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O Brasil nunca foi um país contrário à entrada de estrangeiros. As legislações restritivas à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros sempre tiveram por finalidade a defesa da integridade do território nacional, a soberania, a proteção econômico-social do acesso à terra.

Conforme Gonçalves (2007), a legislação agrária brasileira impôs diversas restrições à obtenção de imóveis rurais, bem como o adensamento de áreas rurais reservadas, tendo em vista prevenir o aumento da área por estrangeiros em território nacional que fuja ao controle do poder público. Entretanto, conforme o autor, existem diversas situações em que a constitucionalidade ou não, de uma norma, ato jurídico ou administrativo é posta em dúvida. Tais questionamentos se não forem cuidadosamente analisados podem tanto pela sociedade quanto por órgãos competentes gerar reflexos negativos, na sociedade, na economia, na soberania e na segurança nacional.

É o que acontece com o § 1º, do art. 1º, da Lei n.º 5.709/71, em face do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) GQ - 181, devidamente aprovado pelo Presidente da República, que, em síntese, dispõe ser

16A Cargill é uma multinacional que tem sua sede em Mineápolis (MN), nos Estados Unidos e atua em 68

países, cinco continentes, em que se distribuem seus 159 mil funcionários. Ela produz e comercializa internacionalmente produtos e serviços alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais (CARGILL, 2010).

36 inconstitucional esse dispositivo legal. A alegada desconstitucionalização do conceito de empresa brasileira, bem como a inconstitucionalidade do dispositivo legal supracitado, feitos pela Advocacia Geral da União, por intermédio do Parecer AGU GQ – 181, não nos parece ter guarida, face à interpretação sistemática que deve ter o direito. (GONÇALVES, 2007, p.18).

A Lei n.º 5.709/71 aborda a obtenção de imóvel rural por estrangeiros, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, e seu § 1º, do art. 1º, cuida especialmente da questão da equiparação da pessoa jurídica estrangeira à pessoa jurídica brasileira, cujo capital majoritário seja estrangeiro. Com a referida inconstitucionalidade alegada pela Advocacia Geral da União (AGU), essas pessoas jurídicas não estão mais sob a proteção desse documento legal, estando, porém, livres de qualquer controle estatal em relação às aquisições de terras efetuadas a partir da publicação do parecer da AGU GC-181. Entretanto, Gonçalves (2007), afirma que a Lei n.º 5.709/71, por ser norma de ordem pública e de direito público, tutela os interesses públicos.

A Constituição Federal não pode ser interpretada de forma isolada como se fosse um mandamento único e não interligado com outros mandamentos da ordem constitucional. Ao se analisar a constitucionalidade do § 1º, do art. 1º, da Lei n.º 5.709/71, Gonçalves (2007) conclui que não há conflito com a Magna Carta, ou seja, em se tratando de questões referentes ao imóvel rural, verifica-se que há um conjunto de regras constitucionais que permitem vasta intervenção do Poder Público e que recepcionam, “ipsis litteris” o § 1º, do art. 1º, da Lei n.º 5.709/71. Portanto, a pessoa jurídica brasileira que possuir capital estrangeiro majoritário em sua constituição terá, sim, que se adequar àquilo que o ordenamento constitucional impuser. Assim, a AGU17 não é órgão competente para declarar a constitucionalidade ou não de qualquer diploma legal, sendo, por consequência, o parecer inconstitucional (GONÇALVES, 2007).

A partir dessa interpretação, percebe-se uma alteração que é inconstitucional já que não é a AGU adequada para declarar constitucionalidade ou não, o que parece trâmites para desqualificar a ação do Estado neste processo de intervenção, facilitando, ademais, a compra de terras nos termos mencionados.

No Brasil, a terra possui novos donos. Eles são os investidores estrangeiros que se expandiram pelo campo com a autorização do governo brasileiro, justificado pelo discurso de que a estrangeirização da terra implica mais geração de riqueza. Esta riqueza, conforme Echevenguá (2008) viria do aumento da competitividade do agronegócio e, ainda, valorizaria

17 A AGU é o órgão de defesa dos interesses da União cujos órgãos da administração pública federal ficam vinculados aos seus pareceres incluindo o órgão responsável pelo controle das aquisições de imóveis rurais por estrangeiros, o Incra.

37 a terra em novas fronteiras agrícolas, como o sudoeste baiano e a chamada região do Mapito, que reúne parte do Maranhão, Piauí e Tocantins.

Em setembro de 2008, a revista Exame publicou uma reportagem denunciando que após seis meses de negociação, proprietários do município baiano de Jaborandi se desfizeram de suas seis fazendas, que somavam 15.000 hectares de terras, pelo valor de 40 milhões de dólares. De acordo com a revista, isso seria o equivalente ao dobro da área da Grande São Paulo. Os compradores foram dois grupos de investidores com participação majoritária de capital externo. Um deles é a Calyx Agro Brasil, sociedade formada pelo grupo francês do ramo de commodities agrícolas Louis Dreyfus e pela seguradora americana AIG. A Calyx comprou cerca de 11.000 hectares no sudoeste baiano por 28 milhões de dólares. Sollus Capital, o segundo grupo comprador, adquiriu 4.000 hectares por doze milhões de dólares. Ainda segundo a reportagem, a terra se situa perto da divisa da Bahia com Goiás, na parte úmida e plana de uma chapada, sendo própria para o cultivo de grãos, dispensando assim, irrigação artificial.

Esses grandes grupos podem ainda captar financiamentos a juros mais baixos. Há várias décadas, o país se submete à sangria financeira causada pelo perverso mecanismo da dívida externa, que permite a exportação de capital em detrimento da garantia de direitos básicos para a população. Atualmente, a produção extensiva de agrocombustíveis, como será visto adiante, coloca em risco a própria soberania nacional, na medida em que grandes empresas estrangeiras têm adquirido usinas e terras no Brasil, entre elas a Bunge, a Noble Group, a ADM e a Dreyfus, além de megaempresários como George Soros e Bill Gates (MENDONÇA; MELO, 2008).

É importante lembrar que a questão agrária atual, como nos lembra Delgado (2001), está mais preocupada em sanar os saldos da balança de pagamentos que realizar uma política de reforma agrária contemplada pelos movimentos sociais e abandonada no governo militar de 64, mesmo com o Estatuto da Terra e a Constituição de 1988. Assim, a facilidade de venda de terra a estrangeiros, com pouca ou nenhuma fiscalização, regulamentada de forma inconstitucional, bem como as políticas de privatização adotadas pelos governos neoliberais como processo de inserção do país no novo molde capitalista mundial, ganhou força no governo FHC, como dito anteriormente. Como a reforma administrativa era uma de suas principais metas, seu então ministro, Bresser Pereira, tentou promover uma significativa mudança no papel do Estado brasileiro, dentre elas, o ajuste fiscal e o processo de

38 privatizações. E é este processo que será visto com mais detalhes no item a seguir, notadamente o da Companhia Vale do Rio Doce.

2.5 A privatização da Companhia Vale do Rio Doce e a expansão das