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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 60-63)

Durante os conflitos pela posse da terra no Acre iniciados a partir da década de 1970, os quais confrontaram-se seringueiros e fazendeiros, podemos perceber ao longo da nossa pesquisa, que ambos os lados envolvidos usaram de diferentes estratégias para fazerem valer o seu direito sobre a terra.

Inicialmente, os fazendeiros tiveram grande vantagem diante dos seringueiros, devido, dentre outros motivos, ao apoio do estado, em quase todos os momentos da disputa, legitimando suas ações, através de atitudes omissas e contraditórias, desconsiderando assim, em muitos casos, os direitos dos trabalhadores rurais sobre a terra que ocupavam. Não podemos deixar de mencionar também, que os fazendeiros possuíam uma capacidade superior no trato destas questões, a partir das experiências adquiridas em enfrentamentos fundiários já ocorridos em outras regiões do Brasil.

Por consequência disso, os fazendeiros passaram a subjugar os seringueiros através de diversas formas de violência, tendo com isso, muitos sido expulsos e marginalizados nas periferias urbanas ou se refugiado em seringais bolivianos sem ter recebido quase ou nenhum direito indenizatório.

Mesmo, sobre esses percalços, vale destacar que eles sempre procuram resistir de alguma maneira a opressão sofrida, porém não tinham, inicialmente, condições objetivas para fazer valer os seus direitos. Muitos recorreram aos poderes instituídos para denunciarem os abusos que vinham sofrendo, porém, a maioria dessas iniciativas não resultou efeito satisfatório devido o comprometimento do Estado com os latifundiários.

Devido a esses fatores, muitos decidiram reagir por conta própria através de atitudes caracterizada, por alguns autores, dentre eles, Paula (1991) e Calaça (1993), de resistências individuais ou isoladas, revidando também com violência as investidas dos fazendeiros.

No entanto o quadro só começou a mudar quando eles passaram a contar com a ajuda de alguns colaboradores. A primeira ajuda significativa, veio por parte da ala progressista da Igreja Católica, que passou a desenvolver no meio rural um trabalho de conscientização e organização dos trabalhadores.

Foi através do trabalho comunitário realizado nas Comunidades Eclesiais de Base em 1973, que os seringueiros passaram a se organizar com frequência não só para as práticas religiosas, mas também para discutirem os problemas que vinham passando e buscarem maneiras para resolvê-los.

Ampliando o trabalho iniciado no meio rural pela Igreja Católica, a CONTAG se instala no Acre em 1975, dando as condições que faltavam para que os trabalhadores se organizassem em sindicatos e passassem, de forma organizada e coletiva, a oferecer resistência às expropriações que vinham sofrendo. Através destas ações, são criados os STRs, entre os anos de 1975 a 77, tendo primeiramente o sindicato de Brasiléia (1975) se destacado na condução do processo de resistência dos trabalhadores rurais de todo o Estado.

Na opinião de Paula (1991, p. 102), foi através dos sindicatos, que os seringueiros rompem com as outras formas de resistência antes empregadas e passam a agir de forma coletiva e organizada. Concordando com o pensamento de Paula (1991), avaliamos que é por meio dos sindicatos que os seringueiros conseguem demonstrar para as autoridades instituídas e para a sociedade em geral, que os conflitos por terra no Acre não eram caso de polícia, mas sim uma questão política.

É por meio desses fatores externos, que os seringueiros adquiriram às condições que faltavam para colocarem em prática a estratégia de resistência dos Empates. Uma de suas formas mais marcantes de luta em defesa do seu modo de vida.

Foi em Brasiléia que esta resistência se constrói e se ratifica para os demais municípios acreanos, adquirindo características peculiares de cada região, mas conservando ali na região do Alto Acre as suas características mais elementares.

A pesar da ajuda que tiveram, entendemos que foi às próprias condições materiais e afetivas, desenvolvida pelos seringueiros no próprio cotidiano do seringal, os elementos mais imediatos que possibilitaram a eles criarem e aperfeiçoarem a estratégia dos Empates ao logo dos anos.

Foi defendendo o direito de permanecer nas colocações de seringa, local de onde tiravam o seu sustento econômico, a partir de uma relação homem natureza, que os seringueiros criaram e recriaram a estratégia dos Empates. Pois empatar o desmatamento de suas colocações significava manter assegurado o seu sustento econômico e continuar se reproduzindo social e economicamente naquele espaço.

Em pouco tempo, empatar as derrubadas promovidas pelos fazendeiros passou a ser um dever de muitos seringueiros. Com o amadurecimento da luta manifestada nos Empates, os seringueiros passaram a reivindicar a sua permanência na terra enquanto direito histórico- cultural, herdado de seus ascendentes nordestinos que migraram para o Acre durante as primeiras fases de exploração da borracha e se fizeram ali seringueiros. Aprendendo empiricamente a superar muitas das dificuldades apresentadas por uma floresta densa, porém

repleta de variadas riquezas naturais. Riquezas que mesmo não tendo promovido o bem estar econômico destes sujeitos ajudou a criar ali uma relação de pertencimento ao local em que morava, gerador de um modo de vida próprio do seringal. Combustível que vai alimentar a disposição de luta e de resistência manifestada nos Empates contra as derrubadas.

Diante do exposto, entendemos que apesar dos Empates terem permitido a manutenção de parte dos seringueiros assentados em suas colocações, a grande maioria dos seringais foram desmatados. Situação que ocorreu, segundo o que podemos avaliar de nossa pesquisa, devido a dois fatores principais: primeiro devido aos acordos realizados com os fazendeiros nos molde que previa o Estatuto da terra e orientava a CONTAG. Segundo, devido o apoio do estado, garantido em larga escala, o direito de desmatar dos fazendeiros, através de seus órgãos e representantes.

Estimativas realizadas por outros pesquisadores, a exemplo de Adalberto Ferreira da Silva (1982) e Marcio Souza (1990), dão conta que um terço das terras acreanas foram parar nas mãos dos paulistas. Na maneira de pensar do seringueiro Sabá Marinho: “os fazendeiros não fizeram o que queriam, [pois] o sentido deles era acabar com a floresta, botar o boi e o

acreano que fosse num sei pra onde [...]”.80

A partir desse relato e de outros documentos analisados durante a realização dessa pesquisa, podemos inferir que mesmo não tendo conseguindo evitar as derrubadas da maioria das áreas dos seringais que ocupavam, os seringueiros conseguiram, através dos Empates e outras formas de resistência, frear a ação de muitos fazendeiros. Mantendo assim preservado, não só o direito de posse de muitos trabalhadores, más também, a manutenção de certos valores sócio-culturais próprios de um modo de vida constituído nos seringais e que ajudam a compor a nossa identidade de acreano.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 60-63)