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A segunda característica do pragmatismo é seu olhar para o futuro, a necessidade de avaliar as conseqüências das teorias ou dos comportamentos para decidir acerca de uma corrente filosófica ou outra. O pragmatista foca sua preocupação, portanto, para frente, para o futuro e dá valor apenas relativo ao passado. As “primeiras coisas” (conceitos a priori e teorias metafísicas) ou tentativas de explicar o mundo são sumariamente descartadas, fazendo com que se voltem os olhos para o exame dos resultados e das conseqüências. Disso resulta uma conclusão importante: conceitos típicos da herança kantiana deixam de fazer parte de um mundo paralelo e passam a ter significado somente como componentes de uma realidade que ainda está em formação. Em outras palavras, conceitos como o de “verdade” ou de “justiça” passam a ser prospectivos e práticos e apenas fazem sentido aliados à noção de utilidade e eficiência. Ao alterar o ângulo de análise e estudar o fenômeno a partir do seu futuro, o pragmatismo reduz a relevância das construções teóricas e enaltece a experiência da qual partirá o exame do futuro e das conseqüências de aplicação de um posicionamento. O que era transcendente passa a ser

105 DEWEY (1998:111) no texto “Philosophy’s search for the immutable”

de 1929. “Uma filosofia que quer abandonar seu suposto objetivo de saber uma realidade última, mas se devotar a uma mais próxima tarefa humana deverá ser e mais auxílio emu ma tarefa como essa.”

106 Apesar de sua postura anti-fundacional, há autores que enxergam em

DEWEY uma vontade pela metafísica ou tentar estabelecer os parâmetros de uma metafilosofia. WEST (1989:96). RORTY, apesar de ser seu fiel seguidor, acusou seu mestre de querer escrever um sistema metafísico ao falar da crítica à cultura. RORTY (1982c:132).

meramente funcional. O que era teórico e a priori passa a somente ter algum significado a partir da avaliação contingente do efeito futuro que gerará. Trata-se de algo que causa irritação para os profissionais que vivem da sofisticação do raciocínio especulativo (tal como o jurista teórico), mas algo normal ou até trivial para quem edifica sua atividade profissional com base nos resultados que obterá (tal como ocorre com o advogado prático). No pragmatismo, o conhecimento se produz por meio de um raciocínio de antecipação de conseqüências, que se dá a partir dos dados e informações retirados da experiência e da história e não de algum sistema abstrato e transcendental e, que, muitas vezes, questiona a história e fecha os olhos para o que aconteceu.

Isso não quer dizer, obviamente, que o pragmatista tenha algo contra o passado ou, aplicado ao campo do Direito, que haja algum tipo de incompatibilidade entre o pragmatismo e a cultura da tradição e do respeito ao precedente, na linha da crítica açodada feita por RONALD DWORKIN107. O ponto já foi exaustivamente tratado por RICHARD POSNER ao fixar que, certamente, “uma decisão que

desestabiliza o direito ao se afastar abruptamente de precedentes pode ter resultados ruins.”108 Em sua análise de conseqüências, o pragmatista sempre irá valorar os resultados e optar pela estabilidade e continuidade do Direito ou pelo acolhimento de novas demandas quando

107 DWORKIN (2007:185): “O pragmático adota uma atitude cética com

relação ao pressuposto que acreditamos estar personificado no conceito de direito: nega que as decisões políticas do passado, por si sós, ofereçam qualquer justificativa para o uso ou não do poder coercitivo do Estado. Ele encontra a justificativa necessária à coerção na justiça, na eficiência ou em alguma outra virtude contemporânea da própria decisão coercitiva, como e quando ela é tomada por juízes, e acrescenta que a coerência com qualquer decisão legislativa ou judicial anterior não contribui, em princípio, para a justiça ou a virtude de qualquer decisão atual.”

legítimas. Nessa linha, para o pragmatista, “apenas o

futuro não deve ser escravo do passado”109.

O fortalecimento dessa característica se deu na sucessão também do pensamento dos pragmatistas mais tradicionais. Já em PEIRCE a noção de consequencialismo ou instrumentalismo está presente em seu método de soluções de dilemas conceituais. O esclarecimento dessas questões conceituais ajudaria na compreensão das idéias difíceis e das que são claras. Mais importante, portanto, do que a idéia ou a proposição é a sua conseqüência, já que, por esse esquema, os efeitos manipulam a idéia em si, forçando essa a se adaptar àqueles. As concepções dos efeitos resumem, em realidade, o conjunto de pré-concepções que temos de um objeto.110

Foi, entretanto, em uma palestra na Universidade de Harvard - que posteriormente transformou-se em artigo - que PEIRCE assentou definitivamente seu olhar para o consequencialismo. Em “The Maxim of Pragmatism”, PEIRCE enuncia sua máxima atribuindo pela primeira vez um tom filosófico a essa corrente de pensamento, ao fixar que “pragmatismo é o princípio de que todo julgamento teórico

expresso em uma sentença no modo indicativo é uma forma confusa de pensamento que apenas significa, se é que tenha algum sentido, que está na sua tendência de exigir uma máxima prática expressa como uma sentença condicional tendo sua apódose no modo imperativo.”111 Para PEIRCE, não há como

109 POSNER (1997:8).

110 PEIRCE (2008:72-73). O segundo dos seis famosos artigos de PEIRCE

publicados pela primeira vez na no periódico americano Popular Science Monthly entre 1877 e 1878 (“How to make our ideas clear”) resume a conclusão do pragmatista: “...nossa ação possui referência exclusiva ao que afeta os sentidos, nosso hábito tem o mesmo comportamento de nossa ação, nossa crença o mesmo que nosso hábito, e nossa concepção o mesmo que nossa crença; por conseguinte, nada podemos significar por vinho senhão aquilo que tem certos efeitos diretos ou indiretos, sobre nossos sentidos; e dizer que algo possui todas as características do vinho, mas na realidade é sangue, são palavras à toa.”

111 PEIRCE (1998:134-135). A “apódose” é uma oração principal que

buscarmos algo no objeto, intrínseco a ele, mas apenas no que o objeto nos sugere em termos de efeitos sensoriais e conseqüências112. A máxima pragmatista, sendo um enunciado

lógico e um princípio regulatório113, retira qualquer importância de pensamentos que se norteiam apenas em idéias gerais e atribui significado essencial ao pensamento dirigido à experiência, aos efeitos e às sensações114.

A mesma idéia foi defendida por WILLIAM JAMES em seu famoso “What pragmatism means”, quando, fazendo referência ao texto de PEIRCE, explica o “princípio do

pragmatismo” ao dizer que “para obter a perfeita clareza de nossos pensamentos acerca de um objeto (...) nós apenas precisamos considerar os efeitos práticos que o objeto poderá causar.”115 Após a explicação, JAMES reafirma a forma pragmatista como vemos o mundo, sempre tentando antecipar conseqüências, mesmo que utilizando uma terminologia abstrata e teórica e buscando um conceito de “verdade”. Em realidade, para o pensador, não há nada de novo no “método

pragmatista”116.

Em JAMES, a máxima pragmatista ganha contornos amplos e mais cotidianos e se torna, muito mais do que um enunciado lógico, uma postura funcional diante do mundo. Para o pensador americano “não podemos rejeitar qualquer

hipótese se dela advém conseqüências úteis para a vida”117

chamada de “prótase”. Exemplo: Se fizer sol (prótase), iremos ao parque (apódose).

112 Essa afirmação se coaduna com a de RORTY de que “’Intrínseco’ é uma

palavra que os pragmatistas dispensam”. RORTY, ENGEL (2008:66).

113 PEIRCE (1998:133-134) assim a reconhece, tal como faz NATHAN HOUSER

no texto introdutório da coletânea de textos (1998:xxxvii).

114 PEIRCE (2008: 73). “Apenas desejo mostrar como é impossível que

tenhamos uma idéia que não se relacione com os efeitos sensíveis concebidos acerca das coisas.”

115 JAMES (2006:21).

116 JAMES (2006:22). Para JAMES, por exemplo, vários filósofos já

faziam uso desse estilo de pensamento muito antes de ser estudado, tais como SOCRATES, ARISTÓTELES, LOCKE, BERKELEY e HUME. “Pragmatismo representa uma atitude perfeitamente familiar na filosofia” (2006:23).

117 JAMES (2006:129). A frase é retirada de uma das palestras de

WILLIAM JAMES na Columbia University, proferida em janeira de 1907 quando relacionou “Pragmatismo e Religião” e tentou esclarecer de que

e, por isso, grandes princípios universais podem ter para o pragmatista o mesmo valor de meras sensações particulares. As conseqüências ou os efeitos, portanto, associados a um raciocínio funcional, de utilidade, faz com que grandes teorias possam ser descartadas de pronto e meras intuições possam ganhar a estatura de verdadeiros princípios de vida.

JAMES, portanto, leva o consequencialismo a uma nova dimensão. O apego aos efeitos e não às justificativas teóricas inaugura um novo binômio para o pensamento: não mais o verdadeiro e o falso, não mais o certo e o errado. Agora, passa-se a falar em outros termos: o útil e o inútil, o funcional e o ineficaz. Assim, o filósofo não realiza uma crítica propriamente aos enunciados teóricos, mas sim uma crítica ao elogio dos enunciados teóricos por serem enunciados teóricos. Esse relativismo, entendido como uma traição do projeto kantiano iluminista, fez com que JAMES fosse bastante criticado especialmente no que concerte à fragilidade da ética e da moral em seus enunciados.118 A idéia de uma verdade instrumental parece, aos olhos da maioria dos filósofos, algo contra-intuitivo. Uma linha importante dessa crítica é a aproximação do pragmatismo com o utilitarismo, que também pensa os problemas a partir de suas conseqüências sobre a felicidade de todos ou a partir de uma utilidade social. Não há dúvida de que existe uma ligação entre as duas formulações, o que é demonstrado pela emblemática dedicatória do livro de WILLIAM JAMES (“Pragmatism – A New

name for na old way of thinking”119) a JOHN STUART MILL, “de

quem eu primeiro aprendi a abertura pragmática da mente.”120

maneira o pragmatismo poderia se apropriar do pensamento dogmático religioso.

118 A crítica soa impertinente, uma vez que se utiliza de um dogma

expressa e politicamente afastado pelos pragmatistas: a existência de algo universal como a ética. Em outras palavras, trata-se de uma crítica ao pragmatismo dentro da lógica do racionalismo tradicional.

119 O livro é, em realidade, uma coletânea de textos que representam

Em realidade, se o verdadeiro é aquilo que é “vantajoso”, aquilo que é criado para atingir determinado fim121, e se esse juízo de utilidade é algo próprio do

indivíduo em seu próprio tempo, o que é “verdadeiro” depende das experiências pessoais de cada um. As experiências, por outro lado, se sucedem, forçando-nos a rever determinados postulados que, até então, tínhamos como orientadores. “Verdades” são, portanto, subjetivas122, o que

não necessariamente quer dizer que para o pragmatista não exista verdades “coletivas”123.

De qualquer forma, o termo “utilitarismo” parece estar impregnado de um sentido depreciativo, como se significasse a idéia negativa de “vantagem pessoal” em detrimento de outro, “esperteza” e “manipulação”. Se o pragmatismo não se presta a reescrever os postulados de nossa moral e de nossa ética entendidas como princípios universais, também não se presta a depreciá-los. Para o pragmatista, desde JAMES, julgar um comportamento como moral ou amoral ou imoral não significa nada mais do que dizer simplesmente “ele fez aquilo que entendia como

correto.” Dizer que o pragmatismo enfraquece a moral é

criticá-lo a partir da linguagem e da lógica por ele combatido: o iluminismo.

entre os meses de novembro e dezembro de 1906 e na Columbia University, em Nova York, no mês de janeiro de 1903.

120 JAMES (2006:dedicatória). 121 JAMES (2006:103).

122 Essa é precisamente a observação de DURKHEIM ao caracterizar o

pragmatismo como “utilitarismo lógico” subjetivo. (2004:168).

123 A verdade “coletiva” ou impessoal é também possível no contexto de

uma visão de utilidade que transborda de uma “comunidade de visões, de julgamentos e de idéias.” DURKHEIM (2004:171). JAMES (2006:105). assim se manifestou: “verdade absoluta significa uma série ideal de fórmulas para as quais, ao curso da experiência, podemos esperar ver convergir, com o tempo, todas as opiniões.” Essa convergência de visões, para JAMES, se dava na base da “melhor” experiência e na necessidade de qualquer pessoa de agir segundo o julgamento dos outros. DURKHEIM (2004:171); JAMES (2006:105). Nesse ponto, a posição de RORTY parece ser mais adequada: o problema da verdade coletiva se coloca na dimensão do problema democrático, sem que para isso seja necessário caracterizar certas experiências como “melhores” que outras.

Para JAMES, verdade, em absoluto, tem função especulativa, mas apenas utilidade prática. Não é nada mais do que um simples “expediente na forma como pensamos, assim

como ‘o certo’ é um expediente na forma como nos comportamos.”124 A verdade é “o nome do que é bom para

nossas crenças” e certamente aquilo que for bom para

acreditarmos será aquilo à que chamaremos de verdade125. A verdade, assim como a própria realidade, é maleável e a moldamos segundo nossos interesses e nossas experiências126. É essa idéia de verdade uma mera conseqüência de nossas experiências e não aquilo que nos orienta e define. Nesse ponto está o maior sinal do consequencialismo de JAMES, já que se coloca contra a idéia de uma razão abstrata capaz de antecipar nossos comportamentos, ignorando a força da experiência127.

Também em DEWEY o consequencialismo se estrutura a partir de sua visão de verdade. Essa visão de verdade se afasta, como um bom pragmatista haveria de reforçar, de um conteúdo apriorístico e fincado em formulações a priori. A base de seu raciocínio não é a verdade em si, mas a dúvida, a pergunta, o questionamento que serve de motor propulsor da própria evolução da ciência128. Para DEWEY não é correto dizer – como fazem os idealistas e os realistas - que toda a assertiva contém em si a afirmação de sua própria verdade, o que resultaria, em realidade, em um “dogmatismo

congelado”. Para os pragmatistas, ao contrário, toda

124 JAMES (2006:105). 125 JAMES (2006 34,35). 126 DURKHEIM (2004:169).

127 JAMES (2006: 107): “Assim como o pragmatismo olha para o futuro, o

racionalismo olha para o passado eterno. Verdade para o racionalismo reverte em ‘princípios’ e pensa que quando nomeamos uma abstração, passamos a dominar uma solução vinda de um oráculo.”

128 DEWEY (2005:346). Não há método melhor do que aquele utilizado pela

ciência. Para DEWEY esse método se expressaria em três postulados: (1) considerar todas as afirmações como temporárias até passar pelos testes experimentais; (2) utilizar essas mesmas afirmações como medidas de teste de seus próprios conteúdos; e (3) considerar sempre que as afirmações são nada mais do que resumos de questionamentos e testes anteriores.

afirmação traz contida em si a dúvida em relação à verdade129.

Essa crítica à noção realista ou idealista de verdade adquire seu auge no reconhecimento de que considerar proposições como questionamentos de seu próprio conteúdo faz com que adquiram uma perspectiva de futuro, enquanto a “visão ortodoxa faz com que elas se refiram à

condições antecedentes.”130 DEWEY explica essa afirmação

considerando que, para realistas e idealistas, a verdade (ou falsidade) é uma propriedade que já existe previamente em uma proposição e, com isso, não importa o uso que se faça dessa proposição e o resultado da vivência de novas experiências. Para o pragmatista americano, sendo a proposição uma “hipótese que se refere a um questionamento

(...) sua verdade torna-se uma questão de sua carreira, de sua história. A proposição se torna ou é feita verdadeira no processo de satisfazer ou frustrar o uso de seu próprio conteúdo.”131

O processo investigativo, pautado no questionamento, força a uma noção maleável e instrumental da verdade, uma proposta transitória que se forma na sucessão das experiências, sempre com o olhar para o futuro. Uma proposição é verdadeira se atinge, com sucesso, a sua finalidade. É falsa quando falha em buscar seus objetivos.

Na visão de DEWEY, portanto, a propriedade de verdade de uma assertiva se transforma em um exame de atingimento de fins, de resposta adequada a certas perguntas ou interesses. A verdade é, assim, respondível (“responsible”) a um interesse ou à finalidade

129 DEWEY (2005:345). Para DEWEY, essa defesa pragmatista consiste no

primeiro passo da crítica do pragmatismo às noções do realismo e do idealismo.

130 DEWEY (2005:347). 131 DEWEY (2005:347).

específica132. Seu critério de avaliação é a conseqüência da aplicação da proposição e, por isso, nunca é definitiva e estanque.