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4 CAPÍTULO 03 – COMUNICAÇÃO PÚBLICA E OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS ESTUDO DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DE

4) Práticas e dispositivos comunicativos (por que circulam nos moldes identificados

4.8 Comunicação no Conselho Estadual de Saúde – coleta e análise de dados

4.9.1 O Rito Deliberativo no Conselho Estadual de Saúde

No período analisado, que compreende 2009/2011, o Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul manteve sistemática mensal, totalizando 26 reuniões ordinárias e três reuniões extraordinárias.

Os encontros ordinários do conselho são precedidos das reuniões de trabalho de todas as comissões temáticas responsáveis pelo estudo, apresentação de relatórios e pareceres sobre temas específicos a serem discutidos, posteriormente, pelo plenário do conselho. As comissões atuam como assessoras do conselho e são compostas de forma paritária pelos próprios conselheiros estaduais de saúde, obedecendo a paridade entre usuários, trabalhadores e gestores.

O Conselho Estadual de Saúde possui 24 vagas de titulares e as 24 vagas de suplentes – metade dos membros é de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), um quarto de representantes é de trabalhadores das mais diversas categorias de profissionais de saúde e um quarto de representantes formados por gestores das três esferas do executivo (municipal, estadual e federal) e gestores de serviços conveniados.

Os conselheiros são eleitos pelos seus pares nos seus respectivos espaços políticos, como é o caso dos usuários que possuem o Fórum dos Usuários do SUS e os trabalhadores que se reúnem no Fórum dos Trabalhadores. Esses fóruns e espaços representativos têm a sistemática de reunião que acompanha a agenda de encontros no Conselho Estadual, por serem instâncias de debate e decisão primeira dos segmentos.

As decisões, problemas e indicações de debates envolvendo a política pública de saúde, que se tornam pauta de discussão temática ou deliberação no Conselho Estadual, são consensuadas nos respectivos fóruns dos segmentos que costumam trazer “posição fechada” para votação no pleno (plenária) do conselho.

Nota-se que o processo decisório que perpassa o Conselho Estadual de Saúde extrapola o espaço público e, sobretudo, o espaço institucional do colegiado. O conselho apresenta-se como espaço em que convergem atores e sujeitos de outros espaços políticos interessados em participar e decidir sobre a política de saúde.

Nesse sentido, ao reunir a totalidade dos conselheiros, as reuniões do pleno surgem como uma esfera representativa do processo deliberativo por potencializar um processo de participação e discussão anterior que inclui as reuniões nos fóruns e espaços dos segmentos,

passa pela atuação das comissões temáticas já na esfera do próprio conselho estadual, culminando nas reuniões em plenário da totalidade do colegiado.

Por regras regimentais, os assuntos (pautas) de cada uma das reuniões do conselho são enviados antecipadamente aos conselheiros, autônomos na propositura dos temas a serem discutidos.

A preparação das reuniões é feita pela secretaria executiva responsável pelo apoio administrativo e operacional ao Conselho. A secretaria responde pela preparação, organização, sistematização e distribuição de informações e documentos que subsidiam as reuniões e pela organização e registro da documentação resultante das discussões e deliberações em atas e outros documentos de interesse do colegiado.

A secretaria conta com uma equipe de servidores estaduais. Na estrutura interna do conselho, a secretaria executiva assessora e está subordinada à Mesa Diretora, composta paritariamente por todos os segmentos.

A mesa possui a figura do presidente, vice-presidente, 1º e 2º secretários, sendo responsável pela coordenação dos trabalhos do colegiado e encaminhamentos das questões internas e externas relacionadas ao processo deliberativo. Institucionalmente, a Mesa Diretora oferece condições para o processo de deliberação acontecer, organizando a “ambiência deliberativa”, ao garantir os meios técnicos (disponibilização de materiais) e políticos (zelar pelas regras do jogo e garantir os mecanismos de participação conforme o regimento interno) para realização das reuniões.

O presidente, com o apoio de seu vice-presidente, respondem pelas relações institucionais internas e externas do colegiado, presidindo as reuniões e garantindo as regras regimentais de funcionamento interno do conselho, além de elaborar os atos que legalmente lhe são exigidos para transformar a deliberação em norma, conforme dispositivos legais que competem à natureza jurídica do colegiado.

O primeiro e segundo secretários, obedecendo à hierarquia estabelecida, assessoram a presidência e a secretaria executiva na elaboração das deliberações e pautas do conselho.

Além da Mesa Diretora e da secretaria executiva, compõem a estrutura interna do conselho as comissões temáticas e o pleno (ou plenário). As comissões têm natureza permanente (com possibilidades de existirem comissões provisórias) e são instâncias técnicas para assessorar o pleno do colegiado nos processos de discussão e aprovação.

Os conselheiros que integram as sete comissões permanentes previstas no regimento interno se reúnem antecipadamente à reunião do Conselho para discussão e emissão de pareceres, posteriormente, discutidos e votados pelo plenário, a instância máxima e soberana de decisão em toda a estrutura interna do colegiado.

As comissões temáticas (ver figura 01) são instâncias de assessoramento técnico sobre aspectos legais e normativos da política de saúde e sobre questões relativas ao funcionamento do próprio colegiado; sobre o acompanhamento do plano estadual de saúde elaborado e executado pela Secretaria Estadual de Saúde; sobre a fiscalização e execução orçamentária e financeira do Fundo Especial de Saúde; sobre problemas e questões relacionados aos recursos humanos que atuam na política de saúde estadual; e sobre o acompanhamento e avaliação da gestão da política de saúde no Estado, além do assessoramento na área de comunicação.

As comissões são formadas por até sete membros sob a coordenação de um conselheiro. Os pareceres emitidos pelas comissões em matérias (assuntos) que lhes competem opinar resultam de trabalho de discussão, pesquisa e estudo realizados pelos próprios conselheiros com possibilidade de assessoria técnica e jurídica de servidores da secretaria de saúde. Os pareceres são sistematizados em relatórios-padrão devidamente identificados com número e título, nome e assinatura dos autores do parecer e membros da comissão, além da identificação dos eventuais integrantes da assessoria técnica, resumo do conteúdo do parecer, justificativa e fundamentação, conclusão e, finalmente, o parecer.

A documentação, enviada aos conselheiros para apreciação antes das reuniões do pleno, é organizada e distribuída pela secretaria executiva, responsável por imprimir fluxo às informações e dados, ao atuar conjuntamente com a mesa diretora. Nesse sentido, são os aspectos logísticos e administrativos (sob a responsabilidade da secretaria executiva) e as relações institucionais e de coordenação (Mesa Diretora) que identificamos internamente como centrais para determinar a dinâmica dos fluxos de informações e dados apropriados pelo processo decisório.

Do ponto de vista comunicativo, o que se nota é uma estrutura verticalizada, instituída regimentalmente, para gestão do fluxo informativo responsável por subsidiar a produção deliberativa, convivendo com estruturas horizontalizadas (em sua maioria não formalizada) de troca de informações e conhecimento presentes nas comissões temáticas e na reunião em plenário. As lógicas de organização da comunicação interna estão em permanente tensão na

medida em que disputam sentido para as informações e para o modo como elas serão agendadas e difundidas no espaço último e legítimo de decisão, o plenário.

Essa relação tensionada entre a verticalidade – que não se traduz, necessariamente, em autoritarismo/imposição, mas de ordenamento – e horizontalidade na produção e circulação de dados, informações e conhecimento elaborado, sistematizado e difundido pelos conselheiros (atores centrais na produção de sentido ao processo de deliberação) é regulada pelas regras de funcionamento do processo de decisão e realização das reuniões deliberativas (previstas em regimento interno).

A relação entre as duas lógicas de produção, organização e difusão de dados e informações são decisivas para definir a natureza, a dimensão e o cenário para realização dos debates e os níveis de intensidade, importância e escopo da decisão.

Nesse sentido, a comunicação e informação, ao darem visibilidade à práxis de atores sociais, fazem com que o controle público obrigatoriamente passe por práticas discursivas (palavra e diálogo) para construir e interferir no espaço público e organizar interesses coletivos, levando a emergência de núcleos de poder com feições verticais e horizontais que dependem de como essas variáveis são apreendidas e colocadas em práticas nos conselhos (OLIVEIRA, 2007).

É essa relação (comunicacional), que adiantamos ser responsável pela criação do ritual deliberativo identificado por como um processo singular, marcadamente formado por etapas características e de regras próprias. São elas:

Expediente: dedicado à aprovação da pauta sugerida e da ata da reunião anterior. A

aprovação da pauta está condicionada a acréscimo de itens que não demandam votação e discussão específicas, o que exigiriam preparação prévia dos conselheiros. Em linhas gerais, há acréscimos de informes rápidos sobre eventos e comunicados rápidos sobre temas diversos relacionados à área de saúde, detalhados na Sessão de Informes. A ata, por sua vez, registra todos os debates de uma reunião, captados por equipamento de gravação e transcritos pela secretaria executiva. As versões do documento são resumidas e objetivas, embora extensas pelo registro amplo das intervenções verbais dos conselheiros inscritos para discutir os itens em pauta. A ata da reunião anterior é enviada antecipadamente para aprovação na reunião seguinte do colegiado, com possíveis correções.

Sessão de Informes: reúne a comunicação das atividades e eventos em que os

reúne informes gerais, como ofícios e convites enviados ao colegiado. Por ter um caráter flexível e passível de agendamento na reunião, a sessão é o momento em que os conselheiros apresentam problemas, denúncias ou preocupações sobre a política de saúde (funcionamento, cobertura e atendimento relacionados ao oferecimento de serviços), ligados aos seus respectivos segmentos ou de suas cidades e regiões (tratadas também como bases de representação). Como regimentalmente a sessão é apenas restrita à apresentação de comunicados e informes gerais de interesse público, e não de debate, algumas questões apresentadas acabam inseridas como discussões temáticas para posterior deliberação em reuniões seguintes, a depender da decisão do plenário. Apesar disso, alguns temas, por suscitarem divergências e se tratarem de denúncias ou assuntos polêmicos, provocam debates entre os conselheiros sem, no entanto, serem conclusivos ou resultarem em entendimento.

Deliberação: sessão com duração superior na comparação com tempo geral da

reunião37 por se tratar do momento em que são discutidas e aprovadas as decisões do colegiado. As questões discutidas são temas de relatórios emitidos pelas comissões temáticas. Os conselheiros relatores apresentam sinteticamente as conclusões do parecer e o pleno se manifesta por meio da participação de conselheiros, que previamente pedem “uso da palavra” para apresentar considerações gerais, argumentos favoráveis ou contrários ao relatório e, em alguns casos, complementações.

Registra-se que as principais questões envolvendo a política de saúde pública (financiamento, qualidade de serviços, recursos humanos, diretrizes e ações de planos, programas previstos na política pública de saúde) são deliberadas, a partir dos enquadramentos dado à questão no momento em que se decide enviar a matéria para uma comissão temática em detrimento de outra.

A capacidade de contextualizar e ampliar a leitura para um problema ou questão específica ligada à política de saúde depende da capacidade de discussão técnica e política no interior de cada comissão, bem como da capacidade de apreensão e sistematização do relator. É necessário ressaltar que identificamos no processo de coleta de dados duas dimensões que caracterizam o processo decisório: uma técnica e outra política. A dimensão técnica é aquela que exige dos conselheiros conhecimentos e informações específicos (e não especializados) sobre a política de saúde (fundamentação, normativas, princípios, lógica burocrática e

37 A duração média de uma reunião ordinária varia conforme o número e natureza dos itens em pauta.

Pode chegar a um dia (com divisão em dois turnos de quatro horas) ou acontecer em um único turno de quatro horas.

administrativa de gestão além do conteúdo conceitual), que perpassam a elaboração, implementação e avaliação/monitoramento, correspondente ao ciclo vital de uma política pública. A dimensão política é a que exige conhecimento conjuntural e contextual capaz de organizar as relações políticas, ideológicas e sociais que perpassam de modo estrutural o ciclo de vida de uma política pública, marcado por um jogo de forças resultantes da relação de poder, do qual resulta a política pública (BONETI, 2006).

Nesse sentido, as comissões temáticas funcionam como uma espinha dorsal do conselho no papel de assessoramento por desencadear as decisões que institucionalmente são deliberadas pelo pleno do colegiado. O funcionamento das comissões imprime ritmo ao processo de deliberação, interferindo no funcionamento do plenário38.

Assim, a autorização de remoção de um servidor, em parecer emitido pela Comissão de Recursos Humanos para apreciação do pleno do conselho – caso frequente identificado nas atas de reunião do conselho –, pode ser enquadrado como um simples pedido de transferência, analisado sob a ótica da legislação em vigor, ou ser representativo para um debate mais amplo, na medida em que extrapola uma situação rotineira do funcionalismo público, como normalmente é tratado, para ser contextualizado a questões estruturais de deficiência na distribuição de recursos humanos, na remuneração de servidores entre outras questões estruturais da política de saúde.

A deliberação, nesse caso, segue o enquadramento que previamente foi dado à questão assim que se apresenta na ‘fila’ para deliberação do colegiado. A decisão de encaminhamento para determinada comissão e o tratamento dado ao assunto no parecer consolida um enquadramento e transforma-se, portanto, no agendamento que a questão assumirá no plenário e no posterior ato de decisão. Os pareceres dos relatores tendem a ser aprovados pelos pares sem muitos questionamentos. A discussão em torno do parecer se dá mais pela natureza do assunto relatado do que pelo conteúdo do relatório. Como situação representativa, apontamos que das atas analisadas, apenas um relatório relacionado ao afastamento de uma conselheira de saúde acabou reprovado.

38 Conforme registro em atas e na manifestação de conselheiros durante reuniões, as comissões do Conselho

Estadual de Saúde apresentam restrições em seu funcionamento, com ausência e dificuldades de reunião de seus membros, falta de regulamentação e detalhamento nas atribuições e dificuldade de conselheiros em atuar nesses espaços que exigem conhecimento técnico específico, além de composição incompleta (o que dificulta discussões e legitimidade para emissão pareceres).

Observando a relação dos relatórios de comissões temáticas com as deliberações do colegiado39, registra-se que o conjunto das deliberações, apontadas nas atas disponibilizadas pelo Conselho Estadual de Saúde, podem ser classificadas, a partir da temática de cada comissão40: