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Considerações finais

Em resumo neste capítulo foi tratada a simulação da equação de Dirac com íons aprisionados, com foco particular na simulação do Hamiltoniano incluindo acoplamento não minimal (4.25) e suas propriedades de emaranhamento intrínseco. Os principais pontos do capítulo são

• Combinando os Hamiltonianos de Jaynes-Cummings, anti Jaynes-Cummings e Carrier (4.8, 4.9, 4.7), com parâmetros escolhidos convenientemente, é possível simular o

Hamiltoniano de Dirac;

• O Hamiltoniano de Dirac incluindo acoplamento não-minimal com campo elétrico externo (4.25) pode ser simulado com um protocolo similar ao apresentado para partícula livre;

• Os autoestados do Hamiltoniano simulado, e suas propriedades de emaranhamento intrínseca, são recuperados através da metodologia introduzida no capítulo 3; • O emaranhamento entre spin e paridade intrínseca dos biespinores (sistema simulado)

total e sua componente na direção do campo magnético auxiliar utilizado para quebrar degenerescência dos níveis internos do íons (simulador);

• A evolução temporal livre de um estado inicial qualquer pode ser recuperada, uma vez que os autoestados forem construídos e todas as propriedades consideradas podem ser diretamente calculadas;

• Foi observada uma relação qualitativa entre quiralidade e emaranhamento - a primeira pode ser escrita em termos da probabilidade de medida de estados maximamente emaranhados;

• O formalismo pode ser estendido de modo a incluir ruídos, em particular foram considerados os efeitos dos ruídos local e global, associados a flutuações aleatórias do campo magnético auxiliar, na dinâmica de estados maximamente emaranhados; • Para o ruído global observou-se uma transição no regime de decaimento das correla-

ções quânticas, indicado por um ponto de descontinuidade da primeira derivada da discórdia geométrica do estado.

Apesar do foco desta tese não ser experimental cabem alguns comentários com relação às técnicas experimentais adjacentes ao cenário estudado. A preparação e medida dos protocolos apresentados neste capítulo são realizadas através de técnicas experimentais amplamente utilizadas. Uma vez que o estado vibracional do íon é preparado por resfria- mento a laser, o estado interno iônico é inicializado via bombeamento óptico com uma probabilidade maior do que 99% (WINELAND et al., 1980). A ideia do bombeamento óptico é conduzir o átomo a um estado no qual não há interação com a bomba óptica. Luz polarizada circularmente é utilizada para bombear o íon a um de seus níveis, e a fidelidade da inicialização é limitada pela qualidade da polarização do laser (LEIBFRIED et al.,

2003). A detecção dos estados iônicos internos pode ser realizada por meio do método de elétron shelving, que consiste em detectar a fluorescência induzida por laser em uma transição de dipolo (LEIBFRIED et al., 2003). Esta técnica foi utilizada, por exemplo, para a medida do operador de posição hˆxi na simulação quântica do efeito zitterbewegung com um íon aprisionado através do mapeamento da posição do estado para um dos níveis internos do íon (GERRITSMA et al., 2010).

Os quantificadores de emaranhamento considerados não podem ser diretamente medidos, uma vez que eles envolvem operações não físicas (como a transposição parcial). Apesar do emaranhamento poder ser detectado através de propriedades específicas de um dado estado (SACKETT et al., 2000; MYATT et al., 2000), o calculo do grau de emaranhamento requer uma informação completa do operador densidade do estado. Esta medida pode ser realizada através do protocolo de tomografia quântica (LEONHARDT,

em grande número de cópias de um sistema. A tomografia quântica foi implementada em diversas situações envolvendo íons aprisionados (HäFFNER; ROOS; BLATT,2008;ROOS et al., 2004; HÄFFNER et al., 2005; LEIBFRIED et al., 1996; POYATOS et al., 1996;

RIEBE et al., 2006; HÄFFNER et al.,2004), incluindo a medida do estado de movimento de um íon (LEIBFRIED et al.,1996;POYATOS et al.,1996), detecção de emaranhamento multipartite (HÄFFNER et al., 2004) e a caracterização do emaranhamento para compu- tação quântica (RIEBE et al.,2006) Apesar de a tomografia quântica reconstruir todos os elementos da matriz densidade, uma informação parcial da dinâmica do estado, como a caracterização necessária para o cálculo da quiralidade média, pode ser realizada através da caracterização direta da dinâmica (MOHSENI; LIDAR, 2006).

5 Emaranhamento rede-camada no grafeno

bicamada

As propriedades físicas do grafeno se tornaram o foco de diversas investigações teóricas e experimentais, principalmente após o desenvolvimento de técnicas para a produção e caracterização de folhas de grafeno em laboratório (NOVOSELOV et al.,2004). A estrutura única das bandas de energia do grafeno, que apresentam um comportamento linear para baixas energias (dependendo do nível de Fermi) é descrita efetivamente em termos da equação de Dirac com termo de massa nula, gerando diversas implicações para as propriedades eletrônicas do material (CASTRO-NETO et al., 2009). A dinâmica similar à relativística tem, entre suas implicações, a formação de níveis modificados de Landau diante aplicação de um campo magnético, gerando um comportamento anômalo da condutância (NOVOSELOV et al., 2006; ZHANG et al., 2005). Diferente do grafeno monocamada,

o grafeno bicamada apresenta bandas de energia com comportamento hiperbólico nas proximidades da primeira zona de Brillouin, similar à relação de dispersão relativística dos férmios massivos livres (NILSSON et al., 2006).

A descrição do grafeno com o modelo tight-binding deixa clara a correspondência entre o grafeno e a equação de Dirac. Considerando excitações de baixas energias é possível, a partir do Hamiltoniano tight-binding, obter o comportamento relativístico da equação de Dirac. Esta correspondência foi utilizada, por exemplo, na investigação dos correspondentes ao efeito zitterbewegung e ao do paradoxo de Klein tanto no grafeno monocamada como no grafeno bicamada (RUSIN; ZAWADZKI,2008; MCCANN; KOSHINO, 2013).

Diferente do íon aprisionado, onde a dinâmica relativística é construída através de combinações convenientes dos termos (anti) Jaynes-Cummings e Carrier, o comportamento relativístico é emergente no grafeno: é consequência do arranjo geométrico do material. Desta maneira, a dinâmica da equação de Dirac, quando traduzida ao grafeno, revela diversas características intrínsecas ao material, como é o caso dos já citados níveis de Landau e de outras propriedades eletrônicas do material.

Assim como no caso dos íons aprisionados, a descrição pela equação de Dirac trás consigo também o emaranhamento intrínseco relacionado à estrutura SU(2) ⊗ SU(2) da dinâmica de Dirac. No caso do grafeno monocamada tal emaranhamento é sempre nulo uma vez que a descrição é através do Hamiltoniano de Dirac para partícula livre de massa nula. No caso do grafeno bicamada, entretanto, os diferentes termos de acoplamento entre as camadas são traduzidos a um Hamiltoniano de Dirac modificado incluindo termos de potenciais externos (BITTENCOURT; BERNARDINI, 2017b). Neste caso, conforme descrito na seção 3.4, espera-se que os autoestados do Hamitoniano sejam emaranhados,

sendo a correlação entre spin e paridade, intrínseca aos biespinores de Dirac, traduzida em correlações entre rede e camada no grafeno.

O emaranhamento foi recentemente considerado no contexto da física de grafeno em diversos cenários, de investigações relacionando a correlação quântica com o efeito Hall (LI; HALDANE,2008;LÄUCHLI et al., 2010; THOMALE; AROVAS; BERNEVIG,2010)

a possíveis aplicações em computação quântica (CORDOURIER-MARURI et al., 2014;

RAHMAN et al.,2013;WU; LUE; CHANG,2011;WU; LUE,2012). Em particular, quando relacionado ao efeito Hall, o espectro de emaranhamento (LI; HALDANE, 2008) possui relação com propriedades topológicas do material (CHANDRAN et al., 2011; DOUçOT et al.,2008). Para a implementação de protocolos de computação quântica, o emaranhamento gerado através de acoplamentos spin-órbita podem ser utilizados para construir portas lógicas quânticas entre um ponto quântico no grafeno e um qubit móvel (CORDOURIER- MARURI et al.,2014), ou mesmo através de interações entre diferentes vales (WU; LUE; CHANG, 2011; WU; LUE, 2012).

Neste capítulo serão descritas as propriedades de emaranhamento entre rede e camada no grafeno bicamada em sua geometria mais estável, o empilhamento Bernal (ou AB). Após uma introdução ilustrativa do modelo tight-binding para o grafeno monocamada, e sua relação com a equação de Dirac, será apresentado o modelo para o grafeno bicamada e, a partir dele, será deduzida a dinâmica relativística em termos do Hamiltoniano de Dirac modificado, incluindo termos de potenciais tensorial e pseudo-vetorial (BITTENCOURT; BERNARDINI, 2017b). Assim como no caso dos íons aprisionados do capítulo anterior, o método introduzido na seção 4.3.1 será utilizado para a construção dos autoestados e sub- sequente estudo de suas propriedades de emaranhamento. Em particular, será investigada uma possível relação entre energia e emaranhamento. Por último, será considerado um

framework com a inclusão de efeitos de ruído e sua influência em estados maximamente

emaranhados de rede-camada. Diferente dos casos abordados no último capítulo, será utilizado um modelo não-Markoviano de ruído clássico (KUBO; TODA; HASHITSUME,

1991;YU,2010), associado à possíveis flutuações aleatórias dos termos de massa e voltagem do modelo tight-binding

5.1

Modelo tight-binding para o grafeno monocamada e sua rela-

ção com a equação de Dirac

O grafeno é um material composto de átomos de carbono dispostos em uma geometria de favo-de-mel, conforme mostra a Figura 29 (CASTRO-NETO et al., 2009). A rede favo-de-mel é construída através da superposição de duas redes A e B, sendo os vetores de rede a1 e a2, que ligam dois sítios da mesma rede, dados por

a1 = a 2( 3,3 ), a2 = a 2( 3, −3 ), (5.1)

com a a distância entre carbonos ∼ 1.42 Å. Os vetores que conectam os primeiro vizinhos δ1,2,3 são δ1 = a 2( 1,3), δ2 = a 2( 1, −3), δ3 = −a(1, 0), (5.2)

e os vetores que conectam os segundos vizinhos são δ

1 = ±a1, δ′2 = ±a2 e δ3= ±(a2−a1).

A rede recíproca desta rede cristalina é também uma rede do hexagonal, e os cantos da primeira zona de Brillouin, chamados K e Ksão dados em termos dos vetores

K = 3a, 3a√3 ! , K′ = 3a, 3a√3 ! . (5.3)

Os vetores da rede recíproca b1,2 são dados por

b1 = 3a( 1,3 ), b2 = 3a( 1, − √ 3 ) (5.4)

Figura 29 – Rede favo-de-mel (esquerda) composta de duas subredes A e B sobrepostas. Os vetores a1,2 conectam átomos da mesma rede, enquanto os vetores δ1,2,3

conectam um átomo ao seu vizinho mais próximo. Primeira zona de Brillouin da rede favo-de-mel (direita) também é hexagonal. Os pontos K e Kcorres-

pondem aos cantos da zona de Brillouin e são importantes na discussão do comportamento relativístico do grafeno. Figura retirada de (CASTRO-NETO et al., 2009)

O modelo tigh-binding para os elétrons no grafeno é construído considerando a possibilidade de salto para primeiros e segundos vizinhos e o Hamiltoniano associado é dado por (em unidades ¯h = 1)

ˆ H = −t X hi,ji,σ ( ˆaσ,iˆbσ,j + H.c. ) − t′ X hhi,jii,σ ( ˆa

σ,iˆaσ,j+ ˆbσ,iˆbσ,j+ H.c. ), (5.5) com ˆaσ,i (ˆaσ,i) o operador de criação (aniquilação) de um elétron de spin σ =↑, ↓ no sítio

Ri na subrede A, e a definição equivalente para os operadores associados a subrede B, ˆbσ,i. Neste Hamiltoniano tight-binding o parâmetro t descreve a amplitude de salto entre vizinhos mais próximos enquanto a amplitude testá associada ao salto entre segundos

vizinhos, portanto, salto entre sítios da mesma subrede, seus valores experimentais são

Devido à invariância translacional da rede, o quasi-momentum k é um bom número quântico para o problema. Desta maneira, para diagonalizar o Hamiltoniano do modelo tigh-binding, escreve-se os operadores de criação e aniquilação em termos de suas contrapartidas na rede recíproca (de agora em diante suprimindo o índice associado ao spin):

ˆai = √1

N

X

k

e−ik·Riˆa(k), (5.6)

com uma expressão semelhante para ˆbi, de modo que o Hamiltoniano (5.5) é escrito como ˆ

H =X

k

ψHˆ(k)ψ, (5.7)

com k restrito à primeira zona de Brillouin,

ψ =   ˆa(k) ˆb(k)  , e ˆ

H(k) = t Re[Γ(k)]ˆσx+ t Im[Γ(k)]ˆσy + 2t′Re[Γ′(k)] ˆI4+ 2t′Im[Γ′(k)]ˆσz, (5.8)

onde Γ(k) = X j exp [ik · δj] Γ′(k) =X j exph ik· δj i . (5.9)

Os autovalores de energia são obtidos da diagonalização de (5.8), e são dados por (CASTRO-NETO et al.,2009) E±(k) = ±tq3 + f(k) − tf(k), (5.10) com f(k) = 2 cos(kya√3) + 4 cos √ 3 2 kya ! cos3 2kxa  . (5.11)

Esta relação de dispersão descreve duas bandas, uma associada ao sinal positivo e outra ao sinal negativo de E±(k). A estrutura completa destas bandas é mostrada na Figura

30para t= 0.2 t, que está de acordo com valores experimentais (CASTRO-NETO et al.,

2009).

As bandas de energia se tocam nos cantos da primeira zona de Brillouin, conforme mostra a figura 31. Para vetores de onda k próximos à K ou Ka relação de dispersão é

aproximadamente linear, como é possível inferir diretamente expandindo (5.10) em torno de K (ou de K)

E±(q) ≃ ±vf |q| + O[(q/K)2], (5.12)

com q = K − k, tal que |q| ≪ |K|, e vf a velocidade de Fermi dada em termos dos parâmetros do Hamiltoniano por

vf = 3

Figura 30 – Bandas de energia obtidas do Hamiltoniano tight-binding para o grafeno monocamada (5.5) em função dos vetores de onda k. O modelo prevê duas bandas de energia que são assimétricas para t6= 0.

Figura 31 – Bandas de energia obtidas do Hamiltoniano tight-binding para momenta k próximos ao ponto de Dirac K. Neste ponto, chamado de ponto de Dirac, as bandas de energia se tocam e em seus entornos a relação de dispersão (5.12) é aproximadamente linear, sendo similar a dos férmions de massa nula. O mesmo comportamento é obtido em torno do outro ponto de Dirac K

A relação de dispersão (5.12) é linear com relação ao momentum q sendo, portanto, similar àquela obtida através da equação de Dirac com termo de massa nulo.

De fato é possível, a partir do Hamiltoniano, obter uma descrição efetiva que possui a mesma forma da equação de Dirac com massa nula. Voltando à expansão de Fourier (5.6), aproximando os ˆa e ˆb em torno do dos pontos de Dirac K e K:

ˆai ≃ e−iK·Riˆa

1(q) + e−iK·Riˆa 2(q), ˆbi ≃ e−iK·Riˆb1(q) + e−iK·Riˆb 2(q), (5.13)

algébricas, o Hamiltoniano (5.5) para t= 0 é escrito como ˆ H → ˆHef f = vf X q  ψ1(q) ˆσ· qψ1(q) + ψ2†(q) ˆ˜σ· qψ2(q)  , (5.14) com ψ

i(q) = ( ˆai(q), ˆbi(q) ). O Hamiltoniano efetivo acima é composto de duas cópias do Hamiltoniano de Dirac, uma para q ∼ K e outra para q ∼ K, de modo que, na

linguagem da primeira quantização, a função de onda (no espaço dos momenta) de duas componentes do elétron satisfaz a equação de Dirac bidimensional sem massa

vfσˆ · q ψ(q) = Eψ(q). (5.15)

A relação entre o grafeno e a dinâmica relativística é apreciada através do Hamil- toniano tight-binding e consequência das simetrias da rede considerada. O procedimento apresentado aqui é o ponto de partida de diversas investigações de propriedades eletrônicas do grafeno nas mais diversas situações, desde a inclusão de campos magnéticos externos (CASTRO-NETO et al., 2009; GOERBIG, 2011), e consequente estudo dos níveis de Landau anômalos e do efeito Hall no material, até a descrição de estados superficiais e de borda para redes finitas do material (FUJITA et al., 1996) e a medida de fenômenos tipicamente relativísticos, como o efeito zitterbewegung e o paradoxo de Klein (RUSIN; ZAWADZKI, 2008;KATSNELSON; NOVOSELOV; GEIM,2006). Apesar da formulação não incluir termo de massa é interessante ressaltar que em alguns cenários outros termos podem surgir na descrição efetiva (5.14). Distorções mecânicas, por exemplo, são inseridas nesta descrição efetiva através de potenciais de calibre e podem acoplar os termos associ- ados aos dois pontos de Dirac (LOW; GUINEA; KATSNELSON, 2011). A presença de impurezas e defeitos de rede também podem gerar este tipo de acoplamento e requerem uma descrição mais complexa da dinâmica efetiva apresentada aqui (CASTRO-NETO et al., 2009).