à doença como a depressão, ansiedade, irritabilidade e o isolamento social, frequentando consultas da especialidade, cuja medicação com anti depressivos, agrava ainda mais a sintomatologia da apneia e o paciente ao aperceber-se do agravamento significativo do seu estado de saúde, fica ainda mais ansioso e deprimido (Cartwright, 1991; Dement, 1978; Reynoulds, 1988). Este ciclo vicioso pode perpetuar-se por muito anos, até que a apneia do sono seja diagnosticada. Geralmente, estes doentes experiênciam sentimentos ambivalentes, perante o diagnóstico da apneia obstrutiva do sono. Inicialmente o diagnóstico da doença traz-lhes uma sensação de alívio, porque finalmente têm uma explicação para os seus sintomas, mas posteriormente, se diagnóstico vai confrontá-los com uma doença crónica, e a pessoa começa a interrogar-se de que forma a sua doença vai alterar a sua vida. As reacções emocionais de ansiedade e raiva, são frequentes, pelo facto de se sentirem dominados pelas exigências do controle da doença, assim como o medo e a angústia, ao serem confrontados com a possibilidade da morte súbita durante o sono. A negação, é também uma das reacções emocionais mais frequentes, principalmente nos pacientes cuja sintomatologia é ligeira e nos mais novos. Estes pacientes percebem a doença como não perturbadora da sua vida, evitando assim um tratamento que os obriga a alterações no seu estilo de vida e que lhes afecta a sua auto-imagem e auto-estima (Shontz, 1975, citado por Odgen, 1999).

Para além destes sentimentos ocorrem frequentemente problemas conjugais relacionados com determinados sintomas da doença, nomeadamente o ressonar, a enurese nocturna, a impotência sexual e perda da libido. Os cônjuges dos doentes

forma o seu sono, que para conseguirem dormir toda a noite têm que tomar medicação indutora do sono, ou então dormirem em quartos separados, levando à deteriorando da relação conjugal. A impotência é muitas vezes funcional, devido à diminuição dos níveis de testosterona por inibição do sistema hipotálamo-hipofísário, mas apesar das dificuldades sexuais serem consequência de alterações neuro- hormonais causadas pela doença, os problemas psicossociais como, a ansiedade e a irritabilidade e as perturbações da personalidade, são factores que contribuem ainda mais, para o agravamento das dificuldades sexuais e dos conflitos conjugais, levando à depressão, ao desinteresse e ao isolamento social.

Relativamente às perturbações psicopatológicas e comparados com a população em geral ou outros grupos de doenças crónicas, os doentes com apneia do sono apresentam uma maior incidência dessas perturbações (Cassei, 1993; Bahammam e Kryger, 1999), nomeadamente: maior isolamento social devido a relações interpessoais stressantes e conflituosas, irritabilidade excessiva, mudanças bruscas de humor, ansiedade, deficites cognitivos (por exemplo: perda de memória, especialmente a memória a curto prazo; dificuldade de concentração e marcado atraso de tempo de reacção).

Os deficites cognitivos e a sonolência diurna excessiva, são responsáveis para que o número de acidentes de trabalho e de viação sejam mais elevados nas pessoas que sofrer de apneia. Findley (1991), constatou que, os doentes com apneia não tratados tinham 2,6 vezes mais acidentes do que os doentes tratados e a população em geral, por outro lado acidentes mais graves, com mortes e incapacidades graves (hemi e paraplegias) envolviam doentes com apneia sem tratamento

Outro aspecto psicossocial da apneia do sono é a relação existente entre stress e apneia obstrutiva do sono (Pillar e Lavie, 1998, Coleman, 1999). A necessidade de

integrar a doença nas actividades do dia-a-dia, o controle da doença, as emoções que evocam o seu mau prognóstico (possibilidade de morte súbita durante o sono) e o próprio tratamento (uso de uma máscara nasal durante o sono) são fortes stressores. A relação entre apneia do sono e stress tem duas componentes: uma é que essa relação é bidireccional (o stress pode influenciar a apneia, exacerbando assim alguns dos seus sintomas e os sintomas da apneia são geradores de stress); a outra refere-se ao tipo de influência sobre a apenia do sono, existindo uma influência directa, a qual aumenta os factores neuro-hormonais e psicofisiológicos que precipitam as apneias; ou uma influência indirecta, com alterações dos comportamentos de auto-controle da doença e a adesão ao tratamento.

Como podemos verificar a apneia do sono é uma doença que afecta todos os aspectos da vida do paciente, devido à interacção de factores biológicos, psicológicos e sociais, estando assim o seu bem estar subjectivo e a sua qualidade de vida dependentes da adopção de medidas preventivas e do tratamento da doença. A implementação de medidas com vista a melhorar a qualidade de vida é mediada, como já referimos, por variáveis de ordem cognitiva e psico-afectivas, nomeadamente as

crenças pessoais acerca da doença e as estratégias de confronto (coping) com a doença. A adopção de estratégias adequadas para lidar com a apneia do sono, passam pela adesão ao tratamento e por alterações do estilo de vida (perda de peso, exercício físico e abandono de bebidas alcoólicas). Assim, os pacientes que adoptam um modelo apropriado para lidar coma sua doença, acreditam na sua auto-eficácia, são capazes de seguir o tratamento e alterar o seu estilo de vida; acreditam ainda na eficiência das respostas, ou seja acreditam que a adesão ao tratamento e as alterações no estilo de vida, melhoram a sua qualidade de vida (Rogers, 1983 e Rosenstock, 1990). Desenvolvem também sentimentos de competência e mestria, ao adaptarem-se

à dependência da prótese nasal ventilatória (CPAP) e conseguem preservar um equilíbrio emocional razoável, compensando as emoções negativas desencadeadas pela doença, com emoções positivas (Moos, 1984).

Contudo alguns pacientes podem ter uma percepção incompleta do impacto da apneia na sua vida, afirmando terem uma vida "normal". Este facto pode, em grande parte ser explicado por ajustamentos e restrições que estes pacientes possam já ter incorporado nos seus estilos de vida, ou por uma dissimulação das suas restrições (negação das limitações), pretendendo desta forma "viver como as outras pessoas", adoptando desta forma um modelo inapropriado de evitamento ou negação (Leventhal e Nerenz, 1980), recusando assim o tratamento.

Janis (1984) citada por Ribeiro (1998) referiu um conjunto de factores psicossociais tais como: as características sociais (idade, sexo, educação, rendimentos auferidos), a personalidade (inteligência, ansiedade, controle interno, distúrbios psicológicos); outras características psicológicas (crenças sobre a eficácia da acção, conhecimento das recomendações e objectivos, conhecimentos gerais acerca das doenças e da saúde); exigências situacionais (sintomas, complexidade da acção, duração da acção e interferência com outras acções); contexto social (suporte social, isolamento social, estabilidade do grupo primário); interacção com o sistema de cuidados de saúde (factores de conveniência, continuidade dos cuidados, cuidados personalizados, satisfação geral e interacção suportativa). Para além destes factores existem outros relacionados com as características do tratamento, tais como: a exigência e responsabilidade do doente, (diário e de longa duração), assim como a sua complexidade (manipulação de uma máquina, colocação correcta da máscara) e os seus efeitos secundários (irritação da pela á volta do nariz, secura das mucosas da oro faringe, desconforto ocular, lacrimejo e flatulência etc.), que por si só, podem

redizer uma difícil adesão ao tratamento (Paiva, 1991). Um dos problemas com o tratamento dos doentes com apneia do sono, relaciona-se com a fase de manutenção, ou seja continuar a implementar o comportamento de melhoria da qualidade de vida, sem vigilância, incorporando-o no seu estilo de vida. O nível de adesão (número de vezes que o doente coloca a máscara e o número de horas de cada vez que a utiliza), na fase de manutenção, situa-se entre os 65-70% (Sanders, 1983; Nino-Murcia, 1989; Engleman, 1994, in Meslier, 1998) mas a adesão quando medida por temporizadores colocados sem o conhecimento do doente no interior da máquina, é muito menor (em cerca de 69-110min). (Reeves-Hoche, 1994).

A investigação sugere que o tratamento com CP AP é o tipo de tratamento mais eficaz do que o tratamento farmacológico (a teofilina), verificando-se uma melhoria e normalização das variáveis respiratórias, prolongamento da latência do sono e melhoria do bem estar matinal .Melhora ainda o sono objectivo e o sono subjectivo, o humor e as funções cognitivas (Meslier,1998; Engleman et ai.,1996).

Wright (1997), efectuou uma pesquisa bibliográfica na: Medline entre 1966 a 1966; Embase entre 1974 a 1996 e Cinhal de 1982 a 1995, da análise dos vários artigos sobre o impacto do tratamento com CP AP na qualidade de vida dos pacientes, o autor concluiu que os diferentes estudos apresentam todos resultados consistentes com melhoria significativa nos sintomas diurnos, bem estar subjectivo, estado de saúde em geral e qualidade de vida.

Depois de termos demonstrado que a apneia do sono é uma doença crónica, que pelas características da sua sintomatologia, tem um impacto negativo no estado de saúde e na percepção que os pacientes têm da sua qualidade de vida e verificado que o tratamento mais eficaz e o mais aceite pelos pacientes é a prótese nasal ventilatória,

vulgarmente conhecido por CP AP, apresentaremos de seguida, estudos sobre o impacto desta modalidade de tratamento, na qualidade de vida.