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O estudo realizado por Paula e Mesquita (2008) acerca da trajetória da economia do Maranhão, entre os anos de 1970 e 2008, revelou alterações consideráveis. Nesta análise, a taxa de variação do Produto Interno Bruto (PIB)50, em termos quinquenais, foi maior no

período 1975/80 e a pior entre 1990/95. Essa apreciação revelou que no primeiro período, o estado do Maranhão vivia a época dos incentivos fiscais e da grande expansão da pecuária. Esses incentivos eram localizados beneficiando apenas algumas poucas atividades, resultando daí desdobramentos diferenciados qualitativamente no que se refere à questão social do Estado. No segundo período (1990/95) vivem-se as consequências da crise da dívida externa, o início da economia política neoliberal, que traz o distanciamento do setor público como indutor dos investimentos na economia, além de uma época de estouro inflacionário e início da “guerra fiscal” entre os estados. Nas palavras dos autores:

o desempenho da economia maranhense nos últimos 20 anos foi de 4,5% ao ano, superior a média do Nordeste 3,9% ao ano. Todavia, é no curso da década de 1990 que ela [economia] é mais significativa, isto é, 3% ao ano. O que explica essa trajetória numa época “perdida” da economia nacional? A nosso ver esse crescimento é impulsionado não só pela pecuária, já tradicional, mas também pela soja, eucalipto e carvão vegetal, além dos investimentos maturados do II PND referentes à extração mineral da região de Carajás, que vão constituir em principais produtos de exportação do país ao longo da década de 1990. (PAULA; MESQUITA, 2008, p. 12).

Esses instrumentos de crédito e incentivos fiscais estabelecidos pela política macroeconômica nacional para o âmbito regional foi a ferramenta fundamental de investimento que promoveu a expansão capitalista no Maranhão de algumas poucas atividades. Os resultados se limitaram a época dos incentivos fiscais e do crédito subsidiado, a

50 O PIB refere-se à soma de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região durante um período determinado.

98 partir daí (crise dos anos de 1980) coube as forças de mercado dar a dinâmica desta expansão e modernização que se manifestou no agronegócio da soja e do eucalipto.

A implantação de grandes projetos como é o caso dos projetos de expansão das siderurgias, do aumento da exportação da soja no mercado externo, da criação extensiva de gado, são projetos que entram em conflito direto com a sobrevivência das florestas, recurso de fundamental importância para a sobrevivência dos agricultores de base familiar. Embora o Estado, por meio das deliberações do Consenso de Washington, não intervém de modo tão direto na economia, como anteriormente demonstrado, continua a atuar de maneira indireta. Um exemplo disso são os incentivos oficiais da soja que são financiados pelo BNDES, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Embrapa, Sudam e Sudene, que são na verdade, segundo Baccarin (2005), um novo tipo de regulamentação.

Dentro deste contexto é possível compreender que a transformação econômica no sentido de crescimento será decorrente do nível de expansão das atividades que o capital estará disposto a fazer, segundo as expectativas de lucros a serem obtidas. No caso do Maranhão o avanço do capital se deu por meio da agricultura capitalista voltada à exportação com a cadeia de grãos e de carne. Nas palavras de Paula e Mesquita (2008):

A incorporação de insumos modernos no setor agropecuário do Maranhão como um todo, ocorreu, [...] de forma pontual e seletiva, e se articula com as grandes empresas e latifúndios subsidiados pelo Estado no período áureo da política de incentivos fiscais. (PAULA; MESQUITA, 2008, p. 10).

A crise do Estado intervencionista na década de 1980 e a promoção política e econômica do discurso neoliberal que daí surge modificam toda a dinâmica econômica da região amazônica, principalmente em relação à oferta de alimento. Em virtude da crescente demanda por commodities agrícolas e minerais que se estabelece nestes últimos dez anos (1996/2006), a Amazônia se tornou a maior fornecedora de matérias-primas. Esses produtos são grãos, carnes e minérios. O resultado é que a região tem crescido em termos de PIB e renda per capita a uma taxa maior que a do Nordeste e do Brasil. Entretanto, essa riqueza tem sido apropriada pela minoria da população, poucos são os beneficiados, dentre eles os empresários das atividades do agronegócio e do complexo mineral de Barcarena (PA) e São Luis (MA) (PAULA, MESQUITA, 2008; MESQUITA, 2009; SÁ SILVA, MESQUITA, 2009).

Segundo notícia recente do Governo do Estado do Maranhão, “o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, em 2007, alcançou R$ 31,606 bilhões a preço de mercado corrente.

99 Ao longo de 2002-2007, o Estado apresentou o maior crescimento do PIB, entre os estados da região Nordeste”. Os números foram divulgados, pela Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento (Seplan). Apesar deste cenário recente de crescimento nos últimos anos, é importante destacar que a economia maranhense tem como pilar de sustentação apenas três

commodities, a soja, os minérios de ferro e o alumínio. É o que confirma a notícia abaixo: As atividades econômicas com expressivas contribuições na economia do Estado, considerando o ano 2007, continuam ligadas às áreas produtivas minero-metalúrgicas e dos agronegócios, principalmente, a produção de ferro-gusa, alumina calcinada, alumínio não ligado, liga de alumínio e soja, contribuindo para o crescimento das exportações maranhenses. No total, essas exportações atingiram, em 2007, 10.657.990 toneladas, no valor de US$ 2.177.155 milhões de dólares, 21,3% maior que o ano anterior. (IMIRANTE, 2009, p.1).

Embora nos últimos anos o valor do PIB do Estado tenha aumentado e o número de exportações elevado, pode-se afirmar que as promessas de desenvolvimento por meio da modernização introduzida pelo grande capital no campo e apregoada pelas classes dominantes, não se cumpriram. Além disso, o Estado não conseguiu conter a pobreza do Maranhão ou melhorar as condições de vida da maioria da população, principalmente a rural que, vítima da expropriação da terra, torna-se migrante. É um modelo socioeconômico de desenvolvimento insustentável.

O aumento da situação de pobreza, da concentração de renda e fundiária na região amazônica é reflexo direto da política de desenvolvimento regional executada ao longo das décadas de 1970/1980. Recentemente, esse quadro foi agravado pela política neoliberal que privilegiou o agronegócio da soja, da cana-de-açúcar, de eucalipto, da pecuária extensiva e da produção de carvão vegetal, em prejuízo das atividades de base familiar, tradicionais produtoras de alimento e extrativistas. Isso significa que:

o excelente desempenho econômico da economia, expresso por elevadas taxas de crescimento do PIB 3,2% (1991/2000), tem como determinantes o significativo crescimento das exportações de setores e atividades articulados a essa dinâmica externa da soja, carne, alumínio e ferro. Neste período recente, ela criou uma demanda estupenda e de difícil atendimento, em função da inelasticidade da oferta de alguns destes produtos, resultando daí esse enorme crescimento da área com soja e pecuária que se constata nestes dez últimos anos na Amazônia. Num primeiro momento o resultado foi um aumento de preço e, portanto um incentivo ao aumento da oferta futura de tais produtos, a questão é o formato que a expansão de tais atividades assume e os desdobramentos econômicos, sociais e ambientais daí decorrentes. (MESQUITA, 2009, p. 3).

100 Atualmente o papel que o agronegócio assume para a economia brasileira está estritamente ligado ao processo de devastação da Amazônia e, consequentemente à expulsão dos agricultores familiares da área. O processo de desmatamento pode ser decomposto em duas partes, ou seja, até 1990 ele estava ligado à agricultura itinerante, à pecuária, a grandes proprietários de terras e a grandes estabelecimentos. Após 1990, o desmatamento se pronuncia por meio da expansão da soja, do carvão vegetal, da pecuária e ao ciclo de

commodities.

No Maranhão, além da pecuária e soja, que faz parte do processo histórico de modernização51 da região na década de 1970, como forma de privilegiar a integração do cerrado pela soja e milho e a integração da Amazônia pela pecuária, há outras atividades que devem ser levadas em conta no que se refere tanto à degradação ambiental, quanto à expulsão de pequenos agricultores. Essas atividades são a expansão da cultura da soja, do carvão vegetal e de monoculturas como o eucalipto que abastecem as siderúrgicas, tanto como matéria-prima no próprio processo de produção do ferro-gusa, como carvão para o aquecimento dos fornos.

Atualmente, o agronegócio na Amazônia, voltado à exportação de grãos e carnes, quando comparado a outras culturas como arroz, feijão, mandioca, culturas típicas da produção da agricultura familiar, assume um papel bastante relevante com relação ao saldo geral quando equiparado à produção dos pequenos agricultores neste contexto de liberalização da economia. Nas palavras de Mesquita (2009):

Os dados da balança comercial do país dos últimos 15 anos (1990/2005) [...] evoluíram consideravelmente, saíram de um modesto patamar de 16 bilhões de dólares para 45 bilhões, ou seja, uma variação de 181%, isto significa um crescimento anual de 7,1%. Com exceção da segunda metade dos anos noventa quando a mesma foi deficitária, nos demais anos foi superavitária. Esse crescimento está associado ao bom desempenho das exportações em geral que saiu de 34 para 118 bilhões, tendo como destaque o segmento do agronegócio já que ele representa cerca de 37% desta performance (em 2005). E de outro lado, o encolhimento das importações, especialmente do agronegócio que em igual período caiu de 15% para 7% (em termos absolutos saltou de três bilhões para cinco bilhões de dólares). (MESQUITA, 2009, p. 11).

51 É importante ressaltar que esse processo de modernização está atrelado á questão da inserção da região Amazônica ao avanço do capitalismo no país. Além de grandes projetos de infraestrutura, a modernização tinha como meta, talvez a principal, “desenvolver” as relações denominadas “arcaicas”, ou seja, relações de subsistência, cujo mercado é apenas utilizado para comercializar o excedente dos produtos produzidos e meio de se obter aquilo que não pode ser fabricado pelas comunidades tradicionais.

101 No período pós década de 1990, tem-se também o problema do desmatamento. Ele é resultado do ciclo de commodities agrícolas e não agrícolas, além da expansão da pecuária e soja, articulada com fatores anteriores do modelo agrícola que foi implementado com a Revolução Verde, que impera, desde a década de 1970, assentada na agricultura e pecuária extensiva.

Conforme Mesquita (2009), a taxa de desmatamento anual na Amazônia legal teve aumentos significativos. Em 1990 o desmatamento que era de 1.373.000 hectares sobe para 1.822.600 hectares conservando essa margem em 2005 (1.884.600 ha). A área desmatada num espaço entre 1988/98 cresceu 46%, saltando de 37,8 milhões de hectares para 55,2 milhões.

Esse processo de desmatamento não é algo novo na Amazônia, ele é resultado de um conjunto de ações de uma política regional baseada em incentivos fiscais e grandes empreendimentos capitalistas que atuam na região desde a década de 1970 e 1980. Após essa etapa o Estado e a iniciativa privada partem para ações de implantação de grandes investimentos de infraestrutura. Tem-se uma conjugação de forças dos novos atores com os antigos em um processo com graves consequências não só à natureza, mas a população que precisa da floresta para a sobrevivência. Atualmente na Amazônia, o agronegócio, voltado para a exportação com a cadeia de grãos e de carne, tem um crescimento considerável quando comparado a outras culturas do mercado interno como arroz, mandioca e feijão. O sucesso da soja e da pecuária tem origem no passado recente da política de modernização nos anos 1970 que privilegiou a ocupação do cerrado pela soja (milho) e a integração da Amazônia pela pecuária bovina extensiva.

Segundo Mesquita (2009):

Um conjunto de fatores de ordem interna, externa, conjuntural e estrutural está por trás deste crescimento do agronegócio brasileiro e da inserção da Amazônia neste circuito capitalista. O crescimento da renda per capita nas economias emergentes, os incentivos governamentais para os exportadores, as linhas de créditos dos bancos estatais, o custo relativamente barato da terra e as expectativas de lucros futuros se encontram sem dúvida como fatores desta dinâmica recente do agronegócio na Amazônia. Aliado a isso se verifica também uma mudança nos hábitos de consumos que incorpora carnes, leite e cereais antes rejeitados. Por exemplo, nos últimos 20 anos, o consumo médio de carne dos chineses saltou de 20 para 50 quilos ao ano. Alterações semelhantes estão em curso na Índia e no sul e sudeste da Ásia. Isso altera consideravelmente a demanda por grãos, porque são necessários três quilos de cereais (milho/arroz principalmente) para produzir um quilo de carne de porco e oito quilos, para um de carne de bovinos. (MESQUITA, 2008, p. 13).

102 A privatização da terra retira do produtor seu principal meio de produção. A tragédia dos recursos não comuns, nas palavras de May (1990), acontece quando os recursos são privatizados de modo que os benefícios obtidos por meio do manejo comum são eliminados e os produtores expulsos não são compensados pela perda por não haver uma norma que os assegure.

Um bom exemplo do cercamento dos pastos comuns pode ser dado pelo que ocorreu na Inglaterra entre os séculos XVII e XIX. O que ocasionou esse fato foi o lucro sempre em escala crescente dos senhores feudais ingleses para a produção de lã, com o início do desenvolvimento da indústria têxtil. Ao cercar os pastos, eles se apropriavam da lã, de extensas áreas de terras necessárias para o desenvolvimento da criação e também da mão de obra necessária à indústria, uma vez que expulsos do campo os pequenos produtores eram obrigados a vender sua força de trabalho para garantir a sobrevivência. O cercamento dos pastos teve como resultado um grande empobrecimento das populações rurais, obrigando muitos a migrarem para as cidades, formando o que Marx denominou de “exército industrial de reserva”. A pressão desse exército puxou os salários para baixo estimulando a revolução industrial.

Cercamentos semelhantes estão ocorrendo atualmente em muitos países em desenvolvimento, nos quais recursos de acesso comum estão sendo rapidamente privatizados. No caso do Brasil, mais especificamente o estado do Maranhão, nossa região de interesse, à medida que as terras privatizadas tornaram-se mais rentáveis que seu uso comum, as grandes corporações foram beneficiadas por subsídios estatais. Estes subsídios são por meio da venda direta da terra ou de gigantescas obras de infraestrutura voltadas para o escoamento da matéria-prima retirada das matas para a exportação.

Esses projetos empresariais realizados por grandes corporações resultam na expulsão da agricultura familiar. Isso contribui para a constituição de uma massa de expropriados, que acabam como verdadeiros potenciais de um mercado de trabalho, guardando semelhanças com o processo de acumulação primitiva descrito por Marx no século XVIII, em que os camponeses eram obrigados a deixarem suas terras por meio do processo de expropriação. Essa expropriação guarda semelhanças com a vivenciada pelos pequenos produtores familiares maranhenses, que passam atualmente por um processo de expulsão que culminou com a tomada das terras e destruição de parte da agricultura familiar.

Na Inglaterra, contexto analisado por Marx, o processo de transformação do camponês em operário levou séculos para se consolidar, “o sistema clássico inglês relativo à

103 modernização da agricultura foi caracterizado pelo domínio da grande propriedade e pela expropriação das terras comuns [...] por meio da violência” (MORAES SILVA, 1999, p. 28).

Esse processo, defendido atualmente por alguns autores (ALVES, 2007; MORAES SILVA, 1999; 2008), decorre do processo de transição para o capitalismo, em que toda formação social passa por várias transformações seja de ordem legal, institucional e estrutural, essas mudanças, quase sempre, são acompanhadas da destruição de formas de vida anteriormente viáveis. Geralmente é um rompimento em direção ao desenvolvimento capitalista com o apoio do poder do Estado.

O processo de acumulação primitiva apresentado em Marx abrangeu graves e violentos conflitos. O nascimento do capital nada teve de tranquilo e foi inscrito na história “em letras de sangue e fogo”. Em sua obra O Capital, o autor apresenta uma minuciosa descrição de como se deram as lutas na Inglaterra do século XVII quando a propriedade privada entrou em choque com movimentos populares que combatiam o capitalismo e todo processo de privatização. Na nossa época, o processo de acumulação primitiva também tem levado a vários movimentos de resistência e também a lutas políticas e sociais. Para Harvey (2005), “a ênfase no âmbito desses movimentos no tema da ‘restituição dos bens comuns’ indica, contudo, profundas continuidades com batalhas de muito tempo atrás (HARVEY, 2005, p. 134).

A tragédia desse processo que ainda pode ser chamado de acumulação primitiva é aliciar de modo bastante rápido, muitas vezes violento e à força, um grande contingente de pessoas para o proletariado, podendo com muita facilidade descartá-las como mão de obra não mais necessária. Tornar-se vendedor da força de trabalho significa estar ausente dos meios de produção disponíveis para a sobrevivência, no caso a terra.

A expansão do agronegócio para novas áreas, especificamente a Amazônia Legal, faz com que os pequenos produtores percam diretamente suas terras, sendo privados das condições de reprodução porque perdem o intercâmbio entre a pequena produção familiar e áreas de matas. Isso porque, as áreas de matas nativas são essenciais à reprodução da pequena propriedade, já que esta os abastece com frutos, caças, ervas medicinais e lenha (MORAES SILVA, 2000). Sem terra, os produtores familiares têm na migração sazonal a única alternativa de sobrevivência. De acordo com Alves (2008):

A expulsão, provocada pelo agronegócio é o primeiro elemento para a emigração, o segundo elemento é a decisão para onde migrar. Esta é decidida pela análise sobre onde poderá se dar a venda da força de trabalho.

104 Uma outra decisão será de como se dará essa decisão, isto é, se esta se dará de forma permanente ou de forma pendular. Esta decisão dependerá das condições da demanda de sua força de trabalho nas regiões de destino. No caso da cana, como a demanda por força de trabalho é sazonal; mais concentrada na safra, isto leva a que a maior parte dos migrantes optem pela migração sazonal, na qual, predominantemente os homens jovens migram. (ALVES, 2008, p. 11).

A partir daí, ou seja, a partir da expulsão, da expropriação, o efeito atração exerce um significado importante. Homens e mulheres tornam-se migrantes forçados, ao estarem destituídos dos meios de produção, e migram em busca da oferta de salário e emprego. O processo de atração atualmente está sendo verificado pela migração de um enorme contingente de maranhenses para o interior do estado de São Paulo.