• Nenhum resultado encontrado

Empate: A atuação da CONTAG e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na consolidação da resistência seringueira.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 50-55)

CAPÍTULO 3: POSIÇÕES INSTITUCIONAIS SOBRE A LUTA PELA TERRA NO ACRE

3.2. Empate: A atuação da CONTAG e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na consolidação da resistência seringueira.

Sobre as providências necessárias para que os seringueiros pudessem realizar a primeira estratégia de resistência denominada de Empate, ocorrida em Brasiléia, Cícero Galdino, relembrando essa experiência de forte medo e tensão, vivida por ele e os demais seringueiros do seringal Carmem, afirma que:

[...] Por Deus que a gente tinha sindicato. Já tinha sido fundado em 75, nê? Era os anos 76. E ai, a gente sabia que pra fazer isso daí [Empate], nós tinha que ter um advogado e o advogado seria o Dr. Pedro. Ai foi no dia que ele chegou, nós empatemo. 66

Neste relato fica evidenciada a participação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e da CONTAG, representada por seu advogado, Pedro Marques da Cunha, já na primeira ação de resistência organizada, esboçada pelos seringueiros acreanos. Fazendo-se, como afirma Cícero Galdino, forças indispensáveis à realização deste e de muitos outros Empates que ocorreram posteriormente ao longo das décadas de 1970 e 80, principalmente.

Sabiam os seringueiros que empatar os interesses de fortes grupos econômicos àquela época, era uma atitude ousada e perigosa, pois contavam os fazendeiros, além dos seus jagunços, com o apoio do Estado, através de seu aparelho de repressão. Nesse sentido o assessoramento do Sindicato e da CONTAG, era algo extremamente necessário diante da problemática que poderia resultar o Empate.

Foi quando chegou sindicato pra nós ser sindicalizado, pra nós ter uma autoridade do nosso lado, porque as outras autoridades nós não tava contando como autoridade. Eles tava desconhecendo nós como cidadão brasileiro. Como cidadão não! Porque se eles considerasse nós como cidadão brasileiro, tinha um outro sistema de vida. Não esse homem não pode sair desse lugar, ele é um trabalhador, ele tem a família dele.

67

Fica também evidente nas palavras de Cícero Galdino que os seringueiros estavam totalmente desamparados pelos poderes instituídos da época, tendo o Sindicato e a CONTAG como único apoio institucional favorável para que pudessem resistir às expulsões que vinham sofrendo.

Foi para atuar exatamente nestas questões de conflitos por terra que a CONTAG chega ao Acre em maio de 1975, instalando sua delegacia regional na cidade de Rio Branco, com competência para atuar em todo o Estado e no município amazonense de Boca do Acre.

66 ARAUJO, Cícero Galdino [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

67

Para o encargo de delegado desta instituição, foi nomeando João Maia Filho. Segundo depoimento do próprio João Maia:

O objetivo da CONTAG é em primeiro lugar fundar sindicatos para os trabalhadores. O sindicato deve ser a organização dos trabalhadores rurais que compreendem seringueiros, posseiros, peões da agricultura e de certa forma pequenos proprietários. [...] Uma vez fundado o sindicato a delegacia da CONTAG

tem a função de coordenar o movimento.68

Nessa empreitada, a CONTAG passou inicialmente a atuar em parceria com a ala progressista da Igreja Católica, liderada pelo Bispo D. Moacyr Grechi. Porém com o avançar do tempo, ambas passaram a disputar a hegemonia política do movimento de resistência dos trabalhadores rurais, divergindo assim em certos posicionamentos. (CAVALCANTE, 2003, p.76).

Devido à parceria inicial com a Igreja Católica, a CONTAG tem o seu trabalho facilitado, uma vez que aquela instituição já vinha desde a década de 1960 desenvolvendo um trabalho de conscientização e organização de camponeses através, principalmente, do associativismo rural e depois através das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.

Assim, a CONTAG passa a realizar diversas reuniões junto ao campesinato acreano, ministrando cursos sobre sindicalismo e formação de lideranças, conseguindo concretizar em pouco tempo os trabalhos de fundação dos sindicatos. No entanto, essas reuniões eram sempre cheias de muitas cenas comoventes, o que revelava a natureza trágica que aquele modelo de progresso instituído vinha implicando para os seringueiros.

Ao relembrar algumas dessas reuniões que participou, na qualidade de jornalista, Élson Martins, destaca que:

Eu assisti reuniões de organização de sindicatos que eu confesso que eu chorava. Me arrepiava. Tinha aquelas velhinhas assim que no desespero, levava as mãos pro céu e diziam: - Só Deus me tira daqui! [...] Eu vi pessoas, seringueiros, chorando em cima de um tronco de uma castanheira. Que os caras tinham passado por lá, os peões, os fazendeiros, os jagunços e desmataram grandes áreas. E depois ele [seringueiro] foi vê o estrago e sentou [...], chorando em cima da castanheira69. A partir desse depoimento podemos compreender o sentimento manifestado pelo seringueiro em relação ao local em que morava. Um sentimento que, talvez, não se traduzia pelo conhecimento urbano da época, mas que revela um sentimento de quem tinha aprofundado um modo de vida no meio da floresta. Assim, podemos avaliar que o seringueiro não chorava apenas pela árvore que fora derrubada, mas por sua cultura, por seu modo de vida que estava tombando com ela.

68 JOÃO MAIA FILHO, apud PAULA (1991), p. 83.

69

No entanto, essa situação só começa a se reverter quando passaram a ser fundado os primeiros Sindicatos dos Trabalhadores Rurais – STRs, possibilitando aos seringueiros e posseiros, um espaço próprio de representação para lutarem, de forma organizada, por seus interesses.

Nessa nossa organização, muita gente, muitos companheiros se aliaram a classe seringueira. Na nossa luta nós tinha a CONTAG, né? Foi quem fez com que a gente fundasse os sindicatos do Acre. Justamente é a CONTAG, organizada pelo, Dr. João Maia, né? João Maia Filho, juntamente era o delegado regional da CONTAG aqui no Acre.70

Analisando a historiografia já produzida sobre sindicalismo no Acre, verificamos que as datas de fundação dos sindicatos de trabalhadores rurais obedeceram à seguinte ordem cronológica: Sena Madureira e Brasiléia em 1975. Depois os de Rio Branco, Cruzeiro do Sul

e Tarauacá, em 1976. E por último, os de Xapuri e Feijó, em 1977.71

Mesmo tendo sido fundado, em Sena Madureira, o primeiro sindicato, é o de Brasiléia que vai se destacar, dentre os demais, assumindo a condução do movimento de resistência dos trabalhadores rurais de todo o Estado. Posição que vai ocupar até a década de 1980, quando ocorre o assassinato de Wilson Pinheiro e certo retrocesso do movimento de resistência dos trabalhadores.

A partir desse momento, emerge o STR de Xapuri que passa a agora a liderar os encaminhamentos da luta, principalmente quando em 1982, uma nova diretoria assume aquele Sindicato, tendo a frente Chico Mendes como presidente.

Depois de terem sido fundados os STRs, a CONTAG passou atuar, principalmente, oferecendo assistência jurídica aos trabalhadores que se encontravam naquela época totalmente alienados de seus direitos legais. Somente com a instalação da CONTAG no Acre é que eles de fato passam a receber uma orientação jurídica mais especializada, já que a igreja já vinha desenvolvendo um trabalho semelhante, más apenas de forma muito incipiente.

No entanto, não foi fácil para a CONTAG encontrar um advogado disposto a atuar na defesa jurídica dos trabalhadores. Pois tal atitude significava ir contra os anseios de fortes grupos econômicos com capacidade suficiente de influenciar em quase todas as esferas dos poderes instituídos, inclusive, no judiciário acreano, visto por muitos na época, como de péssima reputação.

70 SOUZA, Francisco Ramalho [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

71 PAULA, Elder Andrade. Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca da liberdade. Itaguaí, 1991.

Assim, o primeiro advogado que aceitou esse encargo, foi Pedro Marques da Cunha Neto. A respeito deste advogado, Élson Martins afirma que:

Ele começou a estudar Direito quando ele tinha 50 anos. Ele era caminhoneiro na Rio - Bahia, então era um sujeito experiente, muito inteligente. Veio pra cá pra fazer concurso pra juiz, que foi um concurso fraudado [...]. Então ele era uma figura fundamental, até porque ele era excluído. Nessa época ele tinha [...] reclamado do resultado do concurso, então era um cara queimado como advogado. Então foi um bem pra ele a CONTAG chamar. Era o único que aceitava trabalhar com a CONTAG pra defender seringueiros.72

Devido à forma arrojada de advogar, Pedro Marques, logo adquiriu fama e respeito junto aos trabalhadores rurais. Outro ponto forte era a forma como ele se dirigia aos trabalhadores, através de um discurso objetivo e na forma que eles entendiam:

Olha você ta dizendo que chegou o jagunço lá na sua casa, mexeu com tua mulher, ela desmaiou, teus filhos ficaram chorando [...] Pois olhe, tem uma artigo na Constituição que diz o seguinte: se isto acontecer, você pode pegar uma arma e dar um tiro, se defender , você pode matar, isso é invasão domiciliar. Agora, eu não vou defender a tua mulher não, a minha eu defendo, lá em casa ninguém entra porque se entrar eu dou um tiro. Agora se o jagunço chegar na sua casa, eu sou pago pela CONTAG pra te defender diante da lei [...]. 73

Para Cavalcante (2002, p. 76), “o mesmo sentimento de respeito pela lei que era explorado pelos fazendeiros para intimidar os seringueiros, Pedro Marques utilizava para encorajá-los a defender seus próprios direitos”.

Devido ao trabalho desenvolvido com destreza e afinco, o que lhes permitiu ganhar várias causas em prol dos seringueiros e posseiros, Pedro Marques sofreu várias ameaças e tentativas de morte. Devido a esses fatos, a sua estadia no Acre tornou-se insegura. Mesmo assim, trabalhou na CONTAG de 1975 até 1982, quando deixou o Estado escoltado por

trabalhadores rurais, regressando a sua terra natal, o Estado do Ceará.74

De acordo com Paula (1991, p. 85), a linha de trabalho adotado pela CONTAG para encaminhar a luta dos seringueiros foi à mesma que adotou a entidade a nível nacional, através do que estabelecia o Estatuto da Terra. Para isso, foi preciso enquadrar o seringueiro na categoria de posseiro, já que a categoria funcional de seringueiro não existia na lei.

Sobre essa lei, Chico Ramalho destaca que:

E ai nós se amparamos aqui na lei, que ela foi feita exatamente pra defender o latifundiário, mais nós pegamos um pequeno trecho da lei 4.504, do Estatuto da Terra. Nessa lei, nós se baseamos em um item lá que eu não to lembrado o item, mas nós se baseamos, que diz: “todo lavrador que lavra a terra por ano e dias, ele é devido posseiro.

72 Martins, Elson [2010]. Depoimento oral cedido ao autor.

73 PAULA, Elder Andrade. Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca da liberdade. Itaguaí, 1991. p. 97.

74

Observe que para ser caracterizado como posseiro, o seringueiro teria que lavrar a terra, ou seja, cultivá-la. Uma situação embaraçosa, pois a atividade principal do seringueiro é o extrativismo e não a agricultura em si. Como os serviços tradicionais desenvolvido nos seringais, como manutenção das estradas de seringa, conservação dos castanhais, dentre outros, não eram entendidos como benfeitorias, a CONTAG passou a incentivar que eles formassem benfeitorias, nem que fosse pasto para que pudessem ser caracterizados pela lei como posseiros.75

Foi através da ajuda oferecida pela CONTAG e outros colaboradores, que os seringueiros adquiriram as condições necessárias para realizarem o primeiro Empate. Que devido os resultados obtidos, passou a ocorrer em quase todos os municípios acreanos, mobilizando seringueiros e posseiros a reagirem de forma organizada contra os desmatamentos de suas áreas.

Destacando o desfecho desse primeiro Empate, Cícero Galdino assevera que ele e os demais seringueiros envolvidos foram parar na 4º Companhia de Fronteira [Exército]. Ali formalizaram um acordo que resultou na indenização dos seringueiros envolvidos com um lote de terra. Porém, no momento do acordo, o preposto de fazendeiro, conhecido por Euzébio, mencionou que não indenizaria quatro seringueiros participantes do Empate.

Diante desta negativa, Cícero Galdino, relembra as palavras proferidas por João Maia:

Quer dizer que você não vai dar terra pros meninos [...]. Bom! - Diga a seu Francisco de Messias, seu Cícero Galdino, seu Francisco Cavalcante e seu Chico Pacheco, que eles quatro lá, que eles vão pra justiça, mas pra justiça da CONTAG [falou João Maia]. Quando ele disse vamos pra justiça da CONTAG, ai ele [Euzébio] caiu. Ai ele disse [Euzébio]: - não! Eu vou dar terra pros meninos. Quando ele viu que o negócio tava na CONTAG mermo, ai ele caiu fora. Foi o jeito ele dar. Hoje eu tenho minhas 30 hectares de terra76.

Fica bastante evidente nas lembranças de Cícero Galdino e outros seringueiros entrevistados, a confiança depositada pelos trabalhadores rurais na figura de Pedro Marques e outras lideranças da CONTAG, dentre eles o próprio João Maia. Uma confiança voltada não apenas no sentido estrito da palavra, más de transferência de responsabilidade, esperando que estas pessoas resolvessem os seus problemas.

Uma atitude que pode ser explicada a partir da relação paternalista consolidada entre o seringueiro e o patrão-seringalista. Estando o primeiro isolado na mata e submetido a uma série de regras impostas pelo sistema seringal, o patrão acabava se tornando uma figura de

75 DUARTE, Élio Garcia Duarte: Conflitos pela terra no Acre: a resistência dos seringueiros de Xapuri. Rio Branco-

Acre. Casa da Amazônia, 1987. p.74.

76

destaque, sendo quase que exclusivamente o único a quem o seringueiro poderia recorrer para resolver determinados problemas. Principalmente àqueles que extrapolavam o âmbito do seringal, como a assistência em casos de doença.

Assim, depois que os seringais foram adquiridos pelos fazendeiros, esta relação não se estabeleceu com estes sujeitos. Sendo transferida para algumas lideranças da CONTAG e dos STRs que passaram a ser fundamentais na luta de resistência pela posse da terra. Com o passar do tempo, os seringueiros acabaram rompendo com esse paradigma, estabelecendo em suas próprias bases, a luta pela permanência na terra.

A pesar de ficar destacada nas entrevistas a contribuição dada pela CONTAG no processo de resistência e criação dos STRs, com base em nossa pesquisa, podemos avaliar que, com o passar do tempo, as orientações dada por essa entidade passaram a ser contestadas pelos seringueiros.

Mesmo assim, levou certo tempo para que os seringueiros rompessem definitivamente com esses encaminhamentos, que baseado no Estatuto da Terra, previa acordos indenizatórios realizados com os fazendeiros. Acordos estes, que estavam contribuindo para desestruturação econômica e social dos seringueiros, pois não permitia que eles continuassem sobrevivendo do extrativismo, devido, dentre outros fatores, a limitação demasiada dos lotes recebidos na forma de indenização.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 50-55)