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3.Fisiologia do sono

NEUROLÓGICAS' E PSIQUIÁTRICAS A Assoc, a perturbações mentais

P. Assoc, com outras doenças médicas 1 Doença do sono (tripanosomíase)

4. A Apneia Obstrutiva do Sono

4.1. Definição do conceito

A definição imprecisa do síndrome da apneia obstrutiva do sono na Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono é demonstrativa da dificuldade que ainda persiste em delimitar as fronteiras da normalidade. Thorpy (1990), ao descrever o síndrome como caracterizado por "episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores que ocorrem durante o sono, usualmente associados à redução da saturação de oxigénio no sangue", não indica quais os critérios para definir os "eventos repetitivos", como por exemplo, o número de eventos/hora, assim como a percentagem a partir da qual se considera redução da saturação de oxigénio. A dificuldade de definir limites, reside no facto de poderem ocorrer entre 7 a 20 apneias por noite em indivíduos normais. Guilleminault e Dement (1978), consideraram que um síndrome de apneia é diagnosticado, se durante 7 horas de sono nocturno, forem observados pelo menos 30 episódios apneicos nas duas fases do sono NREM e REM.

Na prática clínica, considera-se o conjunto de apneias e hipopneias (redução em cerca pelo menos de 50% do fluxo respiratório), aceitando-se como normal até 10 eventos por hora de sono. Perante resultados anormais de apneias/hipopneias, considera-se também o grau de anormalidade, utilizando os seguintes critérios de gravidade (Thorpy,1992).

Apneia obstrutiva do sono ligeira 5 a 20 apneias/hipopneias por hora. Apneia obstrutiva do sono moderada 21-50 apneias/hipopneias por hora. Apneia obstrutiva do sono severa >50 apneias/hipopneias por hora.

Alguns autores consideram ligeiro a moderado o índice de apneia/hipopneia de 5 a 30/ hora e severo acima de 30/hora. A gravidade das apneias exige para além da simples contagem do número de apneias/hipopneias, a avaliação da repercussão

clínica das mesmas. A presença de hipertensão arterial, arritmias cardíacas e

sonolência diurna excessiva, levam a que se considere a apneia grave mesmo no caso de um índice de apneia/hipopneia de 20/hora (Martinez, 1999).

4.2. Epidemiologia

As diferenças de critérios para o diagnóstico da apneia obstrutiva do sono, assim como o mimetismo dos seus sintomas, com os de outras doenças, dificultam o seu diagnóstico, e podem explicar em parte as diferenças de prevalência desta doença, encontradas na literatura consultada. Diferentes autores (Lavie, 1983; Peter et ai.,1985; Telakivi et al.,1987; Gislason et ai.,1988; Cirignotta et ai., 1989 in Partinen, 1992) encontraram nos estudos que realizaram em trabalhadores industriais do sexo masculino, uma prevalência da apneia obstrutiva do sono entre os 0,2- 5,9%. Outros estudos epidemiológicos, permitem concluir que a prevalência da apneia obstrutiva do sono, é de 1-2%, na população em geral. Apesar de poder ocorrer em qualquer idade,

é mais frequente na meia-idade e em homem obesos. A prevalência é maior nos homens entre os 40-59 anos, cerca de 5%, sendo menos frequente nos jovens e nos idosos (Partinen,1992). Nos adultos, o ratio homem mulheres é de 9:1. Contudo, as mulheres após a menopausa aproximam-se mais dos homens.

O estudo epidemiológico mais citado, da autoria de Terry Young (1989), conclui que a doença ocorre em aproximadamente 4% dos homens e 2% das mulheres. Em Portugal não existem estudos epidemiológicos desta doença, contudo estima-se que cerca de meio milhão de portugueses do sexo masculino com mais de 40 anos, sofram de apneia do sono (Paiva e Vasconcelos, 199la).

Dados de investigações recentes, são consistentes com a associação entre a idade, sexo e a apneia obstrutiva do sono (Ware, Brayer e Scott, 2000).

4.3. Fisiopatologia

A apneia obstrutiva do sono é uma doença multifactorial de causas genéticas, anatómicas e funcionais. A traqueostomia, realizada em alguns doentes que sofriam de apneia, foi crucial para a compreensão da fisiopatologia desta doença. Após a traqueostomia os doentes tinham uma noite de sono "normal", confirmando-se assim, o papel da obstrução da faringe na sintomatologia da apneia do sono. Mais tarde, estudos utilizando fluoroscopia e fibra óptica, identificaram que a obstrução se situa principalmente ao nível da faringe.

Assim, os episódios de apneia são constituídos por uma sequência de eventos (figura 4). O início da apneia é desencadeado pelo relaxamento muscular que leva ao colapso da faringe durante a inspiração, interrompendo o fluxo aéreo. No decurso da apneia por 10 a 40 segundo o indivíduo, torna-se progressivamente asfixiado, e os esforços respiratórios tornam-se mais rápidos e intensos e a pressão arterial sobe. O

aumento da pressão arterial de C02 e a queda da pressão arterial de 02 causam o aumento do esforço respiratório, este aumento é transmitido ao sistema nervoso central, desencadendo o despertar. O despertar provoca a activação dos músculos da via aérea superior e a abertura da faringe. Na maioria dos casos, o despertar passa despercebido, dado que dura apenas segundos e porque ocorre somente a superficialização do sono. As estruturas activadas são subcorticais, por isso, a pessoa não se apercebe ou permanece inconsciente durante o breve despertar. A activação da formação reticular é acompanhada de um aumento do tónus muscular da faringe com consequente restauração da sua permeabilidade. Alguns segundos de hiperventilação permitem a normalização dos gases arteriais e tudo retorna ao normal. O sono volta a iniciar-se e este ciclo repete-se várias vezes durante o sono.

Os principais mecanismos patogénicos que contribuem para esta sequência envolvem factores anatómicos e funcionais. A importância relativa de cada um destes factores no desencadear das apneias varia de indivíduo para indivíduo.

Início do sono

Retorno do fluxo aéreo

Auvaçâõ dos músculos faríngeos Relaxamento faríngeo Apneia Despertar Asfixia Aumento do esforço ventilalóno

1

AtivaçSo da formação reticular Estímulo de químioe m ecan «receptores AtivaçSo da formação reticular Estímulo de químioe m ecan «receptores

Figura 4- Sequência de eventos dos episódios apneicos. (Adaptado de Martinez, 1999)

No que se refere aos Factores Anatómicos, as anomalias anatómicas parecem ter um contributo, pouco preponderante, na patogénese das apneias. Apenas uma minoria dos pacientes com apneia obstrutiva do sono tem anomalias anatómicas óbvias das vias aéreas superiores, como por exemplo micrognatia e retrognatia, hipertrofia de amígdalas e adenóides, acromegalia dismorfias faciais, anomalias do palato mole e deformidades do palato duro e desvio de septo nasal entre outras menos frequentes. A maioria dos pacientes é obeso e a infiltração de gordura nas paredes da orofaringe e a compressão externa das paredes da faringe por um pescoço obeso, podem contribuir para a oclusão das vias aéreas superiores. A obesidade e um pescoço curto, são os factores anatómicos mais preponderantes na patogénese das apneias .

Relativamente aos Factores Funcionais, ã apneia obstrutiva do sono, ocorre apenas durante o sono, sendo por isso óbvia a importância do papel do Sistema Nervoso Central na patogénese desta doença. Durante muito tempo as apneias foram atribuídas somente a factores anatómicos, mas alguns estudos evidenciaram que alterações do controle do sistema metabólico respiratório estão envolvidas na iniciação da apneia, na maioria dos pacientes, e que a instabilidade na regulação da respiração durante o sono, desempenha também um papel fundamental (Sullivan,

1981; Chokroverty, 1984). A redução fisiológica da actividade dos músculos das vias aéreas superiores é particularmente marcada durante o sono REM, o que contribui para a tendência do surgimento de maior número e mais severos episódios de apneia. Qualquer agente ou condição que exagere a redução do tónus muscular das vias aéreas superiores durante o sono pode provocar ou agravar a tendência para o colapso das vias aéreas superiores. Por exemplo o álcool e os sedativos têm um efeito

potencializador da redução fisiológica do tónus muscular durante o sono, agravando a apneia obstrutiva do sono.

Os sucessivos microdespertrares provocam a fragmentação do sono, com uma redução marcada do sono NREM e alguma redução do sono REM. A resposta arousal tem então uma dupla função: terminar os episódios de apneia e a exposição á asfixia, mas também uma interferência na qualidade do sono. A fragmentação do sono, provocada pelos microdespertares, a privação crónica das ondas lentas e do sono REM, tem um papel fundamental nos diferentes sintomas clínicos da apneia obstrutiva do sono, impedindo que o sono progrida para as fases profundas (fase 2, 3, 4 e fase REM), dando origem a um sono não reparador, (Bradley e Phillipson, 1985).

4.4. Sintomatologia

Os eventos nocturnos que caracterizam a apneia obstrutiva do sono conduzem a uma série de respostas fisiológicas secundárias que se traduzem em sintomas clínicos e complicações. Essas respostas fisiológicas e as suas consequentes manifestações clínicas podem ser divididas em dois grupos: um grupo

predominantemente cardiovascular e hemodinâmico, resultante dos episódios

recorrentes de asfixia; e um segundo grupo predominantemente neuropsiquiátrico, resultante dos microdespertares e da redução do sono de ondas lentas (Bradley e Phillipson, 1985).

As Complicações Cardiovascular surgem como consequência dos episódios

recorrentes de asfixia nocturna, os quais provocam um conjunto de respostas fisiológicas, incluindo a activação vagal, com diminuição marcada da frequência cardíaca e da actividade eléctrica cardíaca ectópica, contribuindo para o desencadeamento de arritmias cardíacas nocturnas que podem ser fatais. A

vasoconstrição sistémica provoca hipertensão sistémica e pulmonar e possível estimulação eritropoiética (policitemia), aumentando assim a viscosidade de sangue, podendo precipitar episódios de isquemia ou enfarte do miocárdio.

As Complicações Comportamentais e Neuropsiquiátricas são decorrentes

dos sucessivos microdespertares, responsáveis pela fragmentação do sono, redução e/ou ausência de ondas lentas e do sono REM, assim como excessiva actividade motora, incluindo agitação dos membros superiores e contracções mioclonias dos músculos das pernas e ainda alterações da posição do corpo. A fragmentação do sono, a excessiva agitação motora e a hipoxia são responsáveis por uma grande variedade de sintomas, entre os quais se destacam: a sonolência diurna excessiva, a fadiga, as cefaleias, perturbações da concentração e da memória, irritabilidade, agressividade, ansiedade e depressão e ainda alteração da libido e impotência.

Este conjunto de sintomas, podem ser diferenciados em sintomas nocturnos e sintomas diurnos:

Os sintomas nocturnos, incluem:

a) Ressonar - Ruído intenso, causado pela passagem do ar através das vias aéreas respiratórias e que é interrompido por silêncios (episódios apneicos), seguido de uma explosão final ruidosa que pode ultrapassar os 60 decibéis. (Roth et ai,1998; Tambo et ai., 1994 in Sierra e Moreno, 1999).

b) Actividade motora anormal - Movimentos corporais e uma intensa actividade motora são muito frequentes depois de um episódio apneico prolongado. É frequente, estes doentes caírem da cama e/ou "baterem" involuntariamente nos seus parceiros durante o sono. Cerca de 87% dos doentes apresentam intensa agitação motora (Paiva et ai., 1991).

b) Fragmentação do sono - Ocorre como consequência dos sucessivos despertares (arousals) durante o sono, os quais provocam interrupções dos ciclos de sono e consequentemente um sono não reparador.

c) Episódios de asfixia - Ocorrem como resultado da apneia, e os doentes acordam com a sensação de morte iminente por asfixia.

d) Refluxo gastroesófagico - A obstrução das vias aéreas superiores, com a persistência do esforço respiratório, está associada a alterações significativas da pressão gástrica e esofágica, por aumento da pressão intra-abdominal, provocando o refluxo gastroesófagico e a sensação de acidez.

e) Nictúria e eneurese - Alguns doentes queixam-se de frequentes micções nocturnas, como resultado provável de excessiva contracção vesicular, provocada, também pelo aumento da pressão intra-abdominal, resultante da persistência do esforço respiratório. Outros doentes referem ainda a micção involuntária, resultante do descontrolo do esfíncter urinário.

f) Sudorese - A sudação nocturna é referida, com menos frequência. Contudo alguns autores (Gould Et ai., 1990 in Sierra e Moreno, 1999), referem que cerca de 60% dos doentes apresentam este sintoma, como consequência provável das constantes mudanças de posição durante o sono.

Os sintomas diurnos, incluem:

a) Sonolência diurna excessiva - A fragmentação do sono nocturno, provoca nos doentes uma sonolência excessiva, sendo um dos sintomas dominantes na quase totalidade dos doentes com apneia, existindo em 100% dos 42 casos estudados por Paiva e colaboradores (1991). Regra geral a sonolência provoca diminuição do

rendimento profissional, dificuldade na realização de tarefas da vida diária, bem como acidentes de trabalho e de viação, entre outros.

b) Alterações da personalidade - A agressividade, irritabilidade, ansiedade e depressão, são sintomas frequentemente observados. Estas alterações têm como causa principal a fragmentação do sono e a sonolência diurna excessiva (Cassei,

1993).

c) Disfunções sexuais - A perda da libido e a dificuldade de erecção, é referida por cerca de 20% dos doentes (Gould, 1990). Nos síndromes de apneias do sono graves, foram encontrados níveis baixos de testosterona, o que pode explicar em parte as disfunções sexuais nestes doentes (Martinez, 1999).

d) Cefaleias - As dores de cabeça matinais e que persistem algumas horas após o despertar, são regra geral, de localização frontal. Cerca de 58,1% dos doentes apresentam este sintoma. (Paiva, 199la).

e) Fadiga e boca seca - A fadiga ocorre em consequência de um sono não reparador e a boca seca é consequência de dormir com a boca aberta.

f) Perda de audição - Por vezes, embora raramente, se verifica diminuição da acuidade auditiva, como consequência do ressonar.

g) Alterações neuropsicológicas - A fragmentação do sono e a hipoxia provocam lesões neuropsicológicas (deterioração da memória, dificuldade de concentração etc.), em função da gravidade e cronicidade as apneias (Hudgel,1992).