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A compreensão do conceito de participação é o elemento fundamental que orienta essa pesquisa. Para entender como se deu o processo discursivo do Procultura é preciso, antes, saber que esses diálogos se constituem em espaços específicos, dentro de um contexto político próprio, e que apontam a posição política daquele que o profere.

Nesse sentido, este capítulo buscou retomar algumas teorias sobre democracia que direcionaram o entendimento da participação. Apesar da participação não ser o único elemento que compõe a ideia de democracia, como se pode observar nas diversas correntes democráticas aqui elencadas, ela é matéria essencial na consolidação do regime democrático.

Fazendo, a princípio, uma diferenciação mais ampla entre democracia representativa e democracia participativa, o capítulo apontou a composição de um modelo híbrido no Brasil. Avançando um pouco mais no debate, de modo a traçar esse perfil democrático assumido nas gestões, foram discutidos dois modelos fundamentais para traçar o panorama da participação: o modelo deliberacionista, baseado em Habermas (1962), que mantém a noção central de "esfera pública e debate público, que supõe a intromissão da esfera civil na produção da

decisão política através, dentre outros elementos, do exercício da influência e da pressão sobre os agentes do campo político", como destacado em Marques (2010); e um contraponto à democracia deliberativa, partindo das visões de Jacques Rancière e de Chantal Mouffe, que posicionam o conflito, o antagônico, como elementos essenciais à realização da política, com críticas ao consenso estabelecido no modelo deliberacionista.

Os modos de atuação e as relações mantidas entre Estado e sociedade na discussão da esfera pública foram destacados ainda no primeiro tópico do capítulo, expondo a necessidade de manutenção de outras esferas para reivindicações da sociedade civil para além daquelas disponibilizadas pelo Estado. É preciso que a inserção dos atores sociais na discussão não anule os espaços participativos não institucionais. Para finalizar o primeiro tópico, uma abordagem dos limites da participação política, esboçando os desafios para a consolidação de uma participação efetiva dos atores sociais na definição de políticas públicas.

O segundo tópico se volta ao debate da democracia estabelecida no Brasil. Para isso, traça-se o cenário desde a consolidação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição cidadã, passando pelas instituições participativas (IP's) formalmente criadas para inserção de representantes da sociedade civil na discussão das questões relativas à administração pública.

O modo petista de governar e os reflexos do programa ideológico do PT nas gestões federais de Lula e Dilma encerram as discussões do capítulo, deixando para o capítulo seguinte um arcabouço de informações significativo para a compreensão das políticas culturais no contexto dos governos petistas.

É importante entender que a participação, além de todas as outras questões que a circundam (como o fato de prevalecer a participação institucionalizada), exige esforços - de tempo, de mobilização, intelectuais - que nem todos estão dispostos a ceder. É preciso, com isso, encontrar alternativas de estímulo para que a sociedade civil possa atuar de modo mais incisivo. Como destaca Wilson Gomes (2011), quando afirma que "tudo que se pode fazer, acredito, é criar meios de participação, oferecer oportunidades para que estes meios possam ser usados e esperar que características incluídas nas oportunidades (constrangimentos ou recompensas) sejam suficientes para motivar a participação". (GOMES, 2011, p.40)

Ainda que sejam ações pontuais, as iniciativas de participação remetem a uma experiência democrática e criam repertórios democráticos que subsidiam a estruturação de políticas, como aponta Marques:

A iniciativa de se conferir maior legitimidade à produção de políticas e à discussão de temas de natureza pública, ainda que não seja aceita pacificamente, parece vir

legitimidade dos regimes e das práticas democráticas. Prova de tal fenômeno é a preocupação crescente de representantes políticos em fortalecer os modos de interação e de troca de ideias com os cidadãos [...] É preciso, todavia, aperfeiçoar tais processos e estimular os cidadãos a tomarem parte deles, a fim de, efetivamente, levar em conta razões e perspectivas diversas na formulação de políticas públicas. (MARQUES, 2010, p.66)

Seja a participação efetivada em espaços institucionalizados, ou em esferas não institucionais, seja ela realizada no âmbito do Executivo, do Legislativo ou nos movimentos sociais de um modo mais amplo, é a sua dimensão política e seu poder de induzir decisões, gestões mais eficientes e políticas públicas mais assertivas que aqui se discute, de forma a entender os resultados desse debate articulado entre governo e sociedade na construção do projeto de lei do Procultura.

III POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL

Os estudos em torno do financiamento à cultura e das políticas culturais no Brasil não são novos para pesquisadores do segmento e para gestores e produtores culturais. O debate mais amplo junto à sociedade civil, no entanto, representa ainda um processo em expansão e que encontra, em sua trajetória, alguns entraves de natureza política e cultural.

Refletir sobre a participação civil e o diálogo mantido entre governo e cidadão no segmento cultural implica, inicialmente, pensar o contexto onde se constituíram as políticas culturais em âmbito nacional, colocando em xeque todas as expressões que marcam a sua história: autoritarismo, caráter tardio, descontinuidade, desatenção, paradoxos, impasses e desafios. (RUBIM, 2007, p.11)

São os caminhos percorridos pela cultura e os papéis exercidos pelo Estado que o presente capítulo discute. Mais que compreender a política cultural desenvolvida no Brasil e seus mecanismos, é necessário entender que espaços foram ocupados pela cultura enquanto ferramenta de desenvolvimento e transformação social e de que forma a sociedade interveio nesse processo.

De modo a facilitar a compreensão dessas políticas, o estudo foi dividido em três momentos: o primeiro se volta aos governos autoritários, onde as políticas culturais foram inauguradas e nos quais a cultura ocupou papel primordial, com a criação de diversas instituições e equipamentos culturais, tais como Conselho Nacional de Cultura, o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentre outros; o segundo momento foi marcado pela redemocratização e pelo surgimento das leis de incentivo; e a última fase, onde é destacado o protagonismo do financiamento à cultura por meio da Lei Rouanet.

Alguns pontos são especialmente relevantes nesse debate: Por quais mudanças o sistema de financiamento passou desse período até hoje e que postura o Estado adotou junto ao setor cultural? Como ocorre o debate e a inserção civil nesse processo? Como a conjuntura socioeconômica interferiu no financiamento cultural e quais os reflexos e paradoxos desencadeados por essa intervenção? Que perspectivas podem ser observadas a partir do atual panorama das políticas culturais?

Visando entender essas dinâmicas, é exposto, a princípio, o cenário da cultura, passando pelas transformações acarretadas pela globalização e pela discussão do papel exercido pelo Estado nesse contexto. Aqui, são levantadas questões acerca da mercantilização da cultura e do posicionamento estatal diante desse quadro.

debate a implantação e reforma da Lei nº 8.313/91, popularmente denominada como Lei Rouanet, além da análise do funcionamento do Fundo Nacional de Cultura - FNC e dos fundos de investimento, apresentando o modo como esses instrumentos funcionaram nos últimos anos e foram retomados e reformulados em governos mais recentes, especificamente nas gestões petistas federais, partindo de demandas dos atores sociais.

A análise da política de financiamento cultural permite entender que papel a cultura vêm ocupando no debate público, que discursos são produzidos pelo Governo e pela sociedade e quais desdobramentos sociais provêm da articulação entre a participação e a elaboração de políticas culturais. Dessa forma, o presente capítulo contempla alguns rumos para o financiamento cultural, colocando em pauta a criação de subsídios para a construção de políticas públicas que consigam abarcar as reais necessidades da população, bem como superar desigualdades e efetivar o processo de democratização do acesso à produção e fruição cultural.