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MULTIPLICIDADE DE DIMENSÕES DO PRAGMATISMO

O pragmatismo se constitui em um estilo filosófico que abarca uma imensa quantidade de formas de pensamento, de raciocínio e de intelectuais que se entrecruzam na crítica à busca de valores universais, tais como a verdade, a justiça e a ética. É possível dizer que o que modernamente se entende como pragmatismo não é muito mais do que elementos de várias correntes filosóficas71 72 do passado, tratados dentro de uma nova ótica e a partir de novos contextos73.

71 É bastante evidente as relações do pragmatismo com outras correntes

do pensamento filosófico como o marxismo, o darwinismo e até mesmo com o romantismo alemão. Há também importantes diálogos hoje do pragmatismo com o feminismo - RORTY (2005e); RADIN (1990) -, a hermenêutica – RORTY (2000) -, a historiografia - RORTY (1990a) -, a desconstrução - RORTY (2005f); MOUFFE (2005); DERRIDA (2005) - e até mesmo com a Critical Legal Studies (são inúmeros os texto nos quais os neopragmatistas dialogam com os representantes do CLS. A título de exemplo, RORTY 1999c) ou o próprio nihilismo. SINGER (1985:1). Ver ainda KELLOGG (1991:15). Com bom humor, o “top 2” para ser pragmatista jurídico de BALKIN (1991:351) afirma: “você pode ser também um republicano cívico, uma feminista, um desconstrutivista, um triturador de casos, um crítico, um tipo “direito e economia” ou qualquer outra coisa.”

72 WILLIAM JAMES, no prefácio de sua coletânea “Pragmatism: A new name

for an old way of thinking” atribui a publicação de suas palestras, por exemplo, ao que chama de “movimento pragmático”, muito embora não goste da expressão. Em explicação a esse movimento, JAMES afirma: “Um número de tendências que sempre existiram na filosofia de repente se tornaram coletivamente conscientes de si mesmos e de sua missão combinada: e isso ocorreu em tantos países e a partir de tantos pontos-de-vista que resultou em muitas assertivas descombinadas.” (2006:vii).

73 Em 1907, WILLIAM JAMES, um dos fundadores do pragmatismo, edita seu

Sob uma perspectiva estritamente pragmatista, não faz muito sentido tentar estabelecer conceitos e definições do que, de fato, representa o pragmatismo filosófico. Nunca é demais lembrar que um dos seus focos de análise consiste na ineficiência e inutilidade de teorizações como instrumentos de soluções de conflitos ou questões. Por isso, mesmo defensores do pragmatismo da estirpe de RORTY e POSNER preferem caracterizar o movimento a partir da descrição do que faz um pragmatista, da maneira diferente como se comporta diante de um problema, de como enfrenta uma questão específica e de como propõe uma solução viável74.

Por outro lado, é importante destacar que o pragmatismo se aproxima muito mais de um estilo de pensamento do que propriamente de uma corrente com substância definida75, que se repetiria na linguagem dos demais intelectuais defensores de seu projeto. Pragmatismo não é nem mesmo um projeto intelectual ou filosófico, não ambiciona encontrar a “verdade” ou o “processo perfeito”, nem se atribui o rótulo de uma teoria76 a configurar um caminho maduro a durar por gerações de pensadores acerca do que deveriam fazer ou pensar. Está mais próxima de um name for some old ways of thinking”. JAMES (2006). Para JAMES, as formas antigas de pensar seriam o utilitarismo de STUART MILL (a quem é dedicado o livro) e o ceticismo do iluminismo escocês. O debate, de certa forma, é interminável, já que hoje se discute acerca dos novos rumos desse pensamento e as ligações que existem entre os novos pragmatistas e os clássicos. Teria o pragmatismo se tornado um velho nome para descrever novas formas de pensar? É o que defende, por exemplo, KLOPPENBERG, 1998:84.

74 Para outros autores, o pragmatismo, especialmente de RORTY, se

caracteriza mais por “uma série de negações do que de afirmações”, a demonstrar que não existe propriamente um conteúdo do pragmatismo. MACHAN (1995:362).

75 Para alguns pensadores, o pragmatismo é um movimento, tal como

WILLIAM JAMES descreveu em seu prefácio ao livro Pragmatism de 1907. JAMES (2006:vii). Para outros, nem o velho, nem o novo pragmatismo pode ser descrito como uma escola. POSNER (1990:1660).

76 Em realidade, o pragmatismo nem mesmo ambiciosa ser tratado como uma

“teoria”. “Pragmatismo é livre da culpa da teoria” (“theory-guilt”), entendida como uma obrigação de todos os cientistas de encontrarem coerência e sentido transcendente em suas formulações. GREY (1990:1569).

“comentário contínuo à cultura”77 do que de um projeto filosófico.

Em larga medida, para seus principais articuladores, o pragmatista não tem qualquer apego ao estilo que representa, sendo opinião comum de que a postura típica de um pragmatista não exige dele qualquer tipo de conhecimento prévio, ou domínio teórico do instrumental crítico do pragmatismo filosófico78. Basta a consciência de

que problemas existem para serem concretamente resolvidos ou administrados para ser um pragmatista e que a dor e o sofrimento constituem critérios fidedignos a orientar esse processo de solução. O pragmatismo não aceita a “máxima de

que somente se pode vencer uma teoria com outra teoria melhor”79. A força do pragmatismo filosófico estará totalmente exaurida a partir do momento em que a crítica à teoria pela teoria já estiver totalmente absorvida80.

No contexto de uma herança pragmatista, fariam parte do mesmo conjunto de pensamento intelectuais que apresentam diferenças abissais na maneira como enxergam o mundo, examinam os problemas filosóficos e atribuem valor à própria filosofia81. Para uma referência rápida dessa multiplicidade de dimensões que o pragmatismo concentra, basta dizer que fazem parte da mesma tradição a teoria da significação e dos signos de CHARLES PEIRCE82, a

77 A expressão é de WEST (1989:5) para quem o pragmatismo está mais

para um “conjunto de interpretações que tenta explicar a America a ela mesma em um particular momento histórico.”

78 RORTY, 1990:1815; GREY, 1998:254; POSNER também concorda com o

posicionamento de que ninguém precisa conhecer o “debate pragmatista” para ser efetivamente pragmatista, apesar de defender que o pragmatismo filosófico poderia auxiliar no desenvolvimento do pragmatismo aplicado ao Direito (POSNER, 1997:20).

79 GREY (1990:814). 80 RORTY, (1990:1819).

81 Para POSNER, por exemplo, o chamado “novo pragmatismo não é um

movimento filosófico distinto, mas um termo ‘guarda-chuva’ para diversas tendências e pensamentos filosóficos.” POSNER (1990:1653). STAINSBY (1988:468).

82 Nesse sentido, ver seu texto “The Maxim of Pragmatism” (1998) por

meio do qual PEIRCE tenta demonstrar a máxima pragmatista por meio de signos que aproximam seu texto de uma demonstração matemática.

instrumentalidade de uma filosofia prática de WILLIAM JAMES e a filosofia política da ação de DEWEY. Esses pensadores, colocados em cronologia linear, formam, por exemplo, a base crítica para a formulação filosófica ironista – e até certo ponto romântica – de RICHARD RORTY. Também é significativa a célebre divergência entre os pragmatistas acerca da existência de um “progresso moral” alcançado pelo homem, tese defendida por DEWEY e RORTY83 e questionada por

POSNER84.

Obviamente, dentro do rico espectro de temas e contextos abordados, é possível identificar diferenças flagrantes entre os formuladores do pragmatismo. Assim, a filosofia matemática de PEIRCE pouco se assemelha às preocupações políticas de DEWEY; as concepções de WILLIAM JAMES foram fundamentais para estabelecer novos rumos funcionais para a psicologia, enquanto que o pragmatismo de JOHN DEWEY marcou época para dar um sentido mais proativo aos processos de aprendizado e pedagógico. Nesse contexto, até mesmo discussões em torno do termo “pragmatismo” ocorreram, já que JAMES havia seqüestrado a terminologia originalmente criada por PEIRCE85, forçando este a propor um novo nome para seu pensamento86.

Se a análise focar em autores da nova geração de pragmatistas, as divergências apenas se tornaram mais

83 Trata-se de texto escrito em 2006 quando da “John Dewey Lecture”, em

10 de abril de 2006 na Universidade de Chicago e publicado na University of Chicago Law Review após a morte de RICHARD RORTY (2007);

84 POSNER (1999).

85 Foi PEIRCE que, em uma das reuniões do “Metaphysical Club”, ao

apresentar alguma de suas anotações, chamou de “pragmatismo” um método de determinar palavras difíceis e conceitos abstratos. Mais tarde, entre 1877 e 1878, dois textos, baseados naquelas anotações, foram publicados na Popular Science Monthly: “The Fixation of Belief” e “How to make our ideas clear” PEIRCE (2008:33,59). Essa história é contada pelo próprio PEIRCE em seu clássico texto “What Pragmatism is”. PEIRCE (1998:331).

86 Indignado pela ampliação exagerada de sua linha de raciocínio dada

por WILLIAM JAMES, PEIRCE, chamando-o de “seqüestrador” ao lado de FERDINAND C. S. SCHILLER, “anunciou o nascimento” da nomenclatura “pragmaticismo” (“pragmaticism”), um termo “feio o suficiente para estar a salvo de seus sequestradores”. PEIRCE (1998:334).

profundas. Pensadores do porte de HILARY PUTNAM, RICHARD RORTY, STANLEY FISH87, CORNEL WEST88, RICHARD POSNER89, THOMAS GREY, LOUIS MENAND, HANS JOAS, RICHARD BERNSTEIN, JOHN SHOOK e SUSAN HAACK têm posturas com distinções abissais, muito embora concordem em pontos específicos e caros ao pragmatismo90. Pragmatistas do porte de HILARY PUTNAM, por exemplo, estão interessados em saber como crenças verdadeiras ganham ou devem ganhar justificação e, assim, chegam a conclusões virtualmente parecidas: é verdadeiro o que pode ser justificado sob condições epistêmicas ideais como defende PUTNAM91 ou é verdadeiro aquilo que se torna argumento vencedor em uma situação ideal da fala como assevera HABERMAS92. Para RORTY, entretanto, não faz muito sentido ponderar acerca da verdade como justificação pela falta de utilidade93. Além desses, outros autores apresentam claros aspectos pragmatistas em suas formulações, quando apoiados na crítica à tradição platônica da ontologia pela ontologia tais como DONALD DAVIDSON, WILLARD QUINE, THOMAS KUHN, JACQUES DERRIDA e JÜRGEN HABERMAS.

87 FISH (1991:55), apesar de suas críticas a POSNER e RORTY. Acerca de

sua própria fragilidade na tese pragmatista ver BARBER (1991:1036).

88 WEST (1990:1747) é um pragmatista que se baseia nos clássicos e

aponta os problemas do neopragmatismo como a sua versão pobre do anti- fundacionismo a que chama de “praticalismo cru”. Para WEAVER (1992:751), WEST acaba por trair os próprios propósitos do pragmatismo ao dar continuidade a um discurso representacionista.

89 POSNER (1990:1660). POSNER, por exemplo, identifica diferenças

profundas entre JAMES e DEWEY, afirma que PEIRCE tem mais em comum com PUTNAM do que este tem com RORTY e ele mesmo mais se aproxima de PEIRCE, JAMES e DEWEY do que de CORNEL WEST ou STANLEY FISH. Há ainda autores que classificam sua formulação de “jurisprudência rortyniana”. MACHAN (1995:361).

90 Em curioso “top 10 razões para ser um pragmatista jurídico”, BALKIN

(1991:351) coloca também, mesmo que indiretamente, FRANK MICHELMAN ao estabelecer, no top 5 que “se você é de direita, terá finalmente encontrado algo para concordar com Frank Michelman”.

91 PUTNAM (1983:introdução). o texto “Richard Rorty on Reality and

Justification” in BRANDON (2008:81).

92 HABERMAS (1999:251); o texto “Richard Rorty’s Pragmatic Turn” in

BRANDON (2008:31).

93 Dentre diversos textos, destaco: “Response to Habermas”, in BRANDON

O pluriverso do pragmatismo não permite estabelecer uma corrente filosófica bem marcada, por vocabulário e essências bem definidas. Nada melhor para o pragmatismo do que permanecer uma pseudofilosofia para todos, sem que se possam identificar fronteiras muito precisas para a rotulagem de pensadores. Entretanto, falando em termos “não-pragmatista”, há alguns pontos que, genericamente tratados, podem ser tipificados como algo comum na formulação de todos os pragmatistas94. Em todos eles, há uma crítica a formulações metafísicas e ao prestígio dado ao fundacionalismo, ou seja, à filosofia como ramo do pensamento responsável por encontrar os fundamentos das coisas do mundo. Além disso, está presente no estilo pragmatista uma noção de responsabilidade filosófica no sentido de que ao invés de se aprimorar no estudo dos princípios e categorias apriorísticas, o filósofo deve buscar uma melhor consciência das conseqüências e dos resultados obtidos com as nuances do discurso filosófico. Finalmente, em vez de visualizar o homem como um ser neutro, imparcial e asséptico, para o pragmatismo o contexto é peça fundamental para se analisar fatos, problemas e questões e oferecer sugestões úteis e eficazes.

O anti-fundacionismo, o consequencialismo e o contextualismo formam uma espécie de tripé de sustentação de toda a formulação pragmatista mesmo que haja divergência entre pensadores acerca dos detalhes dessa configuração. A partir dessa tríade, o pragmatismo adquiriu dimensões diversas na leitura de pensadores de diferentes origens e diversas tradições e variações quanto às suas

94 O termo “não-pragmatistas” se referem à tentativa de identificação

de algum elemento “essencial” entre os autores mencionados com a corrente pragmatista. “Falando em termos pragmatista e não- essencialista, não há nada de prático a ser conquistado ao colar um rótulo pragmatista a qualquer filosofia que não tenha qualquer dos três elementos.” POSNER (1990:1660).

possibilidades e caminhos. Antes, entretanto, de proceder ao aprofundamento de uma dessas variações do moderno pragmatismo e relacioná-la ao Direito e à sua aplicação, torna-se importante algumas palavras acerca dessas três características marcantes.