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Considerações sobre o Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul – marcos legais e políticos

4 CAPÍTULO 03 – COMUNICAÇÃO PÚBLICA E OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS ESTUDO DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DE

4) Práticas e dispositivos comunicativos (por que circulam nos moldes identificados

4.7 Considerações sobre o Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul – marcos legais e políticos

O espaço escolhido para estudo do caso, o Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul (CES/MS), foi criado em 1991, tendo como marco legal a Constituição Estadual (1989). Historicamente, o conselho é criado pouco depois das negociações em torno da Lei Orgânica da Saúde, aprovada em 1990.

31 Raichellis (1998) prefere trabalhar com a ideia de democratização e não democracia para pensar as práticas

políticas nos conselhos por se tratarem de um processo e não de estado. Para a autora, a democratização implica a dialética entre conflitos e consensos, de maneira que os diferentes e múltiplos interesses possam ser qualificados e confrontados, resultando a interlocução pública capaz de gerar acordos e entendimentos que orientem decisões coletivas.

A Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul dedica uma seção de oito artigos, no capítulo de Seguridade Social, relacionados ao direito à saúde, que repetem diretrizes da constituição para área, contemplando na legislação demandas locais32.

No que se refere especificamente à participação, a Constituição Estadual imprime um caráter de decisão às ações participativas na política de saúde em conformidade com as demandas do movimento sanitário que, na época, negociava pontos da lei orgânica da saúde referentes a essa questão.

Conforme Dallari (apud SCANDOLA, 2000), os constituintes sul-mato-grossenses contrariam a orientação do legislador nacional, conferindo caráter decisório à atuação do Conselho Estadual, ao contrário do caráter permanente e deliberativo previsto até então pela legislação nacional.

No entanto, em outro artigo da constituição estadual (nº 179), Scandola (2000) identifica situação contrária à previsão inicial identificada em artigo anterior (nº 175), de que a participação acontece em caráter de decisão, ao destacar que a função do Conselho Estadual de Saúde apresenta-se como órgão de deliberação coletiva, com destaque ao papel de assessoramento e acompanhamento da política de saúde. Para a pesquisadora, o termo deliberativo aparece na condição de que as decisões serão coletivas, ou seja, internamente é tratado como deliberativo, mas como o conselho tem sentido quando se expressa para fora de seu corpo institucional, as possibilidades colocadas são contraditórias ao consignado pelo artigo 175 (SCANDOLA, 2000, p.36)

A ausência de um entendimento do papel dos conselhos conselho na definição da política de saúde fica explícita ainda na constituição estadual pela referência à participação paritária do conselho entre governo e sociedade, ao passo que as propostas que vinham sendo efetivadas tanto na Lei Orgânica da Saúde como no movimento sanitário eram de que metade das vagas nos conselhos é, por direito, dos usuários de saúde, sendo a outra metade dos segmentos de trabalhadores, prestadores e gestores.

Para Scandola (2000), a depender da constituição estadual, a representação de profissionais de saúde e prestadores de serviços públicos e privados não existiria no âmbito do

32 Na comparação da versão inicial da Constituição com a versão atualizada da Constituição Estadual, a Seção I – Do Direito à Saúde recebeu apenas uma emenda (nº 14/29-06-1999) que assegura aos portadores de hanseníase; câncer; doença renal crônica; síndrome da imunodeficiência adquirida; tuberculose e outras moléstias transporte público gratuito pelo período em que estiverem em tratamento médico. Disponível em:

http://www.ms.gov.br/pv_obj_cache/pv_obj_id_DA01D68E181C6C61029E9A47A406925B28810C00. Acesso em: 10 abr 2011.

Conselho Estadual. Nesse sentido, pensar a participação na perspectiva do Conselho Estadual de Saúde, com base na constituição Estadual, torna-se um exercício complexo, considerando as dificuldades colocadas pelas imprecisões identificadas na própria constituição do Estado.

Delineamentos mais precisos para atuação do Conselho Estadual acontecem com a aprovação de sua lei de criação (Lei nº 1152), em 1991. O contexto de criação da lei é marcado pela ausência da participação da sociedade e se caracteriza por atender as novas recomendações da legislação federal para área de saúde.

A aprovação da lei de criação do Conselho Estadual ocorre no mesmo período em que toma posse o governador Pedro Pedrossian33, que já havia governado o Estado por nomeação, durante o governo João Figueiredo (1981-1983). Escolhido em eleição direta, o governador assume com o discurso da modernização, inserindo no aparelho estatal intelectuais e lideranças sociais como técnicos do governo. A presença desses atores no interior do Estado imprimiu demandas de participação que influenciaram a consolidação de ideias como a do controle social na política de saúde, o que acaba por retirar da sociedade organizada a iniciativa (SCANDOLA, 2000).

Nesse campo de negociação, a participação se institucionaliza em meio à regulação que estrutura o aparato estatal. O Conselho Estadual de Saúde nasce vinculado à estrutura da Secretaria de Estado da Saúde, trazendo a sociedade e os atores participantes para dentro do aparelho do Estado, constituindo-se, segundo Scandola (2000), como um colegiado que exerce funções a partir do escopo definido pela Secretaria e não da política de saúde pensada em interface com outras áreas como educação, saneamento e lazer.

A restrição da fiscalização apenas aos Recursos do Fundo Especial de Saúde e não a outras fontes de destinação orçamentárias que sustentam a saúde e a dificuldade em estabelecer definições mais objetivas, em um misto de poder deliberativo e propositivo, identificadas por Scandola (2000), ilustram o jogo de força e contradições da institucionalização da participação e da divisão do poder de decidir, no interior de um aparelho estatal estadual organizado sob a hegemonia de grupos de famílias de prestígio e grande poder econômico.

33 Depois da eleição de Pedro Pedrossian (1991-1995) em uma frente partidária que inclui PTB, PFL, PST e

PRN, foi eleito como governador do estado Wilson Barbosa Martins (1995-1998), do PMDB. Barbosa foi o primeiro governador eleito por eleições diretas para o mandato (1983-1986). O sucessor de Wilson Barbosa Martins foi José Orcírio Miranda dos Santos (PT), que governou por dois mandatos (1999-2002/2003-2006). O governador eleito para o mandato (2007-2010) foi André Puccinelli (PMDB), sendo reeleito em 2010.

Registra-se que a partir da aprovação da lei (julho/1991) que institui o Conselho Estadual de Saúde em Mato Grosso do Sul, o decreto (6345) de regulamentação do colegiado é publicado apenas em janeiro de 1992, não tendo a mesma rapidez registrada para aprovação da lei que instituiu o conselho pela Assembléia Legislativa do Estado – tempo inferior a um mês, da tramitação à publicação.

O pouco envolvimento da sociedade civil na discussão da lei de criação do Conselho se repete na dificuldade de organização para a primeira composição do colegiado, após sua regulamentação. O poder executivo acabou exercendo seu poder de escolha, previsto inclusive na lei, para nomear as organizações da sociedade civil, conforme Scandola (2000).

Em levantamento posterior, identificamos apenas uma alteração na lei original de criação do Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul. A lei 2.699/novembro de 2003 altera dois artigos da lei anterior e acrescenta outros três artigos. As alterações estavam relacionadas aos artigos que dispunham sobre a composição e presidência do conselho e sobre a periodicidade de realização da Conferência Estadual de Saúde. Das alterações significativas, o destaque é para a mudança na presidência do colegiado. A exclusividade de presidência por parte do secretário de saúde é retirada, dando aos demais segmentos a possibilidade de concorrerem à presidência do conselho.

Para acompanhar essa modificação, foram acrescentados dois artigos sobre a composição do que será chamado de mesa diretora do conselho (presidente, vice-presidente, primeiro e segundo secretários), como espaço responsável pela direção e coordenação dos trabalhos do conselho, com as respectivas regras de escolha desse corpo diretivo. Nesse caso, caberá aos conselheiros a eleição da mesa para o mandato de um ano, permitindo recondução por igual período, com a garantia de que serão obedecidas as representações de todos os segmentos que integram o colegiado34. O outro acréscimo significativo é a garantia em lei de que as despesas dos conselheiros para participarem das reuniões e ações de controle social serão custeadas pelo chamado Fundo Especial de Saúde.

Com relação aos decretos de regulamentação do Conselho Estadual de Saúde, as alterações foram mais numerosas. Da existência do primeiro decreto, em 1992, identificamos o decreto 11.663, de julho de 2004, como referência para normatizar o funcionamento do colegiado, em consonância com resolução nº 333/2003 do Conselho Nacional de Saúde. Os

34 A representação quantitativa dos segmentos integrantes do conselho (o de usuários, de trabalhadores, além de

prestadores de serviços e governo como segmento de gestores) passa a ser obrigatoriamente respeitada para composição de comissões internas e/ou qualquer outra instância representativa do conselho.

dois decretos seguintes (Decreto 11.797/fevereiro 2005 e Decreto 11.844/abril de 2005) apresentam alterações do Decreto 11.663, relativas às regras da escolha da mesa diretora e atribuições do presidente do colegiado.

Os regimentos, como documentos que normatizam o funcionamento interno, organizando as regras do processo de decisão a ser seguido pelos conselheiros, acabam alterados com mais rapidez ao longo funcionamento do colegiado, na tentativa de responder a demandas, questões e problemáticas novas que exigem adequação e/ou atualização de procedimentos internos de funcionamento, em uma busca por melhor qualificar o processo deliberativo.

Do regimento interno aprovado logo após a regulamentação do Conselho Estadual de Saúde, em 9 de fevereiro de 1993 (dez meses após o início do funcionamento do Conselho), registramos mudanças ainda em 1993 e depois em 1994, relativas a forma de composição de colegiado. O atual regimento atual do conselho foi aprovado pela resolução 588 de agosto de 2004.